CUBA. O princípio do fim de uma revolução

Um relatório do Observatório Cubano de Direitos Humanos (OCDH) divulgado nos últimos dias, registou “mais de 400 ações repressivas” para evitar os protestos dissidentes convocados para exigir a libertação de presos “políticos e de consciência”.

Apesar da repressão que caracteriza a governação do regime comunista em Cuba, os sinais que chegam ao mundo a partir dessa ilha caribenha dão conta que, há cada vez mais focos de insatisfação de vários sectores da sociedade, contra o que têm sido as políticas económicas e a violação aos direitos de liberdade dos cidadãos.

Numa análise ainda que simples, percebe-se um elevado estado de saturação da população, que resulta do agravamento do nível de pobreza e do aumento das dificuldades sociais que já eram preocupantes, mas ganharam maior expressão com o Covid-19 que afectou o turismo, uma das maiores fontes de receita do governo. A inadaptação aos novos tempos e desafios internacionais, é tida também como reflexo do medo de uma geração forjada no período de guerra fria, que detém todo o poder e continua refém da ideologia comunista/socialista. Por insegurança, mantém-se apegada ao passado, não aceita e nem reconhece que chegou o momento em que deve fazer uma transição pacifica, passar o testemunho à nova geração ávida por mudanças e mais adaptada aos novos desafios do mundo, sob pena de arrastar o país para uma insurreição com consequências muito graves.

Em Cuba não se vive o futuro, mas ainda o passado. A luz que ilumina os cubanos continua a ser aquela transportada pelo grupo de barbudos comandados por Fidel Castro e seu irmão Raúl. E nem mesmo com a entrada em cena de Miguel Mário Díaz-Canel Bermúdez, um professor universitário, engenheiro eletrónico que substituiu ou dois quer na presidência da República (desde 19 de Abril de 2019) quer na liderança do Partido Comunista de Cuba (PCC) desde 2021, se conseguiu inverter os efeitos dessa histórica herança, que depois de todos os avanços reconhecidos nos domínios da educação e da saúde, sobretudo, e porque não tem mais nada para emprestar como mais valia, vive um ciclo de retrocesso, de empobrecimento e de carências que leva os cubanos ao desespero e sempre que possível, à fuga.

A mordaça imposta pela velha geração revolucionária que tem medo de perder o poder, sufoca Miguel Díaz-Canel. Está presente em todos os seus actos e intervenções, como que, para recordar o pensamento orientador e os ideais que a 1 de Janeiro de 1959 desceram a Sierra Maestra para tomar o poder de Fulgêncio Baptista.

Com a morte de Fidel Castro e o afastamento de Raúl, quer os cubanos, quer o continente americano, quer o resto do mundo esperavam mais audácia e mais aberturas de Miguel Díaz-Canel até porque, tornou-se o primeiro presidente cubano nascido após a revolução e era espectável que fosse capaz de, com inovações, encetar as mudanças profundas ansiadas pelos cubanos da era pós-revolucionária. Aliás, a 23 de Março deste ano, Miguel Díaz-Canel fez o doutoramento em Ciências Técnicas, defendendo uma tese intitulada “Sistema de Gestão Governamental Baseado na Ciência e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável em Cuba”. Mas que Ciência? Que Inovação para o Desenvolvimento Sustentável, se Cuba continua condicionada por uma ditadura avessa aos princípios da liberalização do comércio e serviços, onde tudo é controlado pela esfera partidária e pelos serviços de segurança do partido/Estado?

As poucas mudanças operadas por Miguel Díaz-Canel, sobretudo na liberalização de algum comércio e ainda assim, como resultado da pressão dos primeiros focos de insatisfação que levaram milhares de cubanos às ruas, produziram poucos resultados práticos ou melhorias no aumento de emprego ou de fontes de renda das famílias que se dedicam ao pequeno negócio.

Apesar de todo potencial humano e económico, com a crise económico-financeira que o mundo vive, o principal “produto” de exportação cubano também já não é o “internacionalismo”, resultante da “venda” (ou também da exploração, como se diz) do desempenho dos seus ‘ténicos’ na cooperação com vários países com quem tem relações. Contudo, até na exportação de produtos que são sua bandeira, como os charutos, o país que é detentor de algumas das melhores marcas mundiais está enclausurado pela falta de entrosamento na globalização, em que apenas o turismo tem sido excepção, mas conhece agora um dos seus momentos mais críticos, apesar do financiamento de instituições sauditas na recuperação de edifícios históricos de Havana Velha.

Mesmo com a abertura que tem do mundo, o embargo americano decretado desde 21 de Janeiro de 1962, já lá vão 59 anos, continua a ser a principal justificação do regime para o sufoco das suas políticas, em que tudo gira em torno das decisões do Partido Comunista e dessa geração de anciãos que se mantém agarrada aos princípios da Sierra Maestra, mantendo a nação e a economia cubana numa espécie de hibernação, ou melhor, de atraso económico e social (que contrasta com a investigação científica), que mais tarde mais cedo, poderá levar ao colapso. E os sinais estão aí bem patentes.

Um relatório do Observatório Cubano de Direitos Humanos (OCDH) divulgado nos últimos dias, registou “mais de 400 ações repressivas” para evitar os protestos dissidentes convocados para exigir a libertação de presos “políticos e de consciência”.

Entre as “ações repressivas”, a OCDH afirmou que contam casos de prisão domiciliária com vigilância policial (122), intimações a esquadras policiais (62), ameaças (50), detenções (87), actos de repúdio (14) e cortes nos serviços de Internet (35).

A OCDH denunciou a existência de “centenas de presos políticos e prisioneiros de consciência que hoje se encontram em prisões cubanas, condenados por exercerem os direitos através de julgamentos fraudulentos, sem garantias judiciais”.

Por esses dias, as plataformas Cuba Decide, Archipiélago e o Centro de Denúncias da Fundação para a Democracia Pan-americana (FDP) referiram em comunicados que, “pelo menos 100 pessoas foram detidas e 131 impedidas de sair de casa durante os protestos dissidentes de segunda-feira”.

Em comunicado, as duas organizações acusaram a polícia cubana e as “brigadas de resposta rápida” de serem responsáveis pelas prisões e detenções “arbitrárias” de manifestantes.

Por províncias, segundo a nota, foi em Havana onde se registou o maior número de detenções, com 28, seguindo-se Ciego de Ávila (leste), com 21, e Santiago de Cuba, com 14.

Entre os detidos constam Manuel Cuesta Morúa, vice-presidente do Conselho para a Transição Democrática em Cuba, a activista e curadora de arte Carolina Barrero e José Daniel Ferrer Cantillo, filho do conhecido líder da União Patriótica de Cuba (UNPACU), José Daniel Ferrer García. Desde Julho, permanecem na prisão Ferrer Garcia e Luís Manuel Otero Alcântara, líder do Movimento Santo Isidro (MSI), numa longa lista que inclui também os jornalistas Abraham Jiménez Enoa e Luz Escobar que observam prisão domiciliária.

Apesar da repressão do regime cubano, nada parece conter esse movimento que conhece cada vez mais aderentes porque a pobreza, a falta de liberdade, o acesso às novas tecnologias e à informação condicionam o desenvolvimento humano, e ao agravamento das condições de vida da grande maioria da população.

É o sufoco generalizado, e mais prisões não serão, de certeza, o balsamo que vai curar as mazelas causadas pela falta de visão de um poder que parou no tempo e no espaço. E tal como justificou e sustentou a revolução, o fim também pode estar a começar pela mesma razão: o aumento da pobreza e da repressão.

*Com agências

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