… o ‘tom’ é a cólera (que começou no Paraíso…), a falta de água, os cortes de energia… na rua, a busca de comida nos contentores, a mendicidade, os sinais visíveis de destituição, precariedade, descaso, desumanidade… Quo Vadis, minha Luanda?

A cidade de São Paulo da Assumpção de Loanda foi fundada por Paulo Dias de Novais em 25 de Janeiro de 1576, no local da actual Fortaleza de São Miguel.
Embora instrumento de dominação e de exploração em nome dos interesses do colonizador, Luanda sempre foi o receptáculo de pessoas de todos os grupos sociais que compõem o tecido social angolano, e desde cedo se tornou o centro de um sentimento e de uma ‘consciência nacional’, alimentando a ideia de liberdade e de autonomia.
De antiga cidade colonial, Luanda tornou-se na capital de um novo país, independente, com estilos e modos de vida permeados de contradições em resultado das misturas culturais, étnicas e ideológicas que instiga, acolhe e estimula.
Luanda é o principal centro financeiro, comercial e económico de Angola, e esta condição evidencia o contraste entre o progresso de uma pequena parte da população e a pobreza e exclusão social da esmagadora maioria, que pagou a maior parte dos custos políticos, sociais e económicos da guerra civil, e continua a principal vítima da má-governação, cujos efeitos vêm-se agravando de há oito anos para cá.
O crescimento arquitetónico que acompanhou a explosão demográfica dos anos 60, acrescentou à arquitetura colonial da cidade os traços típicos da modernidade, edifícios altos e o traçado geométrico de ruas e avenidas. Mais, adicionou-lhe os traços de uma arquitectura ‘angolana/luandense’ pensada e passada à prática numa perspectiva que hoje designaríamos ‘sustentável’, porque adequada às condições climáticas e procurando usar a incidência dos raios solares e a ventilação natural para o conforto e bem-estar dos seus habitantes. Após a independência e até 2002, houve um longo período de estagnação da área urbana, em contraste com a enorme expansão das áreas periféricas, que aumentaram cerca de três vezes, e não cessam de se expandir, o que por si denunciou como falacioso o argumento segundo o qual o chamado ‘êxodo rural’ era devido à guerra.

Hoje, as principais características sociais de Luanda são:
- Uma urbanização muito rápida, não planeada e desordenada;
- Uma pobreza multidimensional, incluindo aspectos não quantificáveis;
- Uma desigualdade social alargada e crescente que, entre outros efeitos, impede que os poucos privilegiados e a esmagadora maioria dos carenciados se entendam como parte de uma mesma sociedade.
Com muitos milhões de habitantes (será que o Censo 2024 terá condições de estimar a população de Angola, e particularmente a de Luanda???) desigualmente distribuídos (para não variar) pelos mais de 2 mil km², esta Mãezona de tantos filhos, de todos os cantos do país, e do mundo, vem sendo muito mal-tratada, abusada, desrespeitada!
E para cúmulo, nem sequer tem direito a ver o seu / nosso dia considerado Feriado Municipal! Por quê?
Porque não tem/temos direito à consagração do Dia da Cidade como feriado municipal/local… será o já conhecido ‘medo dos ajuntamentos’, do que podemos fazer quando nos juntamos? ‘Eles’ lá têm as suas razões para não criarem o estatuto de Feriado Municipal para esta e outras cidades.
Mas e nós, no caso, os kalús? Porque não exigimos que o Dia da nossa Cidade seja feriado, permitindo a realização de actividades que reforcem laços de co-pertencimento e de comprometimento com o interesse colectivo e o bem-público, que permitam a identificação de soluções, das quais nós fazemos parte, que contribuam para prevenir, solucionar, ou minimizar alguns, ou muitos, dos problemas com que nos confrontamos neste nosso dia a dia na cidade?
Talvez muitos de nós, não valorizassem, ou nem aproveitassem esse feriado nesse sentido, o da acção colectiva, o de ‘estar junto’. E isso devido a várias razões. A maioria, certamente pela condição de destituição que impõe uma urgência e uma limitação no uso do tempo, da energia e dos parcos recursos disponíveis para resposta às necessidades mais básicas de sobrevivência. Outros, porque o individualismo crescente desta fase da modernidade global, exacerbado pelas redes sociais (que, ao contrário de aproximarem mesmo o que está longe, mas têm individualizado, afastado, isolado mesmo quem está ao lado), inibe ou torna cada vez mais difícil a acção colectiva e a tão falada “participação”, porque esta implica um sério compromisso com o sentido do colectivo, do bem-público, do interesse geral…
Mas era importante ser reconhecido esse direito, e termos o nosso Feriado Municipal. A sua criação tornar-se-ia uma oportunidade para quem quisesse, e pudesse, aproveitá-lo no sentido de valorizar, divulgar e preservar a história e a cultura da cidade, através de diversos eventos culturais e comunitários, fortalecendo o sentimento de co-pertencimento e orgulho pela cidade, estimulando a unidade e a coesão social, proporcionando momentos de descanso de lazer e redução do stress da vida urbana… Seriam contribuições para promover a identidade cultural da cidade e construir a nossa kaluandice! E ajudaria certamente a resolver algumas das nossas muitas makas!
Vamos juntos organizar uma campanha para que, em 2026, o Dia da Cidade seja Feriado Municipal?
Juntos, Podemos!
(1) Luanda é uma palavra da língua nacional Kimbundo; a atribuição deste nome à cidade parece ter sido devido ao facto de os habitantes da Ilha (de Luanda) serem chamados de Axiluanda, singular de Muxiluandas, que significa os lançadores de rede, ou seja, os pescadores. Outra origem remete à palavra “loando”, que é uma esteira feita de caniços.