“O que me preocupa não é o grito dos maus, mas sim o silêncio dos bons”
Martin Luther King
Em realidades distópicas como a nossa (as distopias são geralmente caracterizadas por totalitarismo ou autoritarismo, controlo opressivo de toda a sociedade, desagregação social e/ou por condições económicas, populacionais ou ambientais degradadas), é muito difícil construir e promover a solidariedade social. Não só por dificuldades inerentes às condições de vida (na verdade, à falta de …) da grande maioria da população que, para ‘sobre’viver, privilegia estratégias individuais ou de poucos em redor, mas também, porque há uma intencionalidade nesse sentido de desagregar, de não deixar unir/juntar, que se materializa através da promoção da ignorância (quanto menos conhecedor for, mais manipulável é), do controlo da linguagem (repetindo algumas palavras à exaustão e bloqueando ou mesmo proibindo o uso de outras como solidariedade, cidadania, civismo, capital social, voluntariado, diversidade, liberdade, para citar algumas), do culto da personalidade (através do uso da imagem ‘criada’ que interessa passar, nas redes sociais e do recurso a simulacros), da cultura do ódio (extremando preconceitos, hostilizando os que se rebelam contra o regime, os que ousam se posicionar no espaço público, reduzido e ‘minado’, particularmente na acção colectiva cidadã e na academia), culminando com a desumanização do outro (a criação de inimigos, e a sua desumanização no sentido de serem considerados infra-humanos, ou, no mínimo, incapazes de pensamento e acção próprios, destinados a servir os que sabem e podem, as elites, contribuindo assim para a manutenção dos regimes autocráticos, legitimando as acções contra ‘esses inimigos’).
Nós sabemos o que isso significa, e como se materializa, porque somos testemunhas de processos dessa natureza. Por isso, é importante lembrarmo-nos que temos de reagir, temos de acordar mesmo sabendo que não estamos a dormir, e não nos deixarmos manipular ao ponto de nos tornarmos reprodutores de situações como aquelas traduzidas nas palavras do Pastor Martin Niemöller, na Alemanha nazi, contra o regime de Hitler:
«Primeiro, vieram buscar os comunistas, mas eu não me importei, porque não era comunista. Depois, levaram os sindicalistas, mas eu não protestei, porque não era sindicalista. Depois, levaram os judeus, mas eu não disse nada, porque não era judeu. Por fim, vieram buscar-me, e ninguém me defendeu, porque já não sobrava ninguém(1).»
Ao longo do tempo estas palavras foram complementadas para abranger mais grupos sociais perseguidos, como negros, imigrantes, ciganos e outros. Hoje, estas palavras ajustam-se às sociedades onde regimes opressores e neofascistas vêm ganhando poder. Também traduzem aquele grito de Martin Luther King, contra a indiferença: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas sim o silêncio dos bons”, ou, segundo outras adaptações: “A mais grave tragédia não é a opressão e crueldade dos maus, mas sim o silêncio dos bons”.
3.03.24
1 Nota: Adaptação de um trecho da “Carta de uma Prisão de Birmingham” (1963).