Quem, de facto, pode conduzir Moçambique a um futuro mais justo e próspero? Será que a verdadeira mudança está na liderança de quem foi eleito e já tomou posse, ou na contestação de quem se autoproclama presidente, alegando irregularidades no processo? Ou, talvez, a resposta esteja num novo compromisso que transcenda ambos?…

Acompanho atentamente o que está a acontecer em Moçambique e, como sempre, a história toma rumos curiosos. Venâncio Mondlane, aquele que se autoproclama vencedor das eleições de Outubro de 2024, não se deixa abalar pelas formalidades. Declarou-se presidente de Moçambique com base em dados que considera ser mais fiéis à realidade do que os resultados oficiais. E, claro, fez a sua própria “inauguração” simbólica. Afinal, num país onde a política e a democracia têm sido jogadas de forma um tanto peculiar, por que não assumir a liderança quando a história não lhe é favorável, não é? E assim surge um cenário interessante: um líder opositor que questiona, um sistema que se defende, e uma população a assistir a este espetáculo.
Mondlane, com a sua postura de desafiar a realidade do que muitos consideram ser uma “eleição manipulada”, pode ser visto, sim, como alguém que tenta resgatar a credibilidade de um sistema que muitos acreditam estar à beira do colapso. Mas, também se pode observar que essa luta, enquanto legítima no seu espírito de oposição, poderia muito bem ser uma corrida solitária em direção a um objectivo que muitos duvidam ser alcançável. Porque, no final, mesmo que o movimento de Mondlane seja um reflexo de uma ampla insatisfação, ele também entra num território arriscado: desafiar o sistema sem apresentar uma alternativa clara pode ser mais destrutivo do que edificante.
E é aqui que as coisas ficam realmente interessantes. Mondlane não está sozinho na sua análise sobre as irregularidades das eleições. De acordo com o que foi noticiado, a FRELIMO, o partido no poder, tem sido acusado de fraudar o processo eleitoral. Se realmente houve manipulação de resultados, isso não é algo a ser ignorado. Qualquer democracia saudável deve estar disposta a confrontar os seus próprios erros, e é precisamente esse ponto que Mondlane explora. A sua postura é aquela de quem, de uma forma corajosa, se apresenta como o guardião da verdade eleitoral, alguém que se recusa a aceitar um veredicto que, segundo ele, é uma fraude descarada. A sua recusa em aceitar o resultado não é só um gesto político, mas uma tentativa de retomar a confiança do eleitorado na integridade do processo democrático.
No entanto, há um perigo óbvio na sua abordagem: Moçambique, já com sérias divisões políticas, enfrenta agora o risco de ver essas fraturas se aprofundarem ainda mais. Não é só uma questão de se declarar vencedor ou não. É que, ao fazer isso, Mondlane cria um impasse que pode se tornar uma verdadeira rocha no caminho de qualquer possível reconciliação.
E o que vemos? O resultado tem sido uma série de protestos e manifestações, que acabam por se tornar um campo de batalha entre os apoiantes de Mondlane e os defensores do governo de Chapo. Um campo de batalha onde a violência já se espalhou, e as vítimas são, no fim, sempre os cidadãos comuns.
Então, o que realmente está em jogo aqui? Para Mondlane, parece que ele está a combater não só uma eleição manipulada, mas também o que ele vê como um sistema político apodrecido. Uma crítica legítima, sem dúvida, mas a quem serve essa luta num momento como este? Quando se questiona a legitimidade de um processo democrático e, ao mesmo tempo, se instiga um movimento que pode levar a mais caos, fica a dúvida sobre se o remédio é mais eficaz que a doença. Mondlane tenta conquistar a confiança do povo, mas a sua estratégia parece arrastar o país por um caminho perigoso. Pode até ser que ele consiga mobilizar as massas, mas a um custo tão alto que a verdadeira vitória de um processo democrático fique perdida no meio da confusão.

Agora, o outro lado da moeda: Daniel Chapo. Se há algo que ele não pode controlar, é o facto de que a sua vitória, por mais sólida que tenha sido nos números, nunca será vista por todos com o mesmo olhar. Chapo está ou vai governar Moçambique com uma sombra de desconfiança pairando sobre ele, e a sua vitória não significa, necessariamente, uma solução para os problemas do país. E isso não é uma crítica ao governo de Chapo em si, mas à realidade de que o contexto político é muito mais complexo do que a mera posse de um cargo. Chapo foi empossado e, com ele, uma promessa de estabilidade, mas a maneira como se lida com a oposição e a contestação de resultados vai marcar muito do seu mandato.
A questão de governar Moçambique agora é mais do que simplesmente manter-se no poder; trata-se de lidar com a crescente pressão de uma oposição que não vai calar-se, que vê no processo eleitoral não um erro, mas uma fraude deliberada. Como é que Chapo vai navegar por isso? Ele precisa urgentemente de mostrar que o seu governo é inclusivo e legítimo, que a sua administração não se baseia em números manipulados, mas em acções concretas que beneficiem a população. Como um cirurgião que deve fazer uma incisão cuidadosa para salvar o paciente sem causar mais danos, Chapo precisará de ser preciso na forma como trata a crise de confiança. Se ele falhar nesse ponto, estará não apenas a arriscar o seu mandato, mas também a estabilidade do país como um todo.
E, claro, a questão da economia. Moçambique é um país com imensos recursos naturais, como o gás natural e o carvão, que poderiam ser a chave para o desenvolvimento. Mas, com a instabilidade política a prejudicar a confiança do mercado, será que a FRELIMO, ou o governo já designado, conseguirá garantir investimentos estrangeiros suficientes para capitalizar esses recursos? A economia moçambicana está à beira de um colapso estrutural se a situação política não se resolver.
Em última instância, o que Moçambique precisa agora é de um movimento para além dos egos políticos. O país precisa de uma liderança que consiga equilibrar a necessidade de justiça com a urgência de estabilidade. Mondlane, com a sua ousadia, é a personificação da resistência contra um sistema que ele considera corrupto, mas, ao mesmo tempo, ele vê-se num jogo que é mais complexo do que simplesmente gritar “fraude”. Ele precisa de uma solução, mas a sua busca por ela é, muitas vezes, tão turva quanto o próprio sistema que ele condena. Chapo, por sua vez, precisa garantir que a sua vitória não seja apenas nos números, mas também na confiança que ele for capaz de reconstruir entre o povo moçambicano.
Estamos, portanto, à beira de uma encruzilhada onde o futuro de Moçambique será determinado por quem for capaz de apresentar mais do que palavras ou declarações de vitória, mas um caminho claro e prático para tirar o país do impasse em que se encontra. Seja com Mondlane ou com Chapo, a questão fundamental permanece a mesma: quem realmente tem o poder de levar Moçambique a um futuro mais justo e mais próspero? Ou, talvez a pergunta seja, será que a verdadeira mudança vem de um novo líder ou de um novo compromisso entre os que já estão no poder?
*Estudante da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (No Facebook – 17.01.2025)