O processo de construção de uma memória colectiva a partir da negociação de um passado no qual todos os envolvidos se reconheçam, é um passo importante para a construção social de outro dos símbolos que reconheço como relacionado à Páscoa: o da Paz.

Desde que me conheço que associo ovos (de chocolate) e coelhos (de brinquedo) a esta data; ah, e presente da madrinha! Havia presentes, mas era diferente do Natal. Em geral eram guloseimas, amêndoas. Mais tarde, procurei entender o porquê dos símbolos, os ovos e os coelhos. E aí, a relação de ambos com a Páscoa – que sinaliza a ressurreição de Jesus Cristo – é porque ambos remetem à vida, ao renascimento e à fertilidade.
Então, fiquei com essa imagem da Páscoa como um renascimento, um recomeço. Um símbolo que nos lembra que tudo pode ser melhor/ado. Mais tarde, estudando processos de construção de memórias colectivas em situações de pós-conflito, este símbolo – o recomeço, o renascimento – assumiu outro sentido, mais profundo.
Na cultura judaico-cristã, este renascimento surge após duas situações ‘de crise’, ambas muito fortes em termos do que representaram. A primeira, quando a multidão, chamada a escolher entre um pregador e dois ladrões/assassinos, apontou Jesus à cruz. A segunda, quando a construção da memória colectiva valorizou o renascimento subalternizando a escolha da multidão, tornando-o o símbolo do acontecido.
Esta é, obviamente, uma forma simplificada de abordar um acontecimento marcante da história do cristianismo (os historiadores e os crentes que me perdoem), mas o que gostaria de realçar é que, em situações de pós-conflito, o processo de construção de uma memória colectiva a partir da negociação de um passado no qual todos os envolvidos se reconheçam, é um passo importante para a construção social de outro dos símbolos que reconheço como relacionado à Páscoa: o da Paz. Mas, a exemplo da simbologia da Páscoa, trata-se de uma Paz que permite seguir em frente, pregando e lutando por justiça social. E, em paz, enfrentar os problemas, os obstáculos do percurso de maneira que as causas que, lá atrás, deram origem ao conflito não se repitam.
Se a Páscoa sinaliza a possibilidade de se sair de uma crise com uma nova lógica, neste ano de 2025 com tudo o que assistimos/vivenciando, das guerras – o conflito levado aos extremos -, à desconstrução de princípios, valores e crenças que na política e na economia prometiam um mundo socialmente mais justo e equitativo, parece urgente que o ‘espírito’ da Páscoa renove em nós a Esperança, e reacenda o verdadeiro sentido da vida, o de uma Humanidade partilhada.
Por todas as razões, não apenas de calendário, mas acima de tudo, da actualidade política, agora é o momento em que importa parar e reflectir. Individual e colectivamente, temos de ser capazes de analisar o que está a acontecer e tomar posições, para usarmos o poder que temos de transformar a realidade que nos cerca e inspirarmos outros a fazerem o mesmo nos seus espaços de vida.
Há quem afirme(1) que “a 3ª Guerra Mundial já começou”. E nós, o que vamos fazer?
Reconhecendo-nos como parte de um todo, mas respeitando as particularidades de cada um, podemos juntos construir um mundo melhor, mais respeitador das diferenças, socialmente mais justo e mais solidário na luta contra absolutismos autoritarismos, e todos os ‘ismos’ que pretendem reduzir-nos na nossa condição de humanidade. Que a Vida se Renove! E Nós, nos reinventemos!
(1) Conflito mundial já começou, segundo ex-assessora de política externa no primeiro governo Trump, de 2017 a 2019. História do thedailydigest.com
