OS NOSSOS NOVOS VELHOS PROBLEMAS DE SEMPRE

O que justifica afinal todo esse retrocesso em matéria de comunicações e telecomunicações nos últimos seis anos, e esse agravamento a cada dia, mesmo com a disponibilidade de um satélite, de cabos submarinos e outras ferramentas que beneficiaram de avultados investimentos público e privado? 

RAMIRO ALEIXO

O ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, Mário Oliveira, informou recentemente que 16 das 18 províncias do país têm instalado um terminal de rede de comunicações via satélite (VSAT), conectado ao Angosat-2, o que representa mais de 150 pontos instalados.

Benguela, onde resido, provavelmente é uma das duas províncias que não foi contemplada, porque nunca foi tão difícil comunicar, nos últimos 20 anos, por via telefónica ou por internet, como agora que o país ‘diz’ que tem satélite (o segundo). Que retrocesso! E olhem que não pago pouco para ter acesso aos serviços da Tv Cabo, da Net Casa e de comunicações para mais dois telefones de quarta geração. Ainda assim, tudo funciona de forma péssima e piorou, alegadamente, na sequência da ‘fratura’ do(s) cabo(s) submarino(s). Mas, depois das declarações daquele governante, desde ontem que tudo ficou mais complicado ainda: as agências bancárias não têm sistema, os filas nos multicaixas tornaram-se mais extensas, as empresas viram acrescidas as suas dificuldades de trabalho, de comunicação ou de interação. Numa farmácia, que funciona com o sistema de gestão em rede, aguardei mais de 30 minutos pela impressão de uma factura, porque “o sinal de internet estava fraco”. E para pagamentos via Express, o telefone fica por aí pendurado, como se estivesse nos quintos deste nosso inferno. E desistimos…!

Todos esses exemplos do nosso penoso dia-a-dia, levam-nos a questionar se vai mesmo bem esse modelo de gestão do país e particularmente dos sistemas de comunicação, ferramenta indispensável, fundamental para o desenvolvimento e para a vida das empresas e dos cidadãos. Tanto quanto se sabe, e os números não desmentem, Angola tem sido dos países africanos (e quiçá do mundo) que mais investimentes realiza em meios e sistemas de comunicação e telecomunicação: em fibra óptica, cabos submarinos, dois satélites, nova operadora de telefonia móvel, televisão digital, mas os resultados continuam a não reflectir os progressos esperados que outros têm até com menos gastos. Antes pelo contrário, nos últimos meses ficou mais difícil a comunicação telefónica e por internet. E numa convenção internacional em que participei em Luanda, sobre tecnologias de informação, ouvi de qualificados técnicos nacionais e estrangeiros, que os sistemas utilizados pela Unitel, em determinada fase, já foram mais avançados que de empresas renomadas que actuavam na cidade de Nova Yorque. Já estávamos na era digital, e elas ainda curtiam o analógico. O mesmo se diz da qualidade dos serviços da ZAP, incluindo na transmissão de eventos desportivos. E parece que desaprendemos…

Falou-se também, com elevada satisfação, do programa “Conecta Angola”. E de acordo com o Jornal de Angola, o ministro Mário Oliveira admitiu que essa ferramenta tecnológica lançada na segunda-feira, vai permitir melhorar o ambiente de negócios. Mas, sublinhou que a sua implementação efectiva passa, necessariamente, pelo processo de organização, do ponto de vista da documentação, tal como se exige na legalização de uma empresa. Significa dizer que, de acordo com o que tem sido prática, o tal de “ambiente de negócio” não conhecerá melhoria, porque todos conhecemos como funciona a burocracia em Angola, mesmo com o tal Programa Simplifica e o quanto ela condiciona o desenvolvimento e a vida do cidadão. Passei por essa dolorosa experiência recentemente, para fazer o funeral da minha mãe. Percebi que é tudo ‘treta’, que continua a ser exigida a mesma quantidade exagerada de documentos e mais não sei quantas cópias, e que se paga para tudo e mais alguma coisa, até para se ter o número da sepultura. A diferença entre o antes e o agora, é que há repartições de registo notarial que funcionam até ao fim da manhã de domingo, para possibilitar que se realizem funerais à segunda-feira. 

Mas, fiquei igualmente intrigado, ao ouvir que o Conecta Angola, através do Angosat-2, já permitiu levar os serviços de internet à duas comunas longínquas, designadamente, Belo Horizonte (Bié) e Canzar (Lunda Norte), para além de beneficiar a província de Luanda, é claro. Acho bem, como contributo para redução das assimetrias. Contudo, não sabendo que critérios foram observados na eleição dessas duas localidades, e não sendo possível ligar de uma só vez todo o país, julgo que se deveria obedecer à alguma ordem de prioridades. E se consideradas, as instituições do ensino superior no Huambo, que iniciaram agora o ano lectivo com sérias dificuldades de internet, como foi dito à vice-presidente da República na visita que realizou faz poucos dias, de certeza permitiriam mais ganhos. E o mesmo se passa com Benguela, que é, provavelmente, depois de Luanda, a praça onde se realiza o maior volume de investimento público e privado, incluindo de ligação com países vizinhos, com quem se realizou já uma desmonstração da nossa capacidade de comunicação satélica, que afinal está ainda demasiado longe de servir as nossas necessidades internas, quanto mais as dos outros. 

O que justifica afinal todo esse retrocesso em matéria de comunicações e telecomunicações nos últimos seis anos, e esse agravamento a cada dia, mesmo com a disponibilidade de um satélite, de cabos submarinos e outras ferramentas que beneficiaram de avultados investimentos público e privado? 

O que nos tem sido dado a perceber, é que existe uma espécie de dissintonia entre o que o Governo diz que pretende, por via do Titular do Poder Executivo, e aquilo que efectivamente é a prática da actuação de alguns departamentos ministeriais. Até porque, não é assim tão difícil fazer a destrinça que não pesa tanto para a economia e para as populações de Belo Horizonte (Bié) e do Canzar (Lunda Norte) continuar a aguardar pelo usufruto de melhorias na comunicação por mais algum tempo, como pesa para o Huambo, para Benguela e Huíla a dificuldade de acesso às comunicações por um só dia. E quando se fala em investimentos em tecnologias e meios de comunicações e de telecomunicações, o que os cidadãos e as prestadoras (ou beneficiárias) de serviços querem é celeridade, qualidade e conforto. Tudo ao dispor com um simples clic… e não mais discursos bem elaborados, mas desfasados com a realidade. E temos esse direito.

Posto de combustível da Rotunda do Calunga, ontem as 13 horas. As enchentes repetem-se em quase todos os outros

Mas a coisa está brava também noutros domínios. Dizia um amigo, que “nem com fumaças isso muda para melhor”. Como se não bastasse a carestia (encarecimento do custo vida) os benguelenses confrontam-se há cerca de um mês, também com escassez de combustíveis, gasóleo e gasolina. Logo aqui, nessa faixa litorânea que funciona como importante corredor de escoamento de produtos da região centro e sul para Luanda, principal centro de consumo, mas também como porta de entrada do turismo regional, interno e externo. Longas filas de viaturas ligeiras e pesadas e apinhadas de gente que num esquema com alguns dos atendentes, enchem recipientes plásticos para revenda nos bairros e ao longo da estrada nacional aos mais aflitos. Péssima imagem para um país produtor de petróleo, para uma província que tem terminal oceânico. Uma vergonha, para quem retirou subsídios e que apesar da redução do consumo, não foi capaz de manter os níveis de oferta. Uma vergonha ainda maior, porque essa situação é recorrente. Todos os anos, por essa altura há rotura de stocks. Os reflexos, são extremamente graves na económica de todas as províncias abastecidas a partir do terminal oceânico que serve o corredor do Lobito por via do CFB. E como sempre, os órgãos da Sonangol remetem-se ao silêncio, como se não tivessem a obrigação de nos manter informados sobre o que se passa e sobre o que se está a fazer para alterar este quadro penoso. 

Analisando a funcionalidade desses dois domínios, comunicações e combustíveis, pode-se perceber que estamos ainda demasiado atrasados até em questões básicas, que já não se colocam na maior parte dos países que estão ao nosso nível, ou com menos recursos ou fontes de receita, nem sonham com a construção de uma refinaria nem de um satélite. Percebe-se que o problema não está nem nunca esteve no pagamento dos serviços que nos são disponibilizados, mas na qualidade do que nos é servido e apesar de tudo pagamos, sem mecanismos de reclamação, quando não usufruímos deles. E o mundo hoje, o progresso, a dinâmica da vida das pessoas e das empresas, já não se compadece com esses ‘mimimis’ patéticos que resultam do amadorismo de alguns governantes (ou decisores), de falta de comprometimento, de competência, de egos exacerbados, mas também de engajamento patriótico, da corrupção. Como é possível ainda, que uma simples correspondência ou encomenda despachada de Lisboa para Luanda em menos de 24 horas, leve depois três meses para sair de Luanda para Benguela e quase um ano para chegar ao Namibe? 

Com essa passada, continuamos a atrasar a nossa marcha, a reflectir e a agir em torno das mesmas velhas questões, e somos cada vez menos os que acreditam que assim, conseguiremos tocar o país para frente. Porque sentimos que falta trabalho, competência e pior do que isso, porque perdemos a crença. Já não tem credibilidade o que o Presidente diz, e tem menos ainda, o que alguns dos seus auxiliares dizem. E viu-se o descrédito que foi, uma vez mais, a informação sobre os benefícios do funcionamento do Angosat-2. O que é verdade, parece mentira. Há descrença generalizada, porque a governação transmite uma imagem de que não se importa com as consequências gravosas de algumas decisões que toma e com as que não toma. Parece que temos uma governação constituída por masoquistas, por gente insensível que vive noutra galáxia. Provavelmente por isso, é que as acções e os gastos efectuados para captar o investimento estrangeiro não têm os resultados desejados. Porque gente séria, não investe num país com quase meio século de independência e cinco séculos de existência, transformado numa aldeia de experiências e de ideias travestidas. Descaracterizado.

Nota de rodapé: A ministra Vera Daves, seguindo o exemplo do Chefe, anunciou, a partir de fora, uma orientação que ele próprio transmitiu sobre a reavaliação da retirada dos subsídios aos combustíveis. Um atitude que espelha o respeito que têm pelo Estado e pelos contribuintes, mas também falta de ética e de civismo.

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