FLAGRANTES DO QUOTIDIANO (8.ª e última)

Da conduta de cada um depende o destino de todos

(Alexandre Magno)

1-Com a cumplicidade do casal Emílio Jasse-Beatriz Marques, passei ontem pelo velho Bairro Operário. Há quanto tempo não o via. Quanta saudade, meu Deus! Fomos com um objectivo bem definido, Visitar o Mangalha, o discotequeiro, o animador de festas, o homem que tanta alegria proporcionou à gente de Luanda, e não só. À mais diversa gente da maravilhosa Luanda. Está a viver um momento terrível. Não quero acreditar ainda no que os meus olhos acabaram de ver. O luandense José Henriques Ribeiro, vulgo Mangalha, sofre de doença grave que eu não soube identificar. Só, abandonado, entregue à sua sorte, fez soltar lágrimas doridas que se juntaram às poucas que ainda tenho para chorar. Eu, a Beatriz e o marido demos uma pequena ajuda, a possível. Temos que fazer mais alguma coisa por ele, não o podemos abandonar quando ele mais precisa de nós. Pode ser que ainda se consiga salvar o homem. Vai daqui o apelo. Façamos alguma coisa pelo Mangalha. Ideias, sugestões, solidariedade, precisam-se neste momento.

2-Deu ainda para observar o estado de degradação dos edifícios que circundam o Bê Ó e conformam o famoso Bairro de São Paulo. Horror! A grande maioria dos prédios corre iminente risco de queda, dado o estado anárquico de utilização, uma bandalha autêntica para utilizar termo vulgar, e nenhuma manutenção há 50 anos. Meio século, meus senhores! E nada se faz? Ou vai fazer-se? Quando morrer gente?

O trânsito desregrado e os milhares de pessoas em movimento, ajudam a dar um ar fantasmagórico a esta parte da cidade capital de Angola.

3-Mais dois factos em que tropecei nos últimos dias e para os quais ainda me resta algum fôlego para os comentar. Coincidem, de algum modo, com o que observo em 1 e 2:

a)-A anunciada subvenção estatal dos custos dos medicamentos para doenças graves e incuráveis, levanta mais uma questão de justiça. Quem, na verdade e justamente, deve beneficiar dessa subvenção? É que prevalece a velha história de serem beneficiados os que já têm mais regalias. Mas,

afinal, como ficamos nessa história? Sempre a mesma incapacidade de ver o lado do bem, enfim, uma cegueira nojenta!

b-Por último, um assunto que, para não variar, me desgosta. Antecipo-me a qualquer observação crítica, dizendo que nada me move contra a pessoa do Governador Provincial de Luanda, Senhor Manuel Homem. Pelo contrário, parece-me ter condições pessoais para ser um bom funcionário, não sei se um bom autarca. Tem presença e faiscante prestígio. Poderão faltar-lhe outras qualidades, mas disso ele não tem culpa. O que trago para aqui é o facto de não poder aceitar que a sua imagem circule nas redes sociais em momentos impróprios. E o momento que se vive, de inegável tragédia, não é propício. Por força da má gestão do território e da chuva que teima em desarranjar Luanda, está justificada a minha chamada de atenção. A cidade é um caos autêntico, prédios em alto risco de queda, há mortos e feridos, desalojados, munícipes em dificuldades. Nestas dolorosas circunstâncias, não é aceitável mostrarem-se imagens do Governador, nas vestes de um homem sereno e feliz, a cuidar da sua manutenção física (tem todo o direito como qualquer cidadão, mas tenha cuidado de não divulgar imagens). Enquanto exercer o importante cargo que tem, com a sua província a viver momentos de angústia, não pode, pelo menos não devia, permitir que as imagens demonstrativas da sua boa disposição viessem a público. É preciso enfatizar que o Homem não é um cidadão qualquer. Governa a mais importante província do país.

Posto isto, e enquanto choro uma última lágrima em memória de Carlos Assunção, levado a enterrar ontem em Portugal, resta-me um até amanhã, para o nosso encontro de domingo.

Luanda, 30 de Dezembro de 2023

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