FLAGRANTES DO QUOTIDIANO (5)

As nomeações para cargos de responsabilidade de empresas da grandeza da TAAG, devem obedecer a critérios distantes dos caprichos deste ou daquele dirigente, deste ou daquele padrinho ou compadre.

JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

O quotidiano é a dose diária de vida

(Autor desconhecido)

1-Enquanto me deliciava na escuta de Pepe Escobar, o jornalista brasileiro que é hoje por hoje, dos melhores e mais credíveis estudiosos da geopolítica no mundo, a denunciar com autoridade as teorias atlanticistas face à Rússia e à sua economia, pensava ainda nalguns mimos que me caíram em cima por ter ousado falar na semana passada e nesta coluna, de Henry Kissinger. Espero reacções ao debruçar-me hoje sobre a recente demissão da Administração da TAAG, um facto que, passados uns dias sobre ele, ainda está a ter assinalável repercussão nos falatórios indígenas. Sob vários aspectos, vai-se falando do caso como de crónica de uma morte anunciada. Começo a acreditar numa razão de fundo a sobrepor-se à tese da má gestão apregoada para o desempenho da dupla técnica. Sem espanto, desde que coloquei em linha de conta a onda de insatisfação que rodeou, desde a primeira hora, a sua (provavelmente) insensata nomeação. Alguns actos da sua gestão motivaram forte rejeição por parte dos quadros da empresa, quer os do activo como os reformados. Esgrimiram-se fortes argumentos acerca dos métodos utilizados e, sobretudo, ao facto de a equipa integrar gente de fora (estrangeiros inclusive) para gerir a grande nau e, segundo eles, do modo pouco ortodoxo como o faziam ou fizeram. Foi, indubitavelmente, isso que mexeu com os neurónios do pessoal, nomeadamente do afecto à nossa companhia de bandeira.

Obviamente, as constantes reclamações não deixaram de fazer mossa na estrutura directiva da TAAG. Criaram constrangimentos de vário tipo e, quer se queira ou não, prejudicaram seriamente a imagem da empresa. Internamente, tanto como no exterior. Contraria-se assim, categoricamente, uma passagem da mensagem de despedida dos administradores visados, na hora da partida. Por isso e pelo resto, fica uma vez mais provado que as nomeações para cargos de responsabilidade de empresas da grandeza da TAAG, devem obedecer a critérios distantes dos caprichos deste ou daquele dirigente, deste ou daquele padrinho ou compadre. Devem contemplar, sim, pessoas com capacidade técnica e administrativa, passado, vivência e experiência comprovadas no sector onde se vão integrar. Estranhos à casa terão sempre dificuldades de se imporem na conjuntura que vivemos. Muito mais se optarem por modelos diferentes dos que eram normas dessas empresas. E, convenhamos, ter os recursos humanos em permanente discórdia com as chefias é prenúncio de se trilhar caminho pedregoso.

2-Não sou dado a análises de números, apesar de a minha profissão me ter empurrado, de certo modo, para eles. Foram anos heróicos a lidar com cálculos, rácios, retenções, estornos, mais-valias, demonstrações financeiras e de resultados, chavões contabilísticos que hoje em dia já pouco me dizem. Deixei de me interessar por eles e, por puro desencanto, pela própria profissão. Mas, a propósito dos salários auferidos pelos ex- administradores da TAAG e dos quais muito se falou e fala ainda, não fiquei indiferente. Muito mais quando agora, na hora di bai, se comenta o facto de no curto espaço de tempo da sua actuação, os ditos cujos terem a possibilidade de saírem milionários da grande aventura. Fake news de diversão ou alguma realidade nisso?

Duvidosos ou não, os factos comentados fazem-me pensar para poder falar. Não foi pois por mero acaso que recorri aos compêndios do meu estimado amigo Joaquim para colocar na mesa da minha discussão individual e das consequentes dúvidas que dela resultam sempre, a delicada questão que aborda a distribuição da riqueza do Mundo. Fico então perplexo a saber que 1% da Humanidade detém mais de 50% da riqueza mundial, equivalendo por isso a que mais de 99% da população mundial partilhe menos dos 50% remanescentes. Perante a crueza dessa revelação, fico de tal forma aboamado que me apetece dizer, caraças! É que há mesmo abusos descarados neste nosso mundo de Deus e que, para mal dos nossos pecados, nós mesmos estamos a colaborar para que a tendência se enraíze e perdure. Possas, pá! Vai ser assim, com espantos e exclamações, com novos administradores de quem ouviremos falar e que não serão certamente, nem santos nem milagreiros. Deste modo, minha gente, até à privatização da TAAG, se Deus e os santos quiserem. E assim caminhando, tristeza não tem fim, felicidade, sim.

Bom, por hoje chega, fico-me por aqui nos meus pensamentos. Voltaremos a esta mesa, no próximo domingo, à hora do matabicho. Cumprimentos a todos os camaradas, companheiros de luta e amigos.

Luanda, 17 de Dezembro de 2023

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