Alerta aos donos disto tudo

No meio de tanta confusão e descontentamento reflexo de insatisfação e de saturação de uma parte da sociedade, consequência dos efeitos de algumas más decisões e más políticas do exercício da governação, percebe-se, claramente, que alguns actores encapuçados pretendem agora tirar dividendos desse caos que se instalou em Luanda para ‘eliminar’ adversários políticos.

E vê-se,  claramente, que há uma máquina de diabolização que, logo de seguida, como se tivesse sido preparada com a devida antecedência e minucia, ao soar da trombeta entrou em campo criando e associando imagens espalhadas pelas redes sociais de quem se atribui a autoria ou o comando. Parece a quarta legião de um exército que desfere golpes penetrando nas hostes ‘inimigas’.

No rescaldo do que assistimos, não acredito que alguém com o mínimo de bom-senso se identifique, apoie ou manifeste qualquer espécie de solidariedade para com essa acção levada a cabo por um grupo de cidadãos, maioritariamente jovens, que teve tempo para se organizar e praticar todos os desmandos possíveis enquanto órgãos do Estado, que ‘torram’ milhões de dólares do OGE em meios moderníssimos de espionagem, (caso do CISP),  foram incapazes de actuar por antecipação e prevenção. Alguma coisa não bate certo, o que nos leva também a questionar se, provavelmente, repito, provavelmente, alguém não esteve interessado que esse vandalismo se consumasse, para ter argumentos de justificação da implementação de outro plano, que não é novo, é bem visível, que se traduz no ressarcimento das nossas liberdades constitucionais, como o direito à manifestação, acesso à informação ou ainda, para disseminar no seio da sociedade um certo medo associado a exemplos do nosso triste passado. Ou então, tratou-se do efeito multiplicador que ainda assim, com todos os meios de espionagem e videovigilância disponíveis, só foi detectada após o atear fogo no comité do MPLA?

Mas o mal está feito,  e o que este caso exige agora são análises ponderadas, tratamento e gestão inteligente para não perigar a harmonia que todos desejamos, por forma que a vida prossiga com normalidade – apesar de constituir um exercício difícil – para que se criem as condições necessárias a realização das eleições. É preciso ter em conta, embora se conheçam as razões que conduziram a esse ambiente de tensão, que tudo o que tem ocorrido constitui um dado, informação substancial que deve servir para análise e eventual tomada de decisões para correcção de comportamentos e posturas, pois este não é um caso de polícia, mas sim de políticos e de políticas; porque se  percebe, com evidência, que esses jovens não vão desarmar: perderam a esperança no futuro, sentem que já não têm nada a perder e que o seu desejo de mudança,  já agora e sem mais rodeios, vai muito para lá do medo natural característico aos humanos, às prisões arbitrárias e julgamentos sumários, ou até de amor à própria vida, logo de respeito à vida dos outros.

A greve dos taxistas até pode ter funcionado como rastilho. Mas também ela  é resultado do mau exercício da governação durante esses anos, que por ineficácia da sua excessiva intervenção, permitiu a desorganização num sector fundamental para o bom desempenho da economia e das relações socio-económicas, como é a mobilidade urbana e na periferia, numa cidade onde tudo está desordenado e pode estar muito próxima dos 10 milhões de habitantes, contradizendo os dados oficiais que apontam para cerca de seis.

Embora este caso seja agora da alçada dos órgãos de investigação da polícia nacional, a direcção do MPLA não deve assumir a postura de Pilatos, ‘lavando as mãos’ como se não tivesse responsabilidade, ainda que indirecta, porque se não comandou os protagonistas,  produziu-os. E por esse facto, um momento como esse, conturbado e perigoso para a relativa estabilidade que sustenta os pilares de suporte do Estado, não necessita de mais declarações inflamadas como as que Bento Bento, cabo eleitor desse partido em Luanda, proferiu à TPA (pois claro), cuja qualidade do serviço público que presta tem sido com muita frequência questionado por boa parte da sociedade. É por demais evidente o seu favorecimento ao partido que se instalou no poder faz 46 anos, e acha que não se lhe deve fazer a cobrança do seu desempenho. E o silenciamento dos argumentos da parte acusada, que até condenou o acto mas não lhe foi concedido espaço para também emitir a sua visão ao vivo e a cores sobre toda a situação, constitui uma flagrante violação a direitos constitucionais, que tem levado também a interpretação de que, a existir mesmo uma mão secreta incendiária que passou ‘despercebida’ aos sistemas sofisticados de escuta e vigilância, só pode ser de quem comanda e tem tudo sob seu controlo.

Este caso é, sobre todos os pontos de vista, de elevada gravidade sim, e como tal deve ser encarado e interpretado porque não é bom que se repita. Mas, quem tem o poder e comanda todo o sistema de administração da Justiça, de fio a pavio, está também obrigado a ter em devida conta que, mesmo não sendo produto da sua criação laboratorial, essa população manifestante tem identidade angolana e reflecte o outro lado de uma sociedade marginalizada por uma governação longeva de 46 anos, que não tem sido complacente para a grande maioria. Só para recordar, hoje dia 11 de Janeiro, foram despedidos 170 funcionários, maioritariamente jovens e chefes de família, que tinham emprego garantido no Canal Zap Viva. Todos eles bons quadros técnicos agora despedidos e ignorados, na sequência de uma suspensão maldosa de quem governa decretada a 21 de Abril de 2020, justificada por supostas “inconformidades legais” administrativas. Eles têm compromissos com as suas famílias e com o Estado. E não foram acautelados nem respeitados. Ora, se juntarmos estes aos outros milhares de despedidos, aos que perderam os empregos em consequência do encerramento de empresas e os que viram as suas iniciativas empresariais desmoronarem, não fica difícil perceber que há uma grande franja da população que está “com os nervos a flor da pele”. Logo, se os donos do nosso ‘circo’ não acautelarem a sua linguagem nem baixarem a guarda, imagine-se o desastre que será se todos os descontentes, de cem, duzentos ou mil, passarem a um milhão.

Nem queiram imaginar, porque não será bom para ninguém!

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One Comment
  1. Interessante análise .
    Aliás, aprecio bastante o estilo, a seriedade, a profundidade, a clareza e a abrangência na abordagem dos factos sociais desta página.

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