FLAGRANTES DO QUOTIDIANO (7)

Feliz Natal e Próspero Ano Novo

(Popular)

JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

1-Hoje é o dia da Consoada. A véspera do Natal, a nossa Festa da Família. O tempo e as lendas que emanam dele dizem-nos com alguma certeza que a génese da nossa identidade tem um pouco a ver com esta data consagrada. Porquê? Porque a celebramos há séculos, desde que há memória do nosso espaço nacionalista. Radicada sob a influência da Igreja Católica, sujeitou- se a sucessivas mudanças, face aos modos de vida experimentadas pelas nossas populações; apesar da força dos conflitos havidos e da radicalização de muitos deles; das constantes transformações a que se obrigaram, quer a nível de locais de residência, quer dos hábitos e costumes introduzidos na sociedade nativa ao longo desses anos de tensão. Contra as intempéries dos tempos e apesar das imoralidades das tragédias, essa identidade, manteve- se intocável até aos nossos dias. É pois, por tudo isso, e a despeito das modernices que se introduziram nos hábitos angolanos, que celebramos, cada um de nós a seu jeito mas com todo o respeito, o Dia, a Festa da Família e do Natal.

2-Apesar das mudanças a que o mundo tem assistido (destaque para as climáticas, que constituem hoje uma das nossas maiores preocupações), tentar mudar o pensamento das pessoas, os hábitos enraizados, torna-se tarefa difícil, inútil até, pode dizer-se. Não há manual de boas maneiras que sirva, nem métodos que resistam. Exemplo da fidelidade à tradição, incrustada no pensamento da grande maioria dos angolanos. Ela demonstra diariamente a sua eterna submissão às leis tradicionais. Até se torna por vezes, passe o exagero, num problema de características psíquicas, com todos os mecanismos de culpa bem visíveis nas conexões entre identidade e moralidade. Só contradizem essas manias, chamemos-lhes assim, alguns vícios e os elegantes fatos e adereços de estilo europeu com que se enfeitam habitualmente.

Este tipo de retórica, corre sempre o risco de ser rotulada com nomes monstruosos vindos dos puristas radicais, românticos adeptos das normas vetustas de vida dos africanos, na sua opinião as mais adequadas ao nosso contexto e identidade. Buscam normalmente a escuridão da era colonial,

mas também não é preciso ir a tanto, acho eu. De qualquer modo, face à realidade da vida que se vive na nossa sociedade, e porque contra factos não há argumentos, resta-me desejar, muito sinceramente, a toda a gente, qualquer que seja a sua ideia de vida, defensores deste ou daquele credo, Saúde, Dinheiro e Amor. Festas Felizes a todos neste Natal.

3-Ainda não é chegada a hora do balanço, da inevitável prestação de contas que se exige aos governantes no fim de cada exercício, antecâmara do balanço maior que, resultado da soma de ano mais ano, é realizado na altura própria em que o Governo é obrigado por lei e se Deus quiser, a dar contas à Nação, criando condições para realizar novas eleições legislativas. No dia 1 de Janeiro, perspectivam-se acções para o ano civil iniciado, e não raro, acontecem mudanças na equipa governativa, quando não se verificam mexidas no time antes. Enquanto a dança das cadeiras não começa e no tempo em que estiver a ser preparada a roda do semba habitual, embalamo- nos no ritmo de sempre, aguardando que o que de mau no ano que se apresta a findar, não volte a acontecer no que vai entrar dentro de dias. Entretanto, torna-se justo que enalteçamos coisas boas que neste finalzinho do ano aconteceram. Aí vão duas delas, em que a oportunidade dos actos, a coragem da denúncia e o apelo à justiça tomaram relevo e que, apesar dos pesares, merecem ser citadas:

a)-O Projecto Kwenda (Projecto de Reforço do Sistema de Protecção Social), empenhado que está nas políticas de apoio a pessoas vulneráveis em Angola, saindo da rotina das pequenas transferências monetárias, decidiu-se por um apoio específico na província do Cuando-Cubango, a cidadãos portadores de albinismo e deficiências visuais. Aplausos para a iniciativa e o desejo que esta importante ajuda seja um acto permanente. Assim, servirá efectivamente os objectivos.

b)-O PCA da RNT- Rede Nacional de Transporte de Electricidade, fez há poucos dias, uma denúncia séria e de certo modo dramática. Falou sem gaguejar sobre os sucessivos roubos de cabos de transformação, de cantoneiras e outro material das linhas de transporte de electricidade de 220 kv, segundo sua explicação, a espinha dorsal do nosso sistema de electricidade. O país pode apagar, avisou o responsável. Recado assustador que alerta ainda para os prejuízos já calculados que atingem nesta altura mais de 5 milhões de dólares.

Face a esta denúncia, estranha-se que a população, os contribuintes, não tenham notícias sobre quem possam recair, pelo menos de suspeitas de negócios a nível do cobre. Se é possível aquilatar acordos estabelecidos entre os ladrões e os interessados no metal precioso que envolve esses produtos. Uma actividade capaz de pôr em risco de vida quem se mete nela, não é propriamente uma brincadeira. Fazer deste episódio vergonhoso um proverbial momento de viragem no habitual encobrimento de casos cabeludos, seria muito interessante.

Com os meus melhores cumprimentos de Natal, carregados de Paz e Esperança, despeço-me de todos, com o desejo de nos encontrarmos no próximo domingo, o último do ano, à hora do matabicho.

Luanda, 24 de Dezembro de 2023

2 Comments
  1. Nunca pare de escrever Jacques Dos Santos. A maneira como o faz, como descreve as coisas, situações, momentos, é pura poesia. Feliz Natal e um bom ano novo.

  2. Deve haver um pequeno/grande erro. Os furtos ocorrem nos Postos de Transformação e e nos cabos, que são apenas de transporte e não transformam nada. Roubam sim cabos para revenda e é algo que poderia ser sim evitado, ou muito reduzido pelo menos, com um sistema de drones de vigilância..

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