NO ADEUS A RUY MINGAS

POR JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

Pretendo fugir ao lugar-comum das despedidas, onde normalmente se repetem palavras que muitos outros já proferiram. Porque me obriga a consciência, falarei nesta hora amarga, de alguns dos momentos simples mas muito significativos que registei no convívio mantido durante bom tempo com esta enorme figura da cultura angolana.

Não procurarei na memória datas precisas, não servirão de nada. Buscarei apenas, sem rigores cronológicos, alguns dos momentos inesquecíveis, aqueles que trago guardados bem fundo e que marcam positivamente o tempo em que o Ruy me deu o privilégio de com ele conviver.

Posso assim afirmar sem receio de errar que, na verdade, só conheci verdadeiramente o Ruy no início do novo século. Quando ele já exercia o cargo de vice-Ministro da Cultura. Antes, foram a música e o desporto, a inesquecível presença num festival na Cidadela em Luanda, a marcar o clima de euforia da Revolução dos Cravos, com Zeca Afonso, Fausto, Lamartine e outros. A nossa ligação emocional ao Sport Lisboa e Benfica acabou também por proporcionar breves aproximações, conversas de ocasião. Foi então, por essa altura em que já havia sido Secretário de Estado dos Desportos e, creio que, também, Embaixador de Angola em Portugal, quando tinha o seu gabinete de membro do Governo naquela casa pintada de amarelo-torrado, na Mutamba, suponho que hoje transformada em Fundação, que me recebeu em audiência. Não o procurei por ser membro do Governo, mas sim, um HOMEM DE CULTURA de enorme dimensão e prestígio. Aquele que, entre muitos outros predicados, tivera participação activa na criação do nosso Hino Nacional. E foi nessa condição que o convidei a fazer a apresentação do meu livro “ABC do Bê Ó”. Perguntou-me pela razão do convite e a minha explicação foi óbvia. Entre muitas outras considerações destaquei a sua vivência com gente, familiares e amigos, moradores do mítico Bairro luandense. Aceitou o desafio e na Chá de Caxinde, de que se tornaria associado e um dos mais destacados apoiantes, encarregou-se da apresentação. Impossível esquecer!

Através dos laços criados com os irmãos, principalmente com o André e a Amélia, mais esporádicos com a Júlia, vieram outros momentos inolvidáveis, como foi a sua participação no desfile de Carnaval na Marginal de Luanda, ao lado de Pepetela, Raul Indipwo do Ouro Negro, Amadeu Amorim e outros membros do Ngola Ritmos, Dionísio Rocha, Gabriela Antunes entre muitos outros artistas e intelectuais que, com a sua presença consciente e patriótica emprestaram tonalidade popular e um impulso tremendo e inesquecível à beleza e organização da Festa de Carnaval, a maior Festa do Povo Angolano.

Pelo que fica dito, não constituiu surpresa a merecida homenagem que a Associação Cultural e Recreativa Chá de Caxinde fez em actividade única e singular, simultaneamente a Ruy Mingas e Pepetela, no dia 1 de Agosto de 2010. Guardo o orgulho de ter sido o mentor dessa actividade que, na opinião do nosso querido amigo Fernando Pereira em escrito da altura, juntou merecidamente duas das mais sonantes figuras da “Geração da Utopia”.

E assim, com uma tristeza enorme a invadir o meu coração, digo adeus a Ruy Mingas, o homem simples, de sorriso cativante, de voz incomparável, que fez o favor e me deu enorme honra de ser seu amigo. À sua esposa Leta e aos filhos Katila, Ângela, Nayma e Carlos, vai o meu respeito, carinho e o meu fraterno abraço nesta hora difícil. Até sempre Ruy Mingas!

Luanda, 5 de Janeiro de 2024

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