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“A vida não está a correr mal, apenas diferente do que imaginaste”.
Autor não identificado
Nem tudo corre mal em Angola. Ainda bem, seria mau prenúncio se assim fosse. Contudo, é notada a influência exercida sobre a população pela ideia de que, connosco, está tudo sob controlo, tudo corre às “mil-maravilhas”. Emergiu e fixou-se em nós, tornou-se habituação e, porque sim, vamos estando presos ao conceito. Mesmo diante de sérios perigos (atenção, não falo de meras adversidades da vida quotidiana), expande-se na sociedade, fruto da ausência de alguma lucidez de pensamento, a falsa ideia de que o presente está distante das tragédias sociais, o que, sabemo-lo bem, não corresponde à verdade.
Mesmo que apele à coerência, não proponho a fuga ao nosso terrível desígnio de povo pobre, sofrido e carente; e, por mais brilhantes que sejam as ideias e sugestões dos que aconselham, torna-se, sim, conveniente admitir que o nosso destino não se constrói sobre a maciez de tapetes floridos, nem o desenvolvimento surge dum toque de Midas, transportado por locomotiva pintada com as cores nacionais, assente em modernos e deslizantes carris. Somos conscientes de que para isso acontecer, temos que construir o futuro com argamassa sólida, feito de um betume bem compacto. Caminhemos devagar, ou num passo que até pode ser corrido, mas sempre a andar bem e a olhar para a frente, formando gente, pessoas capazes e com vontade de trabalhar, colmatando assim, a maior das nossas lacunas. Refiro-me a gente que tenha noção do país e do futuro. Porque, um futuro construído sem pessoal, na base de incertezas e de actos opacos, é futuro muito perigoso, garante apenas de nada, de bola, de zero.
O que está mal, é, nalguns círculos, focado na fixação quase doentia do auto-elogio, com a conjugação do termo em todos os tempos verbais. Alimenta-se perigosamente o convencimento de que estamos no caminho certo, que fazemos bem uma série de coisas. Coisas que, afinal, estão nitidamente mal feitas. Perante cenários de natural apreensão a recomendar cuidados redobrados, perfila-se em redor dos decisores, um conjunto de sábios cidadãos que aconselham mal, a validar para além de condenáveis posturas no quotidiano, projectos inadequados e obras desnecessárias, recusando o que o bom senso recomenda ser prioritário e o normal na arte de orientar bem e vigiar a gestão da coisa pública.
Não relativizando actos guiados por determinados estados de espírito, deve-se, pelo contrário, acautelar com firmeza o envolvimento dos chefes e responsáveis em certos contextos, pois mais cedo ou mais tarde, todos os gestos e palavras serão inventariados, escrutinados e, naturalmente, julgados. Depois, e inevitavelmente, surgirão as sentenças. Sempre foi assim e nós temos exemplos recentes disso. O que está bem hoje será visto como muito mau num futuro que pode ser breve. Por isso, nada melhor que fazer coisas boas agora para nunca serem mal classificadas e interpretadas, caso não tenham consigo a marca da transparência ou se feridas pelo sujo ferrete da inconstitucionalidade.
É certo que nesta altura de intensos acontecimentos, a confiança exibida, alguma dela sob o signo da teimosia com tiques de miopia à mistura, faz parte da argumentação dos políticos que têm a vitória como aspiração e bem marcada no ponto de mira das suas armas. Quer os da situação, quer os da oposição. É normal, faz parte do jogo e pertence ao material com que os políticos se apresentam equipados no campo da contenda eleitoral. Porém, os excessos de confiança nem sempre resultam e a mim, confesso que me preocupam. Principalmente se manifestados com desprezo pelos adversários, com sobranceria desmedida como por vezes se verifica nalgumas hostes. Se insistentes, podem mesmo indiciar maus augúrios. Até porque não se ganham jogos antes das disputas.
A confiança exagerada é, como se vê em muito boa gente, elemento do conjunto de ideias que fabrica o “tudo está bem”. Contudo, sabe-se que nem tudo está tão bem assim. Seria bom que estivesse, mas não está e, repetindo-me, é impossível que tudo, seja o que for e por tudo o que se conhece da nossa vida, possa estar bem nesta altura do campeonato. Também nem tudo está mal, porque, vejamos:
Muitas das coisas que idealizamos como sendo boas no início da caminhada, mantêm-se inalteradas. O amor à pátria, o desejo de ver Angola próspera com o seu povo feliz e tratado dignamente, estão firmes no nosso desejo, inabaláveis no nosso pensamento. Um aviso à navegação: ai de quem se atrever a tirar uma vírgula do seu ideário, da sua cartilha, a esse princípio sagrado. Vai arrepender-se com certeza. Inclusivamente os que, imaginando-se com o poder de deuses, vão fazendo mal as coisas e às coisas. Refiro-me aos grandes protagonistas, aos responsáveis maiores pelo nosso permanente desencanto e descontentamento, ou seja, aos políticos angolanos, nos vários momentos e contextos do desenvolvimento da luta pela edificação de um país digno, com realce para os que assumiram a direcção da nau angolana, desde então. O seu grau de responsabilidade é imensamente maior que as dos demais cidadãos.
Prometendo voltar ao tema para a semana, abraço fraternalmente os meus companheiros, amigos e leitores, lanço daqui o meu habitual convite. Apareçam, estejam presentes. Aguardo por todos vós no próximo domingo, à hora do matabicho.
Luanda, 2 de Julho de 2022