Que sociedade civil?

JAcQUEs TOU AQUI!

Jacques Arlindo dos Santos

O burro sou eu? O errado sou eu?

Luís Felipe Scolari, ex-seleccionador de futebol de Portugal

Hoje serei parco em palavras. Trabalharei nas trezentas palavras sugeridas constantemente por Dario de Melo, o inesquecível mestre da crónica angolana. Tentarei o máximo, embora reconheça a dificuldade. Talvez não chegue ao número ideal, tal a vontade que tenho de desabafar. Pode acontecer que me exceda um pouco mais, para ver se outro sabor consigo emprestar ao meu texto, à partida, carregado daquele gosto acre, próprio dos “petiscos” mal digeridos. Faço-o com o propósito de tentar atingir algumas consciências, vezeiras nas falhas da noção do ridículo em que se envolvem enquanto cidadãos, resultado de impensados (ou talvez não) posicionamentos em que decorre a nossa vida social. 

Na verdade, o que tenho para dizer é, para os meus brandos hábitos, demasiado curto, talvez um pouco grosso, daquela espessura que evito a todo o custo oferecer às minhas observações, aos meus comentários. Assim sendo, meus amigos e companheiros de luta, antes que consuma as trezentas palavras (já as ultrapassei certamente), aí vai disto: Que raio de sociedade civil é esta que vaidosamente se propagandeia por aqui aos quatro ventos?

Antes de penetrar no âmago desta delicada questão, reforço a pergunta, utilizando o melhor que posso, verbo duro e acutilante: que diferenças existem entre o falecido Movimento Nacional Espontâneo e seus parceiros congéneres, todos eles de tão tristes recordações (para alguns de nós), mas de tão gratas lembranças dos excursionistas militantes, dos aproveitadores de ocasião e dos agentes de serviço permanente (ou eventual) que, na típica postura dos bons samaritanos, distribuíam para inglês e jornalista ver, peixe, fuba, feijão, balões de fardo e chapas de zinco? Então, e voltando à vaca fria, que diferenças existem entre esses e algumas das organizações que ostentam designações e títulos sonantes que lhes permitem ser contempladas pelo OGE, devido a terem sido classificadas com o título honorífico de instituições de utilidade pública? Que diferenças, repito a pergunta, se estas, no exercício das suas inegáveis competências em prol da situação, só se mostram, em meu entender, como colectividade, mais actuantes para apresentar condolências quando falece algum dos seus membros? 

Que saibamos, sociedade civil refere-se ao conjunto das organizações voluntárias que servem como mecanismos de articulação de uma sociedade, por oposição às estruturas apoiadas pela força de um Estado (independentemente do seu sistema político). Pelo menos, é assim que a  sábia Wikipédia, define a sociedade civil, em qualquer parte do mundo democrático (na verdade, não é esse o nosso mundo).

Por aqui, as Ordens, as Associações, os Movimentos, as Fundações, os Sindicatos, as Uniões, enfim, um considerável número de instituições que estão, pelo menos na visão de quem pensa a vida correctamente, presas e submissas aos poderes da nossa República, por isso, no pensamento governamental, a uns furos acima de instituições dignas como a ADRA, a Mosaiko, a ASPD, a Omunga e a Okutiuka, entre muitas outras; porque estas são as que se posicionam e reivindicam direitos, soltam as suas vozes de razão perante a incorrecção de actos desconformes da governação, que se solidarizam com os sofredores e os injustiçados, que tomam atitudes de grupo e não se mostram vergonhosamente silenciosas, cúmplices de erros e omissões de quem tem a responsabilidade de conduzir bem o nosso destino.   

Temos assim, desgraçadamente, o papel da sociedade civil em Angola, a ser exercido de facto, por um diminuto número de instituições corajosas e por um outro restrito de jornalistas e opinion makers que vão, nesta luta desigual que se trava em Angola pelos direitos de cidadania, dando o corpo ao manifesto, ou às balas, enfrentando uma situação fictícia, que não passa de um quadro teórico, em que o papel independente que o Estado deveria ter não passa de uma real utopia.

Enquanto isso, as ditas organizações de utilidade pública não se pronunciam nunca contra o Estado, porque parece mal, numa demonstração clara de receio de perda de posições, de corte nos subsídios e benesses ou simples e ridículo servilismo.

Caros e estimados leitores, meus companheiros de luta e amigos, por aqui me fico. Despeço-me de todos com um até para a semana. Entretanto, espero por todos vós, no domingo próximo, à hora do matabicho.

Luanda, 25 de Junho de 2022

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