Reflexos de um enorme equívoco?

Ponto prévio: Não vou a reboque de projectos nem sou movido por ambições políticas quando divulgo as minhas reflexões e ideias. Deixei de viver esse tempo. O entusiasmo e a intenção que me guiam, são a do cidadão que anseia terra digna e próspera, orgulho de um povo feliz. Assim sendo, aqui estou mais uma vez.

As dúvidas atormentavam o meu pensamento. Alguns angolanos atentos, preocuparam-se quando no mês de Julho de 2020 foi criado pelo Executivo o Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente. Gente compenetrada, ligada ao sector da Cultura, juntou-se à que tinha afinidades com a da Educação. Compartilhavam preocupações. Havia a particularidade de alguns terem vivido apreensão idêntica, quando em 1999 as duas áreas foram transformadas numa única instituição. Seguia-se então a linha de práticas anteriores ao serem extintos os Ministérios da Educação e da Cultura enquanto entidades autónomas, sendo substituídos pelo Ministério da Educação e Cultura, liderado por um ministro (António Burity da Silva), sem unhas (porque não era Jimi Hendrix) para tocar uma afinada guitarra. A primeira junção deu-se em 1975 e já em 1976, o sector da Cultura baixava para a categoria de Conselho Nacional, andando nos anos subsequentes numa constante alteração de poder e importância hierárquica (passou em algumas ocasiões a Secretaria de Estado). Tudo se reflectia nos orçamentos e no pessoal afecto, justificando a ineficácia e a inevitável e frequente mudança dos seus titulares. Ressalvando períodos em que uns ministros, vice-ministros e secretários se superiorizaram a outros com ideias inovadoras e louváveis, pouco ou nenhuns elementos palpáveis foram exibidos, evidenciando sim, quer num como noutro sector, apenas intenções bonitas inseridas em projectos resguardados por políticas inconsistentes, promocionais, a enaltecer o inexistente. Devem ter ganhado poeira e mofo, jazendo, quem sabe, em escuras caves e bafientos arquivos.

Simplificando, direi que, desde esse longínquo 1975, (apesar de tudo o que não foi feito, um tempo de saudade), se teve a noção que o problema da Educação e da Cultura, como o é actualmente o do Turismo e do Ambiente, não era nem nunca foi propriamente de pessoas (excepção feita a Burity da Silva), mas sim de escolhas e de um enorme equívoco estrutural.

Assim, face ao que se vem constatando nas evidentes dores de crescimento do noviço departamento ministerial, atrevo-me a fazer conjecturas e retirar conclusões, algumas delas a passar pela hipótese de o Presidente da República e Chefe do Executivo, poder estar a reflectir sobre a complexa área criada sob sua orientação. Seria mau se não estivesse a ponderar, numa altura em que temos o registo de um facto claro e indesmentível: num período de pouco mais de um ano, foram nomeados três ministros, no intervalo de duas exonerações. Que me lembre, um acontecimento pouco comum, na história governamental de Angola.

Vivendo ainda a utopia de ser livre, afirmo que este MCAT nasceu como um bebé prematuro, pouco saudável, não mais que um nado raquítico, com distúrbios interiores. Males que o poderão conduzir a destino incerto, com os problemas graves de crescimento que evidencia. Oxalá que não, digo-o sinceramente, mas, tenho para mim, que o seu nascimento foi um risco desnecessário. O parto de que resultou a nomeação da jovem bióloga Adjany Freitas Costa, mais do que desafiá-la, fê-la enfrentar uma máquina assustadora que viria a sacrificá-la ingloriamente, quando poderia (e deveria) ter elevado o seu estatuto na área do ambiente, onde se sentiria como peixe na água (recordo que já não se contava com a experiência de quadros como João Serôdio, por exemplo). Maldosamente, e inerentes à sua idade, fizeram-se colações erradas à sua inexperiência.

A segunda nomeação foi ainda pior pensada, já que se tratou de um quadro exonerado de funções pelo próprio PR tempos antes e não pelos melhores motivos, como tive oportunidade de referir num texto escrito a respeito. Lamentável episódio, também escusado. O resultado, qual crónica de morte anunciada, foi a sua segunda exoneração, em tempo inferior a um ano.

Do Turismo, não tenho condições de falar. Trata-se de uma área, cujo histórico é parco em reportações, apenas nos chegam relatos de outros tempos, ideias dispersas e modestas iniciativas da sociedade civil que são do domínio público. Chegados aqui, vemos agora a enfrentar o grande desafio na condução das compactas áreas, afins entre elas, uma outra personalidade. Um homem culto e experiente que é o doutor Filipe Zau. Conheço a pessoa, tenho dele as melhores referências, nenhuma dúvida acerca da sua experiência e capacidades. É um amigo de longa data, intimamente ligado à cultura, nomeadamente à música e à literatura, tendo entretanto, e de acordo com a leitura que faço do seu percurso e do seu currículo, a educação como pedra basilar, campo de acção propício para a sua ascensão, onde poderia brilhar e prestar bom serviço à Nação. Por duas ou três razões que sustento: conhece o sector da educação como poucos, tem noção das suas debilidades e prioridades (uma das maiores, senão a maior que temos pela frente), é um homem honesto, não tem anti-corpos a impedir um pretenso triunfo no sector. Não é dono de estabelecimentos de ensino, não mostra vestígios de defender o nepotismo, o maldito hábito de favorecimento de amigos e compadres, seguramente, um dos maiores inimigos do desenvolvimento do nosso país. Não sei se fui claro na abordagem mas, em síntese, veria com melhores olhos, a separação desses sectores, sendo que o único a merecer a categoria de Ministério seria, indubitavelmente, o da Educação.

Precisam-se de mil e um projectos para satisfazer as nossas necessidades. Mas se alguns têm que ser grandiosos (refiro-me às indústrias de extracção, agro-industriais e similares), outros devem ser criados à medida da dimensão das áreas e das pessoas que podem, no momento, beneficiar da sua implantação nas comunidades (melhores vias de comunicação, centros de aprendizagem variada nos bairros suburbanos, pequenos teatros, cinemas, livrarias, mercearias, pequeno comércio geral, agricultura familiar, etc.) com tudo a ser mais fácil e a sair mais barato, estou em crer. Mais fácil de conseguir se olhássemos para um aspecto negligenciado. Os recursos. Elemento que, a despeito de imensos avisos que, de há muito, partem da sociedade civil, continuam no mesmo ritmo. O gasto desmesurado de despesa pública, com obras sem sentido e que podem esperar, casas luxuosas, vestimenta e adereços, criadagem, carros de topo de gama, salários, subsídios e viagens impróprias. Tudo escusado, e a situação a exigir esse esforço.

O momento aconselha pressa, e parafraseando o jornalista desportivo português Fernando Guerra, “peca por excesso de arrumação de peças de mobiliário que não raras vezes encaixam mal no desenho das casas”, no nosso caso, o espaço onde se movimenta o aparelho governamental. Requer mais atenção à formação de quadros, professores, médicos e enfermeiros, na primeira linha, pilares decisivos com operários qualificados na segunda, tudo a exigir que seja feito com orçamentos limpos, nobreza no combate ao obscurantismo e à pobreza. Maior exigência a todos os que se proponham exercer cargos governamentais, sem que o peculato se introduza na estratégia, pois o país não pode ser governado na base de famílias, mas sim da única, a grande, a imensa família angolana. Tudo isso me obriga a dizer que estamos a laborar num erro, sublinho, um enorme equívoco estrutural. Torna-se cada dia mais urgente a mudança da estrutura governamental de Angola. “As ideias transformam o mundo”, disse um dia destes António da Costa e Silva, um angolano proscrito – os tempos mudaram, desconheço se ainda é – que ajuda Portugal a transformar-se.

Ao terminar, um apontamento triste sobre a trágica morte do Daniel, filho de Arlindo Barbeitos e Maria Alexandre Dáskalos. Uma vida sem sonhos e sem liberdade que os três viveram, disse bem Amélia Dalomba. A vida que muitos de nós vivemos, afinal de contas. Que descansem em paz! E por hoje é tudo. Com os votos de boa semana e melhores notícias para o povo angolano, aguardo pelos meus leitores, no domingo à hora do matabicho.
Lisboa, 20 de Novembro de 2021

2 Comments
  1. Grato pelo artigo pertinente.
    De facto, a cultura é a alma de qualquer povo que tenha (ou queira ter) uma identidade, um nome, uma marca.
    Se é bem verdade que a política colonial portuguesa teve como uma das principais estratégias a “opressão cultural”, efectivando-a por meio do assimilacionismo, também é verdade que, volvidos quase meio século desde a independência de Angola, já se teria feito alguma coisa para minimizar os efeitos nocivos da “aculturação” a que fomos submetidos.
    E , tal como se disse, tudo passa pela EDUCAÇÃO, através de programas de ensino apropriados e contextualizados, tendentes a valorizar e resgatar os valores socioculturais essenciais deturpados e relegados.
    A fusão destes ministérios, infelizmente, não ajuda para satisfazer este objectivo, dando a entender claramente que nunca foi, e continua não sendo, prioridade este sector.
    O resultado é esse, onde se assiste actualmente uma sociedade angolana “desvirtuada e alienada”, com práticas maléficas a todos os níveis ou sectores da vida (política, jurisprudência, sociedade, ciência, cultura…), com níveis baixos de desenvolvimento humano. O Estado não se fortalece porque as suas instituições continuam ” semi-estáticas e obsoletas”. Urge mudarmos esse estado de coisas para o bem de todos nós.
    Um abraço fraternal !

  2. Grata por terma oportunidade de continuar a ler os teus artigos!!!!!!!!!!!
    abraços

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