FLAGRANTES DO QUOTIDIANO (6)

É tempo de Natal. Celebre a vida, brinde as conquistas e cubra-se de esperanças.

(Popular)

JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

1-Sem chuva a atrapalhar, participei num almoço de amigos para assinalarmos a festa do Natal. Ainda estávamos relativamente distantes da data convencional. Os amigos dividiam-se pelos antigos e pelos mais recentes. O momento oferecia-se propício, o local bem escolhido era aprazível, o menu apelativo e, provou-se, bastante saboroso. Tudo a conjugar-se para uma confraternização assente na amizade e no respeito. Tive a feliz ideia de me lembrar, uma hora antes, que podia perfumar o ambiente do encontro. Possuído pelo mais são espírito natalício, ofereci livros meus aos convivas. Devidamente autografados, em humilde tentativa de fazer bonito. Feliz ao dar autógrafos, puxei pelos meus melhores sentimentos e, escrevendo, manifestei o que pensava do camarada que iria tornar-se legítimo proprietário de um dos meus livros. Esperançado de que o lesse e viesse a ter opinião sobre ele. São momentos especiais vividos entusiasticamente por quase todas as pessoas que escrevem e se julgam escritores.

Mas, deixo os livros para dizer, convictamente, que o Natal já não é o que era. Nem poderia ser, porque o tempo passa, e à velocidade que este tem corrido, muda tudo, torna tudo efémero, inclusivamente as recordações que, sem avisar, desaparecem magicamente da nossa memória. Para tipos da minha idade, principalmente, nunca poderá ser o Natal que já foi. Caramba! Como envelheci! Ainda consigo notar. Mas não me sinto velho, alinho com o que me dizem os que me vêm, dizem-me os médicos e vou acreditando. Você tem uma saúde muito boa. Só gordura no fígado, precisa de caminhar mais, perder peso. Concordo, mas lembro as dificuldades que tenho em calçar as peúgas e os sapatos. Aquele movimento de apertar os atacadores dos sapatos é simplesmente deprimente.

O Natal de setenta e tal anos atrás, aquele de que eu ainda guardo memória era bem diferente. Não exactamente porque muita coisa mudou nas nossas vidas, até na ideia moderna que se tem da própria festa do Natal. O protagonismo que adultos e crianças tinham na festa da família alterou-se, transferindo a sua mística, em grande parte, para os melhores e maiores parques de diversão da actualidade: os telefones móveis, de múltiplas funcionalidades, com toda a gama de ofertas lúdicas que oferecem! Daí que a Festa da Família se faça hoje mais com os telemóveis do que com a própria família.

2-Nesta quadra o país entra em estado de ebulição, fervilha, a vida fica em estado de agitação constante. É normal. Os pensamentos, alguns deles delirantes, estão voltados para a Grande Festa da Família. As nossas televisões vão mostrando imagens do que se passa pelo país. Nem sempre as reais ou as mais importantes, diga-se em abono da verdade. Ainda assim, vai-se sabendo que na Lunda-Norte o gás butano não faltará nas cozinhas, o stock é suficiente para aguentar a demanda, podendo dizer-se o mesmo dos produtos alimentares mais consumidos. O que vai faltando em muitos lares e sem dúvidas nenhumas, na Lunda-Norte como no resto do país, é o dinheiro que possibilita a aquisição desses bens. O maldito dinheiro que nestes dias, de tão escasso que está, até parece ter desaparecido dos bancos, ou pelo menos das máquinas do sistema interbancário. As filas à frente das caixas mágicas são impressionantes. Mas dinheiro, nada! Dá vontade de perguntar, “afinal o que se está a passar com o dinheiro do país, com o nosso dinheiro?” Sendo pergunta fácil de responder, segundo o que a maioria dos economistas e especialistas em finanças, os independentes, está visto, afirmam, encontra muitas dificuldades de explicação por parte dos governantes e das instituições financeiras que nos servem. Não conseguem esclarecer devidamente o povo, sobre a circulação da massa monetária e acerca do destino das receitas das nossas exportações que não são coisa pouca como todos sabemos. Fica por explicar também o real montante da nossa dívida externa, para que serviu tanto dinheiro e como a tal dívida se sustenta e realiza. Não haveria tanta contestação, perguntas deste tipo, tanta maka a incrementar o fomento da especulação que não ajuda ninguém, se essa obrigação constitucional (a de se explicar em linguagem clara e fácil) fosse cumprida.

3-Desconheço a lei e os trâmites que definem ou orientam o modo como um servidor público deve ser exonerado. Sei, todavia, que quando se decide que esse funcionário deixe de prover o cargo público, deve ser avisado, em obediência à ética que deve estar presente tanto no acto da admissão como no da sua dispensa. O modo de que se revestiu a recente exoneração de dois membros do nosso governo, não foi, de todo, nem o mais simpático nem o mais correcto. O pior é que casos desses não são originais entre nós e obrigam a que qualquer cidadão na posse dos seus direitos legais, tome posição para dizer que não servem, de modo nenhum, de bom exemplo num Estado Democrático e de Direito.

4-Quando no exercício de um cargo de direcção na Ensa-Seguros de Angola, há largos anos, fui obrigado a deslocar-me, num certo dia, a uma província para dar a conhecer a trabalhador sénior, a decisão da Direcção da empresa, de o afastar das suas funções. Tarefa ingrata, não foi nada fácil de realizar. Mas era necessário fazê-lo e fi-lo com dignidade. Há coisas que têm que ser feitas e quando chega a hora, não há outro caminho que não seja realizá-las. Até no futebol, quando se afasta um elemento, seja um jogador ou um técnico, que já não serve os objectivos da equipa, se faz com conversa prévia, com gesto de alguma discrição e elegância. Fica bem, e os cidadãos gostam. Assim, deste modo que procedemos, decididamente, não!

Com os melhores cumprimentos e com o desejo de que os meus estimados leitores e amigos preparem uma Festa de Natal alegre e sobretudo digna, espero por todos, no próximo domingo da Consoada, mas à hora do matabicho.

Luanda, 20 de Dezembro de 2023

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