O QUE QUER ESTE TIPO?

Se você é capaz de Querer, você consegue Fazer. 

Autor desconhecido 

Há que parar com este autêntico festival de poucas-vergonhas, a começar pelas esquivas descaradas que se fazem ao jogo democrático e aos escândalos no poder judicial. Tirem de campo os “talentosos” meio-campistas. Para uma governação melhor vista pelo povo, há que assumir a democracia.

JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

JAcQUEs TOU AQUI

Não podia começar pior esta semana. No “Dia do Trabalhador”, faleceu em Luanda, o Telmo de Almeida, antigo Embaixador de Angola na Itália e nosso companheiro de tertúlias. Nesse mesmo dia, em Lisboa, levamos a enterrar a querida tia Maria Guiomar Lopes. Que ambos descansem em paz na eternidade. Merecem isso. 

Entretanto e dito isto, vamos à vida, porque a morte é certa. 

O que quer este tipo? Acredito que os conhecidos “mais espertos”, os de faca embainhada e alguidar para amassar, se interrogam ao lerem os meus textos, mormente os da linha da crónica de domingo passado. Para além deles, há outros que se mostram desencantados com o que escrevo. Uns detestam-nos simplesmente, outros exigem que seja mais acutilante, profundo, que vista a pele do personagem que nunca fui nem serei jamais. Um analista, estudioso dos fenómenos político-sociais do país e do mundo. Face a isso sinto-me encurralado. Envolvido num emaranhado de emoções. Fecho-me em confissões, admitindo até que não sou bom comunicador, mas também, não tão incapaz quanto alguns pensam. 

Espreito os episódios perturbadores do nosso quotidiano que mexem particularmente comigo. E decido então responder a essas pessoas, com a serenidade possível: 

Para começar, este tipo (entenda-se, eu) pretende, mais do que tudo, paz e tranquilidade na vida. Deseja saúde para todos, trabalho digno e respeito, especialmente para o povo angolano. Pretende consideração da parte de quem, mais do que ninguém, é obrigado a ter apreço por ele. Em suma, pretende, como popularmente se diz, que não nos comam as papas em cima da cabeça

Este tipo também não quer determinadas coisas. Como, por exemplo, ver a comunicação social estatal e os cidadãos angolanos no geral, presos e amarfanhados por interesses políticos e económicos. Relativamente à comunicação pública, gostaria de não a ver tão submissa e vergada perante a autocracia vigente, mas mais livre, activa e honesta, com jornais, rádios e televisões a exercerem um melhor e mais eficaz serviço público de comunicação para proveito da população. Pelo menos, idêntico ao que vigorou por finais de 2017, quando se viviam tempos de ilusão, com o governo do recém-eleito Presidente João Lourenço a prometer o que foi, afinal, incapaz de oferecer. 

Seguindo essa linha de pensamento positivo, este tipo gostaria muito de presenciar uma viragem marcante na República de Angola. Uma considerável inversão na pauta de prioridades da nossa vida política e social. E dentre as muitas situações a ver mudadas, destacaria algumas, exemplificando: eleições autárquicas, já! Depois e dentro desse quadro de prioridades, questionaria sobre os hospitais, concretamente os de última geração. Embora sejam necessários, admito que, e por causa da situação económica e social do país, reflectida na vida miserável que se vive, serviriam os centros de saúde, os velhinhos hospitais existentes. Estes, devidamente intervencionados e apetrechados, servidos de pessoal competente, com médicos, enfermeiros e funcionários administrativos de qualidade. Nessa perspectiva, convenço-me que estaríamos, sim, a investir alto, ao invés do vazio de agora, sem benefícios palpáveis para a população necessitada de cuidados de saúde. Como caminhamos, saem apenas e em primeira instância, dois, no máximo três beneficiários certos das apostas. Os empreiteiros/construtores das obras e os fornecedores de equipamentos de preços elevadíssimos. E os que, sob a chancela de “outras despesas”, também constam na folha de honorários dessas obras. Os famosos e famigerados mixeiros, ou seja, os conhecidos comissionistas. 

Idem, idem, aspas, aspas, em relação aos aeroportos, nomeadamente, ao novo Aeroporto Internacional Dr. António Agostinho Neto. Por muita propaganda que se faça, por mais belas perspectivas que se abram, não vejo a necessidade deste magnífico (segundo dizem) aeroporto internacional. Vejo, sim, o balúrdio que se gastou e se vai gastar ainda com ele. Uma enormidade de dinheiro! Seria útil no futuro, não duvido, mas agora, tenho dúvidas. Os existentes ainda serviriam bem as nossas necessidades e não haveria esse consumo (desperdício) de dinheiro, bem preciso para áreas mais carentes. Dos transportes e comunicações, penso, aliás, com outra objectividade. 

Deveriam normalizar-se os transportes aéreos (com a Taag recuperada por técnicos nacionais, por óbvias razões), e os rodoviários, marítimos e ferroviários; teriam que se disciplinar os prestadores de serviços e educar os utentes (empreitada de enorme dificuldade). Ora, sendo que essa tarefa não pode ser realizada de pé pra mão, ficaria quase justificada a aplicação do dinheiro enterrado no aeroporto a ser empregue nessa necessidade primária! É pena que já não se possa voltar atrás, mas fica para reflexão o facto da necessidade premente de se parar com projectos megalómanos que, realisticamente, só servem para encher os bolsos de uns quantos, num contraste considerável com o aumento da nossa dívida pública. O povo pensa assim e é bom que se tenha em conta aquilo que o povo pensa e diz. 

Nestas circunstâncias, ao governo resta admitir que não tem tomado as decisões mais certas. Que fica muito mal gastar-se à toa o dinheiro de todos nós. Em despesas supérfluas, desnecessárias. Em negócios para beneficiar famílias, em cargos fictícios para consolar com boas regalias mais-velhos cansados, em viagens que mais parecem excursões, em potentes jeeps e automóveis de luxo (autêntica obsessão dos responsáveis) a encherem quintais e garagens de muhatas, dirigentes e ex-dirigentes, por todo o país. De facto, não enobrece nada, esse espectacular festival de grandeza, com mostras ridículas de novo-riquismo. Senhores governantes, por favor, tenham dó, ganhem sensibilidade em relação à tragédia representada pelos milhões de pobres e doentes necessitados do nosso país. 

Metro de superfície? Faz parte do mesmo pacote de vaidades e constitui mais uma quimera neste absurdo contexto, muito mais agora que a mina petrolífera, segundo consta, tende a baixar de rendimento. 

Com os meios de comunicação (incluindo estradas) atrofiados e de certo modo descontrolados, sem a distribuição da energia eléctrica estabilizada (anda há anos a xixilar), sem pessoal preparado para executar serviços adequados; com uma sociedade maioritariamente jovem e “brava”, em permanente e estonteante movimento, indisciplinada q.b., sem meios de sobrevivência a todos os níveis; com todas esses condicionalismos, como manter em bom estado e rentabilizar máquinas e equipamentos utilizados no primeiro mundo? Repare-se no que acontece com os novos e modernos edifícios capturados “através” da luta contra a corrupção. Deficiente manutenção e fiscalização, já mostram tapetes e elevadores novos e sofisticados a serem maltratados pelos seus mais recentes utilizadores. Dá vontade de dizer que a fiscalização neste país, só funciona mesmo contra as vendedoras de rua. Lamentável! 

Existem muitos exemplos de esbanjamento e de má aplicação de recursos públicos na governança do país. Actos condenáveis e comuns a muitas áreas e sectores. À maioria dos governos provinciais. Semelhantes no modo como são geridos. É por essas razões que este tipo alvitra mudanças. Haja, por isso, coragem para se banir a bajulação e os bajuladores. Condene-se a praga de aproveitadores de modo oficial. Porém, parece que é pedir demais, o que me leva a nova pergunta. O que impede que se faça isso, que se ponha travão a fundo no exercício dessa prática degradante? Pelos vistos, é mais que certa a existência de amarras a sérios compromissos, e sendo assim, o que fazer? 

O caminho a percorrer rumo ao futuro está cheio de escolhos. É pouco sério, de muitas dúvidas. Não conduz a nenhuma estação ou a um bom término. Por essa razão, apelo ao bom senso de quem governa. Há que parar com este autêntico festival de poucas-vergonhas, a começar pelas esquivas descaradas que se fazem ao jogo democrático e aos escândalos no poder judicial. Tirem de campo os “talentosos” meio-campistas. Para uma governação melhor vista pelo povo, há que assumir a democraciaNada de construir as casas a partir dos telhados. Nada disso! Deve-se, sim, apostar forte na educação e na formação profissional, de facto, os grandes motores de desenvolvimento da nossa economia. Por isso defendo: concentrar esforços na educação, na formação profissional e na organização dos sectores sociais, com saúde, segurança e família na frente. Só deste modo o desenvolvimento do país será viável. 

Este tipo tem ou não direito de abordar questões tão chatas e sensíveis? Claro que tem. É cidadão angolano, considera-se pessoa honesta, e está na plenitude dos seus direitos cívicos. 

Despeço-me dos meus leitores, cumprimentando-os com o respeito habitual. Aguardo por todos no próximo domingo, à hora do matabicho. 

Lisboa, 7 de Maio de 2023 

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