COOPERAÇÃO E ALIANÇAS MILITARES

O ritmo acelerado das turbulências internacionais, tais como conflitos, guerras, tensões e crises estatais, inter-estatais, regionais e internacionais, têm permitido de um lado, o aumento significativo dos orçamentos de defesa por parte dos estados, por outro lado, nota-se também um crescimento relevante nas questões da cooperação e alianças militares, com o intuito de se garantir a própria estabilidade e segurança.

POR: LEONARDO QUARENTA* 

Nessa dinâmica toda do sistema internacional, os países africanos têm ficado cada vez mais para trás. As suas vulnerabilidades de defesa e segurança são caótica e preocupantes, pois não há um projecto eficiente de doutrina de segurança doméstica, o que tem causado por um lado, instabilidades constantes a todos os níveis, sobretudo no âmbito económico-social, por outro lado, são as tomadas do poder político por via de golpes de estado. Isso não atrasa apenas o desenvolvimento do continente, como também instala, de forma implícita, a ideia de que a administração do Estado em África, no que visa a mudança do poder, só é possível por via de intervenções militares e paramilitares, uma vez que as eleições não fazem sentido nenhum, porque as instituições não são independentes porque obedecem às ordens de quem detém o poder político.

A cooperação militar pressupõe um mecanismo estratégico e de vantagens recíprocas em prol da estabilidade e protecção dos interesses nacionais; implica uma relação de ajuda mútua dentro dos estados, no campo militar, que poderiam ser instrumentos tanto para aumentar o poder militar dos actores, como para a sua diplomacia. Hoje a cooperação militar não é uma questão ou matéria isolada. É algo conjuntural, porque pressupõe um tipo de cooperação não apenas militar, mas sim do tipo civil-militar. Entretanto, a Cooperação Civil-Militar (Civil Military Co-operation – CIMIC), na sua complexidade, é definida como sendo a resposta militar às novas exigências e necessidades de eficácia operacional em intervenções e operações internacionais, sejam elas definidas como Peacekeeping, no sentido clássico ou mais genericamente, como CROs – Crisis Response Operations. 

O principal objectivo da Cooperação Civil-Militar, fora do território nacional, é contribuir para a consecução dos objectivos civis em todos os domínios (justiça, cultura, economia, social, segurança, ciência, etc.) para favorecer a reconstrução do tecido socioeconómico na zona de crise. Este tipo de cooperação é parte integrante de todos os processos de gestão de crises, e o seu papel é especialmente significativo nas fases iniciais, quando as organizações civis ainda não conseguem atender às múltiplas necessidades das populações e instituições locais e regionais. Em particular, o CIMIC constitui a interface entre o meio civil e a componente militar no Teatro das Operações, sobretudo através do desempenho de delicadas funções de ligação entre as duas referidas componentes e o apoio concreto à população.

Diferente da Cooperação Militar, onde prevalecem principalmente as assistências militares, assistências logístico-militares, ajudas humanitárias, entregas de armamentos e de outros materiais bélicos, as alianças militares são tudo isso mais a intervenção directa de militares de um estado no campo de batalha, a favor de seu aliado. Normalmente esse tipo de aliança pressupõe um nível alto de interesses recíprocos entre os governos ou organizações regionais e internacionais.

Dilema da segurança nacional e regional

Em África não existe e nunca existiu efectivamente uma cooperação do tipo militar, muito menos de alianças militares, e nem mesmo esse recente pacto militar projectado e assinado nos finais de 2023 e início de 2024 entre o Bukina Faso, Níger e Mali (na sequência dos seus respectivos golpes de estados) pode ser traduzido numa verdadeira aliança militar. Mas do ponto de vista estratégico já é alguma coisa, é já um passo significativo. O Conselho de Paz e Segurança da União Africana, estabelecido em 2002, não funciona e nunca funcionou. Exemplo concreto sobre isso são os constantes golpes de Estado que o continente tem enfrentado, tal igual o Pacto de Não-Agressão e de Defesa Comum da União Africana estabelecida em 2005, o que coloca os países africanos numa situação de «dilema de segurança nacional e regional», não apenas do ponto de vista militar e de inteligência de Estado, mas também institucionalmente e da própria Administração do Estado, na totalidade.

Profissionalmente, sugiro aos líderes africanos algumas estratégias essenciais:

1) Mais verbas para os orçamentos de Defesa. Não se garante a segurança nacional, investindo pouco nas próprias Forças Armadas. Isso pressupõe a modernização das Forças Armadas, compra de mais armamento e de sistemas, anti mísseis avançados, instalação de indústrias bélicas no próprio território, sob supervisão directa do Estado-Maior-General, do Ministério da Defesa e do Ministério do Interior. De igual modo, também a formação técnico-militar de alto nível a favor dos efectivos. As verbas para a Defesa não devem ser inferiores à 10 biliões de dólares anualmente (além dos valores adicionais), mas só surtirão efeito positivo para a segurança Nacional, se houver um controle e fiscalização rigorosa e pontual de todo material bélico e militar que se compra, dado o alto índice de corrupção e de desvio de verbas e de armamentos por parte das instituições político-militares dos estados africanos. 

2) Pacto de Defesa e Segurança Abrangente entre os Estados Africanos. Os governos africanos a nível de cada região (SADC, CEDEAO, CEEAC, AEC e EAC), deviam estabelecer uma Força Militar Especial Regional. Cada força a nível regional devia incorporar no mínimo 3 milhões de soldados, não apenas em número, valendo-se sobretudo de um contingente altamente treinado e equipado, dotados de material bélico e tecnológico avançado. Um dos objectivos dessas forças militares especiais seria de garantir a segurança regional, de consequência a segurança continental. 

Funcional e organizacionalmente, essas forças militares especiais, seriam constituídas: por um Centro de Comando Político-Militar (planeamento estratégico a nível de políticas de defesa e segurança porque é aqui onde tudo acontece); um Centro Militar ou Estado-Maior (execução das operações militares e outras dinâmicas militares tácticas e estratégicas); um Centro de Inteligência (colecta e análises de dados regionais); um Departamento de Economia Militar (verbas destinadas ao financiamento militar em casos de conflitos e guerras, além disso, esse tipo de Economia, constituiria uma espécie de fundos próprios para garantir a prontidão permanente de combate dos exércitos regionais); e um Departamento Diplomático-Militar para questões de mediações, resoluções de crises e outras diligências burocráticas a nível da estabilidade e da manutenção de paz.

A importância do domínio tecnológico e nuclear

3) Construção de armas nucleares, satélites militares, satélites espiões, satélites de pesquisa e de comunicação. Diferente do passado, hoje os conflitos fazem-se com “armas” tecnológicas, progressivas e estratégicas. O número de efectivos não é suficiente para se vencer uma guerra. É necessário investir alto na tecnologia militar e bélica. É disso que a África precisa. Considero isso como uma emergência porque já se vai tarde. É hora se dar passos significativos. Para tal efeito, pesquisas militares e nucleares deviam ser accionadas. Os governos africanos deviam recrutar engenheiros de várias áreas nos seus respectivos países, ao mesmo tempo, deviam formar tantos outros cidadãos nas áreas da engenharia militar, estabelecer relações de cooperação científico-nuclear com países avançados nessas áreas. Muammar Khadafi, presidente deposto e assinado da Líbia, fez isso nos anos 80 e em 2000 já tinha um projecto nuclear e químico sólido. O grande erro estratégico que cometeu, foi ter devolvido, em 2006, todo o seu projecto nuclear e químico. Anos depois uma coligação liderada pelos Estados Unidos, França e Itália e Reino Unido, invadiram esse país e foi morto. 

Os diferentes interesses políticos, económicos e geoestratégicos atestam que não há amizade nem flores nas relações internacionais. Os países africanos devem preparar-se a todos os níveis, sobretudo: militarmente, economicamente, tecnologicamente, cientificamente, política e diplomaticamente, devem preparar-se para cenários complexos. Mas, isso não é possível sem uma preparação militar de mais alto nível. 

No actual contexto do sistema internacional, há várias formas de obter e de fabricar uma arma nuclear, seja através de engenheiros próprios sob auxílio de cientistas estrangeiros (coisa que Kaddafi fez na década de 80), ou através da fixação de engenheiros estrangeiros no próprio território, através de um grande pacto e aliança militar ultrasecreto, na qual tais cientistas fabricariam armas nucleares e outras armas avançadas a nível local. Aconteceu na China, na França, em Israel, na Índia, no Paquistão e na Coreia do Norte. Aquelas armas nucleares, “aparentemente norte coreanas”, não são necessariamente. Ou seja: são armas nucleares norte coreanas, mas fabricadas por engenheiros russos e chineses. Vários relatórios de inteligência provam isso, porque, efectivamente, a Coreia do Norte não tem tecnologia para fabricar tais armas. Tais tecnologias são extremamente difícies e complexas, e poucos a detêm no concreto. 

Tal igual, é necessário apostar alto nas telecomunicações. O continente africano parece estar ainda na “idade da pedra” quanto à isso. O continente carece de satélites de pesquisa, de comunicação, para não falarmos (factualmente) dos satélites militares (nesse domínio é praticamente falar do “Fim do Mundo”). É algo que está muito acima e longe do pensamento estratégico dos dirigentes africanos. Nem sequer têm noção do que se trata, porque se tivessem noção da sua importância, já teriam tomado medidas estratégicas para mudar o quadro do continente nessa direcção. Apenas o presidente Kadafi tinha noção e conhecimento disso. Por isso dedicou-se bastante na busca de tais tecnologias. Mas cometeu o erro de abdicar-se de tudo, por causa das sanções e da pressão política externa. Trata-se de uma necessidade, não simplesmente por causa da globalização, mas porque o avanço militar e a tecnologia no seu todo exige a presença de satélites. A comunicação faz parte de um elendo conjuntural de medidas de segurança de um Estado, mas os satélites constituem um mecanismo importante que contribui para o bom funcionamento do Estado. 

Perdemos a soberania para as grandes potencias

4) Independência econômico-financeira. O continente africano é refem dos actores regionais, internacionais e globais, por causa da sua dependência econômica. Basta notar que todos os países do continente possuem altíssimas dívidas externas, e isso condiciona-os de traçar, de forma independente, seus próprios programas e estratégias governamentais, porque os vastos interesses externos das grandes potências submete-os a fazer outras coisas, porque devemos muito dinheiro à esses países. Explicitamente perdemos a nossa própria soberania.

A nível interno, os dirigentes africanos fazem muitas das vezes aquilo que não corresponde com o modo de viver local, aprovando até leis que vão contra a tradição africana. Por exemplo, os nossos líderes são obrigados a aprovar leis pró-LGBT, com a falsa aparência do respeito pelos direitos humanos. É aqui onde está o verdadeiro perigo. Pessoalmente, já debati inúmeras vezes sobre isso com vários intelectuais ocidentais. E considero-me como o primeiro académico a debater essa questão ao mais alto nível e fortemente, em grandes foruns sobre “Direitos Humanos e Direitos Culturais”. Organizei vários debates e seminários internacionais a volta disso, porque “todos” falam sobre os “direitos humanos” mas quase ninguém fala sobre os “direitos culturais”, porque o primeiro não exclui o segundo. E tenho sido explícito em dizer que os direitos humanos não anulam os direitos culturais. Considero que o continente africano está a ser invadido com hábitos ocidentais estranhos. Assiste-se nas tvs africanas gays, homossexuais, bissexuais, lésbicas e outras atrocidades ou promiscuidade, e muitos pensam que isso é normal. Mas não é, porque são hábitos e costumes que colidem com os direitos culturais africanos. 

Mas, tais práticas em África não terão fim nem hoje nem amanhã, porque ao dependermos economicamente de países terceiros poderosos, seremos sempre obrigados a fazer o que esses países decidirem. Ter autonomia econômica não é apenas uma necessidade, mas uma obrigação de luta na busca da própria liberdade e do desenvolvimento africano à todos os níveis. Mas, para tal, é preciso definir estratégias e possuir sabedoria. Mas, parte considerável dos líderes africanos carecem de visão ou sentido de Estado.

N.B: O meu artigo científico intitulado “Serviços de Inteligência e Segurança Militar: Geoestratégia Nacional, Regional e Internacional”, agora já pode ser disponibilizado aos interessados. Peço desculpas à quem antes tinha solicitado e não satisfiz o pedido. É que o artigo continha muitos dados sensíveis e confidenciais. Depois de fazer algumas alterações e modificações de segurança, transformei o conteúdo do artigo em dados didácticos e académicos. O resto virá no meu livro, já quase pronto, sobre “Defesa e Segurança”. Mas, enquanto isso, vou disponibilizar o artigo acima citado, podendo ser obtido mediante o envio de uma mensagem para o meu e-mail: leonardoquarenta@hotmail.com acompanhado de uma pequena apresentação. O artigo será disponibilizado somente para quadros militares, político-militares, agentes especiais e oficiais superiores. Este e outros artigos do género. Não é destinado à civis, portanto, agora já poderei enviá-los. Na verdade tenho muitos outros artigos militares.

* Académico Pesquisador de Pós-DoutoradoConselheiro de Segurança Nacional (XIV)Jurista especializado em Política Diplomacia, Defesa e Segurança

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