Eleições 2022. O colapso da maioria asfixiante

(O voo rasante do Galo Negro suplantou o salto da gazela e entornou o tacho da cabidela)

José Neto Alves Fernandes

O momento actual é por demais sensível, delicado, mas afigura-se incontornável porque é irreversível. Todo o mundo escolhe cautelosamente as palavras antes de as proferir, antes de digitar no computador ou no inseparável telemóvel. 

Mas já não há dúvidas de que a alternância só não se concretizou porque a “máquina” foi montada para  se manter o status quo. E os resultados falam por si, a começar pelos expressivos 54,34% de uma abstenção empolada com a manutenção de cerca de dois milhões de mortos no ficheiro informático e a deslocação de milhares de eleitores, dentro e fora do país. 

Apesar do record de abstenções, o MPLA foi copiosamente derrotado na maior praça eleitoral do país, Luanda, onde o partido do Galo Negro obteve mais de 62,59% dos votos, assim como em Cabinda (68,55%) e no Zaire (52,89%), as duas províncias produtoras de 99,9% de todo o petróleo angolano, mas a maioria da população local vive numa crónica situação de extrema pobreza.

Mesmo sem se conhecerem os números constantes da contagem paralela da UNITA, que reclama para si a vitória eleitoral, os últimos resultados provisórios divulgados pela CNE, quando já estavam contabilizados 97% dos votos, são bastante elucidativos:

1. O MPLA vence, à tangente, com 51,07% dos votos, conseguindo apenas 124 deputados, muito abaixo dos 150 do mandato cessante em que ostentou uma maioria qualificada com respaldo para alterar, a seu bel prazer, a Constituição, a Lei Eleitoral e a Lei de Imprensa, precisamente em vésperas das eleições. Agora, a braços com o seu pior resultado de todos os tempos, os camaradas terão de aprender a governar com uma vitória magra, inexpressiva e com sabor à derrota, por demérito do Presidente João Lourenço e “sus muchachos” que não souberam ou não quiseram prestar a devida atenção aos sucessivos alertas internos e externos;

2. A UNITA consegue o seu melhor resultado de sempre, um total de 44,05% dos votos, conquistando 90 assentos da Assembleia Nacional, mais 39 do que na legislatura passada, muito por mérito e brio inquestionável de Adalberto Costa Júnior, considerado por muitos o grande vencedor do pleito eleitoral, mesmo ficando em segundo lugar…

3. O PRS volta à carga como a terceira força política, recuperando a pujança da Frente Leste, apesar de ter eleito apenas dois deputados pelo círculo nacional;

4. O Partido Humanista é a grande surpresa, tendo no comando a estreante Bela Malaquias, uma antiga jornalista que abraçou a política e soube capitalizar o voto feminino para eleger pelo menos dois deputados;

5. A histórica FNLA reergueu-se das cinzas graças à estratégia conduzida por Nimi-a-Simbi, o novo líder que apostou na reunificação do partido dos irmãos desavindos, e conseguiu igualmente dois assentos na casa das leis.

6. A CASA-CE calapsou por ter desconsiderado a argamassa aglutinadora do seu fundador, Abel Chivukuvuku, razão pela qual a coligação foi irremediavelmente apeada do parlamento e, mais cedo do que tarde, os minúsculos partidos que que a compõem acabarão por sucumbir;

7. A APN, tida como eterno satélite do “maioritário”, também poderá ser riscada do mapa político angolano, tal como o “famigerado” AngoSat-1 que sumiu sem deixar rasto;

8. O P-NJANGO acabou por revelar-se um autêntico nado-morto, sem história para constar na memória colectiva do eleitorado.

Ao aceitar pacificamente os resultados oficiais, o MPLA deixou claro o seu indisfarçável alinhamento com a CNE, preferindo contentar-se com pouco para não agitar ainda mais as águas turvas de uma vitória que acaba por ser pálida e inexpressiva face ao investimento bilionário, visível à vista desarmada em toda a dimensão da campanha eleitoral.

Quaisquer que venham a ser as próximas reclamações da UNITA, ancoradas na contagem paralela, tudo indica que acabarão por ficar encalhadas no Tribunal Constitucional. Por uma razão muito simples. Reconhecer uma eventual vitória do partido fundado por Jonas Savimbi seria a consumação da alternância, facto que iria provocar um tsunami político de proporções incalculáveis nas hostes dos camaradas e, provavelmente, noutras geografias coniventes.

Por agora, paira no ar uma infinidade de pontos de interrogação em torno das lições que podem ser extraídas das eleições gerais de 24 de Agosto de 2022. Mas já há pelo menos uma certeza: nada mais voltará a ser como era antes e tudo poderá ser muito melhor do que sempre foi.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PROCURAR