NO COMEÇO DO ‘ANO DOS 50 ANOS’…

É preciso interrogarmo-nos: onde ficaram as promessas do processo de luta pela libertação do colonialismo? As promessas de justiça, de cidadania, de desenvolvimento inclusivo e sustentável, de liberdade e de solidariedade, de bem-estar e de dignidade, entre outras?

CESALTINA ABREU 

Começando (bem mal) o ‘ano dos 50 anos’ alguns registos, importantes pelas suas consequências, não podem deixar de ser referidos:

  • As chuvas (que só são problema quando não existem condições de drenagem das águas pluviais, quando não existe ordenamento do território, quando a pobreza da generalidade da população cria condições de precariedade insustentáveis, e por aí…);
  • O surto de cólera, como consequência (que ironicamente começou no ‘Paraíso’);
  • O black out em 6 Janeiro com um apagão nas 11 províncias do Sistema Integrado Centro-Norte;
  • A confirmação, pela ONU, de que Angola gasta mais em juros da dívida do que em educação + saúde;
  • O recuo de Angola em praticamente todos os indicadores sociais, visível pela simples observação do quotidiano em qualquer lugar de Angola;
  • O não cumprimento do acordo com as centrais sindicais para o aumento de 25% da função pública (ainda assim bem longe de cobrir a perda de poder de compra pelos trabalhadores), a partir de Janeiro de 2025;
  • A continuidade dos ajustes directos e da promiscuidade entre política e economia;
  • Os acordos para ‘exportar’ energia para a RDC, entre o executivo e a empresa criada pela Omatapalo nos EUA (porquê lá e não aqui? Qual o nome da empresa?);
  • A subida dos preços em 28%, em média, durante o ano de 2024;
  • O excesso de prisão preventiva em todo o país (apenas 2 províncias não têm esse registo);
  • O futuro presidente da União Africana descobriu, há dias, que “a agricultura é a base do desenvolvimento da economia em África” … e que os compromissos da Declaração de Malabo subscrita pelos chefes de estado africanos em 2014, para dinamizar a produção agrícola e garantir a segurança alimentar não foram implementados, entre muitos outros ‘causos’ que poderiam ser enumerados!

E ainda estamos só em 15 de Janeiro…

A propósito do surto de cólera, circulam panfletos ilustrativos do que a população deve fazer. Sem retirar o mérito dos mesmos, pelo contrário, importa perguntar: onde está a responsabilidade do Estado, através dos seus poderes instituídos, para prevenir este tipo de situações – surtos que viram epidemias -, assumindo como as suas novas prioridades:

  • A educação, a começar na família, na sociedade, através de um sistema de ensino público de qualidade, edificado a partir da pré-escola, e incluindo a educação para a saúde, para o ambiente, para a cidadania;
  • A saúde preventiva, alicerçando o sistema de saúde em unidades nas comunidades e construindo a rede a partir de baixo, em lugar de investir em hospitais de referência e cirurgias robóticas (mas deslocam-se ao estrangeiro para operar o menisco, ou tirar uma bitacaia…);
  • O ordenamento do território, a urbanização e o saneamento básico para melhorar as condições de vida e reduzir as assimetrias regionais;
  • A nutrição e alimentação adequadas numa perspectiva não só de segurança, mas também de soberania alimentar;
  • A democratização da produção de conhecimento, incluindo os saberes locais, e a adopção do polilinguismo;
  • A organização descentralizada da acção governativa através da implementação – sempre adiada – do poder local;
  • A responsabilidade e a transparência no uso dos recursos públicos (nossos, de todos nós) para além dos discursos!

Estas são, entre outras, medidas necessárias para que situações como as que estão a marcar o início do ‘ano dos 50 anos’ deixem de ser as constantes no nosso dia a dia, entre tantas outras makas que não cabem num único escrito!!!

Mas, apesar da gravidade da situação, acima apenas esboçada tão delicadamente quanto possível, os preparativos para as ‘grandes celebrações’ continuam, indiferentes à deterioração das condições reais de vida da grande maioria dos angolanos. Em quantos milhões (em moeda estrangeira, porque em kwanzas nem deve dar para escrever tantos zeros…) ascenderá o orçamento preliminar das celebrações – seguramente envolvendo mais dívida – dos 50 anos da Dipanda?

Mas Dipanda? Não, porque Dipanda é exactamente o que nos falta! 

Sim, porque 50 anos depois é preciso interrogarmo-nos: onde ficaram as promessas do processo de luta pela libertação do colonialismo? As promessas de justiça, de cidadania, de desenvolvimento inclusivo e sustentável, de liberdade e de solidariedade, de bem-estar e de dignidade, entre outras?

Será mais um circo, com os palhaços habituais, os da banda e os de fora, que condescenderem em ignorar tudo o que continua a ser noticiado pelos média e também denunciado pelas redes sociais, e aderirem ao circo, e os que aceitarem a ‘gasosa’ para bater palmas. O circo está a ser armado!

15.01.2025

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