PAZ? NÃO, FIM DA GUERRA CIVIL… É DE CELEBRAR, MAS NÃO É PAZ!

Não existe uma estratégia de ‘desenvolvimento’ para o país, nem entendimento sobre o que isso representa! Faz tempo, nem as medidas para o crescimento económico são consistentes.

CESALTINA ABREU 

O Dividendo da Paz(1) traduz o esforço colectivo para realocar os recursos destinados ao esforço de guerra em sectores que promovem directamente o desenvolvimento social e humano da população de um país. Visa construir e transmitir confiança, compromisso e credibilidade, com o objectivo geral da melhoria dos padrões de vida, quantitativos e qualitativos, sustentados no desenvolvimento do capital humano e social de Angola.

Apesar do fim da guerra e das suas consequências imediatas, como a libertação de recursos humanos e a redução da pressão sobre o orçamento nacional, não aconteceu o impacto do chamado “dividendo da Paz” – o laço entre a redução da insegurança individual e colectiva e o desenvolvimento a longo prazo -, num esforço colectivo alimentado pela realocação dos recursos outrora destinados ao “esforço de guerra”, com vista a transmitir confiança, compromisso e credibilidade, para melhorar quantitativa e qualitativamente os padrões de vida, com base no desenvolvimento do capital humano e social de Angola. O crescimento económico da mini-era de ouro da economia angolana(2) (2002/2004-2004/2008) não se reflectiu na resposta aos problemas e às necessidades mais básicas de amplos sectores da sociedade angolana, que não só não foram atendidas, como continuam a agravar-se.

Não existe uma estratégia de ‘desenvolvimento’ para o país, nem entendimento sobre o que isso representa! Faz tempo, nem as medidas para o crescimento económico são consistentes. Não existe vontade política e as necessárias acções para uma mudança progressiva da situação actual, através do combate à fome e à pobreza, da redução das aviltantes desigualdades sociais, da criação de emprego e de oportunidades de geração de rendimento, da valorização da ‘economia do cuidado’, do acesso e usufruto à habitação e a um ambiente saudável, limpo! Têm aumentado as taxas de exclusão escolar, e continuamos sem um sistema de saúde de proximidade, o que se reflecte nas altas taxas de mortalidade de doenças relacionadas com a pobreza, como a cólera (que chegou em Janeiro para ficar), a malária e a tuberculose. Tudo isto se traduz em recuo do desenvolvimento do capital humano e dos indicadores sociais. Sobre democratização e modernização da sociedade nem adianta falar. Liberdades, justiça social, transparência e prestação de contas, enfim… estado de direito, estamos no fim das listas! 

É urgente a concretização do ideal revolucionário da luta anticolonial – a transformação social -, orientada para a democratização social, política e económica, a ampliação da cidadania a todos os angolanos com base no reconhecimento da nossa diversidade social, e a construção da Angolanidade, uma intersubjectividade colectiva que ainda não temos, com criatividade e a coragem inovadora para procurar o nosso próprio caminho, pensando com a nossa cabeça e andando com as nossas pernas. Mas isto exige diálogo e concertação entre o Estado e a Sociedade visando a negociação de um entendimento/compromisso social, como primeiro passo para um processo de conciliação nacional que, a partir da discussão crítica das causas dos conflitos de interesses e lutas pelo poder que levaram à guerra civil, lance os alicerces da construção de uma história/passado comum na/o qual todos nos reconheçamos, condição necessária para projectar o futuro comum que merecemos e não podem negar-nos.

(1) FERREIRA, Manuel Ennes (2005), “Development and the Peace Dividend Insecurity Paradox in Angola”. European Journal of Development Research, vol. 17, nº. 3, pp. 509-524.

(2) http://www.ceic-ucan.org/?page_id=91

04 Abril 2025

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