Chegado ao poder por um acaso do destino, a meio do segundo e último mandato legal, é real o desgaste da imagem daquele candidato que em 2017 prometeu fazer diferente. Atingir os mínimos olímpicos da boa governação. Com humildade. Em nome da dignidade do Estado. Com olhos postos na correção daquilo que estava mal. Criou expectativa para a construção de um modelo arejado, patriótico e lúcido de governação. Repudiou o deprimente culto militante de personalidade e a nefasta longevidade da liderança. Prometeu cumprir a Constituição e a Lei. Foi ouvido com esperança.
Mas com a morte da bicefalia partidária assistimos lentamente ao trágico renascimento do governo de um só. Manipulando o partido em vez de o reconstruir com bases éticas. Marginalizando a sociedade civil que defendia um país para todos classificando-a como “lúmpen”. Ofendendo o prioritário. Ignorou a miséria e o sofrimento da maioria da população. Mostrando que não existia nenhuma visão que conduzisse Angola para um patamar de dignidade humana.
Em mais de 2.500 dias de governação o país encolheu em todos os sentidos. Não foi visível nenhum tipo de grandeza na liderança. Perdeu a luta contra a corrupção. Perdeu o milagre económico. A diversificação da economia. Perdeu a nova escola que devia fazer a diferença. Perdeu a luta contra a mortalidade e morbilidade. Perdeu a lucidez orçamental. Perdeu o respeito popular. Esteve sempre ausente na calamidade. Perdeu a Justiça. Perdeu o presente. Perdeu o futuro.
Manobras de conservação do poder a qualquer preço. Uma divisão administrativa vazia de lógica. Autárquicas em silêncio. O país em modo do voo. Ninguém no comando da felicidade do povo com quem nunca se misturou. Nunca o ouviu. Desvalorizou a sua fome. Passou a ser aplaudido mesmo quando não merecia. Teve o mérito de piorar o que estava péssimo. A desumanização da nação é hoje um caminho sem volta. As consequências futuras serão dramáticas.
O milagre da multiplicação aconteceu. Multiplicaram os pobres. Multiplicaram as nomeações na continuidade. As promessas. As dívidas. O tamanho do abismo. Regressámos à zona cinzenta imposta pelo GAFI devido à ineficiência e retrocesso do rigor. Postos de castigo como um aluno malcomportado incapaz de medir as consequências dos reiterados erros.
Qualquer que seja o ângulo pelo qual se olhe para o deprimente resultado desta governação é indiscutível que em momento algum a culpa da perda da batalha será atribuída ao soldado. A gravidade da actual situação social, económica, política, diplomática, institucional e a salvação da maioria da população de uma absurda pobreza extrema, não permite que fiquemos calados. Num momento que apela à consciência de todos para que o país não se perca de vez é importante perceber que a democracia não se negoceia. Cumpre-se.
Novo Jornal – 28.10.2024