INIMIGOS DO POVO

JAcQUEs TOU AQUI!  

Não tenho vergonha do meu país, nunca terei, sou demasiado orgulhoso de Angola. Mas tenho, sim senhor, vergonha dos pseudo governantes do meu querido país e de todos aqueles que vergonhosamente os apoiam.

JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

Em 1975 tornei-me militante do MPLA. Cheguei a Coordenador, primeiro do Grupo de Acção, depois do Comité das Seguradoras. Atento e vigilante como deve ser um bom militante, cheguei ao ponto de levar ao Ministério das Finanças e fazer entrega ao Ministro Saidy Mingas, o produto de acções contra-revolucionárias. Era dinheiro angolano levado ilegalmente para Portugal. Fizeram-me elogios, para mais tarde arranjar inimizades por causa do Movimento de Rectificação. Fui refreando ímpetos quando já no novo milénio, reparei melhor na organização. Certifiquei o que já desconfiava. O nosso MPLA era uma falácia! No seu seio utilizavam-se práticas inqualificáveis de certos responsáveis, havia baixeza nos seus gestos. Resumindo, os malandros superiorizavam-se aos homens sérios. Isto acontece em todos os partidos, diziam-me os puxa-sacos de sempre. Mas neste é demais, fui dizendo eu!

Desde então, com as forças a abandonarem-me ao ver cada vez mais longe o sonho da democracia, tento lutar contra a malandragem estabelecida. Só tenho duas armas para usar na minha defesa. A cabeça e a caneta. Utilizo-as permanentemente, em nome da verdade, até que surja uma lei qualquer que me retire o direito de as empregar.

Dito isto, vou brevemente às vergonhas dos últimos dias. Brevemente mesmo, porque para além da vergonha que suscitam, já se falou fartamente dos tristes episódios. Recordo algumas.

A Movicel, empresa tutelada pelo Estado – penso que ainda não foi privatizada – despede 80% dos seus trabalhadores sem nenhuma garantia de pagamento de salários, não se explicando em relação ao dinheiro nosso que ali foi aplicado. Por sinal, uns bons milhões de dólares!

O Ministro da Comunicação Social embrulha-se nas ideias e anuncia a saída da Lei sobre as Fake News. Pergunto-me, como vai ser a sua aplicação, sabendo-se como o povo sabe, donde emergem as maiores falsidades que maltratam o país?

O Ministro de Estado José Massano, com um descaramento arrepiante, fala publicamente da aplicação de vinte milhões de dólares para a compra de bandeiras destinadas à festa dos Cinquenta Anos. Que desfaçatez, meus senhores! Apliquem mazé os vinte milhões em arroz, fuba e peixe e distribuam esses bens ao povo desgraçado, para que não se assistam aos espectáculos de assaltos populares às camionetas que circulam com essa carga. A menos que se tratem de espectáculos para turistas verem!

A Ministra da Educação rebentou com a escala. Então os que vão não fazem falta? Ou me engano muito, ou a Ministra Luísa Grilo terá andado, em tempos passados, numas farras onde se ouvia bastante a música de La Calandria. “El que se va no hace falta”. Quem se lembra? Hoje, só mais velhos como eu se lembram dela. Tipos como o Mangalha e o Dionísio Rocha. Que pena que o Cirineu já se foi! É uma plena daquelas de dar passadas de lado, truques só ao alcance de Mateus Pelé do Zangado. 

Suspeito que a keta tenha entrado bem nos ouvidos da Ministra que, por causa dela e, porque não dizer, da sua evidente incapacidade, se sujeitou, escusadamente, ao desencanto em forma de fúria mediática e de outros ruídos, provocados pela juventude consciente do país. Noutro país, já teria sido “repelida com pesadas baixas” ou convidada a pedir exoneração.

A mim, para além do desabafo, cumpre-me também a pergunta. Como pode a responsável do pelouro da Educação de um país com a importância de Angola, vulgarizar-se de modo tão baixo?

Estou a concordar com a ideia de um brasileiro que dizia há dias que o maior inimigo do povo é um governo ignorante. Desgraçadamente, o nosso governo vem mostrando quase todos os dias que é inimigo do povo. Pela ignorância que mostra ter na sua actuação, exposta nas atitudes de uma série de Ministros, ditos auxiliares do nosso Presidente da República.

Há momentos em que a tristeza me atinge mais. Hoje é um desses dias. Chego a comparar-me aos bois do senhor Bettencourt, o carniceiro de Calulo, do meu tempo de garoto. Sinto-me igual aos touros da sua manada que, todas as quintas-feiras, marchavam tristonhos, cabisbaixos e resignados, em direcção à praça, onde lhes estava marcada a sentença da matança. Desculpem-se a franqueza, mas a minha tristeza é hoje, igual ou próxima da de um boi condenado à morte.

Vou terminar, dizendo que não tenho vergonha do meu país, nunca terei, sou demasiado orgulhoso de Angola. Mas tenho, sim senhor, vergonha dos pseudo governantes do meu querido país e de todos aqueles que vergonhosamente os apoiam.

Desejando os melhores votos de Feliz Páscoa a todos, despeço-me dos meus leitores, parentes e amigos. Beijos e abraços e até ao próximo domingo, à hora do matabicho. 

Lisboa, 20 de Abril de 2025

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