O Presidente da República tem, por inerência de funções, responsabilidades políticas neste caso do desvio de recursos do tesouro nacional por técnicos da AGT (não se sabe se 7 mil milhões ou se 81 mil milhões), porque, ao contrário do que negou, com aplausos dos seus camaradas, foi, sim, surdo. Não ouviu os receios e os clamores da sociedade contra a política selvagem de imposição de impostos dos meninos da academia lá de fora, que hoje, está provado, contribuiu para a falência do Estado, da economia, das empresas e leva ao empobrecimento das famílias. Na qualidade de Chefe do Executivo, não é correcto tê-lo (ou vê-lo) apenas como mero assistente ou figurante do Carnaval sobre as finanças públicas e sobre o descalabro económico e social, porque como disse, “não somos (ele e quem o acompanha) surdos e não gostamos do que ouvimos”. E então? E agora?
Continuamos a sentir no estômago, o impacto do golpe duro que uns ‘putos’ pertencentes ao grupo dos mais bem compensados do país, desferiram aos cofres públicos. Alertas sobre a perigosidade do rumo que as coisas tomaram, não faltaram, como fez Miguel Ângelo, num livro editado em 2023 com o Título “Estado da violência, violência do Estado”, em que faz uma incursão sociológica sobre a realidade política, económica e social de Angola, e aborda a forma compensatória especial dos técnicos da AGT. Estímulo que comparado com o que auferem técnicos de outros grupos profissionais, como médicos, professores, por exemplo, deveria funcionar como um tónico para melhoria das boas práticas, mas teve um efeito contrário. A intenção, que, no fundo, apesar de boa foi discriminatória, acabou por produzir uma nova classe de cidadãos, que deram continuidade ao saque, que tal como muitos mais-velhos fizeram, decapita o erário.
Diz, por exemplo, Miguel Ângelo na sua obra, e isso é de conhecimento de todos nós, “que os funcionários da AGT têm bonificações ao salário que, resultam directamente do volume das receitas tributárias e dos direitos alfandegários das mercadorias que, entram e saem do país, ou de multas aplicadas aos operadores económicos, e não propriamente do Produto Interno Bruto (PIB), o que significa dizer que, esta estrutura é completamente desproporcional com a renda nacional e, adoptada, como se costuma dizer e/ou como se pensou (e se pensa), empiricamente, para evitar que estes funcionários caiam na tentação de serem corrompidos ou até de ilicitamente, se apossarem dos bens públicos sob as suas responsabilidades, enquanto agentes, ao serviço do Estado”.
Este princípio de bonificação ou premiação, prossegue Miguel Ângelo, “denota, claramente, a ausência de uma cultura de ética e de responsabilidade de que padece a maioria das instituições públicas, e não só”.
O que preocupa, ressalta Miguel Ângelo em o “Estado da violência, violência do Estado”, “é que, por ausência de cultura cívica de boa gestão, os funcionários de certos organismos do Estado, passam a ser tratados como crianças mimadas que se tem de lhes satisfazer o ego, para conter as suas birras e caprichos infantis, que se resumem, em chantagens emocionais, alimentando os seus desejos descabidos de tola soberba. Ou se lhes adoçando o prazer, de terem o que quiserem, no momento que quiserem. Ora, esse modelo de corrosão do carácter, é nocivo e extremamente prejudicial”.
E Miguel Ângelo justifica o porquê:
“A definição do salário com base neste critério retira não só a noção de rendimento com base no valor e na responsabilidade individuais, e assente na renda nacional, como induz ao pensamento de que, ceder ao suborno ou à corrupção, sob pretexto de remuneração “incompatível” ou apossar-se indevidamente dos recursos públicos, é um direito adquirido, para além de que, não se olha para a real importância, a complexidade e a sensibilidade (riscos), de outros Sectores, cujos profissionais devem merecer, a melhor atenção do Estado”. Ademais e como temos vindo a constatar, acrescenta Miguel Ângelo, “a suposta remuneração compatível e demais benefícios, não inibe as pessoas de condutas desviantes”.
Como referimos no nosso texto com o título “Caso AGT – a transição geracional é necessária, mas tem regras e deve ser cuidada”, e já em 2023 Miguel Ângelo alertava para esse risco, “muitos destes postos são providos na base da confiança e, por pessoas protegidas, pela vasta rede de clientelismo”. Ora, quem promove esse clientelismo é a própria estrutura e o formato do poder, que desrespeita as regras estabelecidas para o bom funcionamento do Estado, interferindo e sobrepondo o interesse político, em vez do técnico, na tomada de decisão. E o país caiu em tal extremo de negação, que até o ordenamento de um mercado e a venda desordenada nas ruas, deixou de ser um assunto administrativo e tornou-se, sobretudo, num assunto de cariz político, do partido. Porque tem sido para benefício dele, para financiar algumas das suas acções e/ou servir apetites de muitos que o representam, o descaminho de parte considerável dos recursos arrecadados de quem já vive na miséria e tem esses recintos e locais como fonte de sobrevivência.
Mas este é o país real, onde quem cobra muito ganha bem e quem paga muito ganha mal e é roubado. Não tem direitos. É o país real onde a fraca produção nacional é compensada com o aumento de impostos. O país real com uma economia desestruturada e que mal funciona, atrasado do terceiro mundo, que paga salários miseráveis, mas se cobram impostos sobre produtos e serviços, como se estivéssemos num país do primeiro mundo. O país onde a construção de hospitais enormes e modernos, não consegue colmatar a má prestação do serviço público, até porque o recurso para boa parte da população, continua a ser os serviços de privados. É nesse país, real, onde os impostos são taxados como se fosse do primeiro mundo, mas até ao momento, nem a ministra das Finanças, nem o ministro de Estado para a Coordenação Económica, nem o Chefe do Executivo sentiram-se obrigados em dar-nos qualquer tipo de explicação (informação) sobre o caso AGT. Porque provavelmente entendem, que este é um caso da responsabilidade do SIC e não do Sector ou da qualidade da governança. Mas também, por que o fariam? Quem somos nós, para merecer tal deferência?
Como escreveu alguém nas redes sociais, “um dia vamos descobrir que o RUPE afinal é o IBAN de alguém”.
Essa equipa económica é um autêntico desastre.
Nem os mais novos, tampouco os mais velhos, ninguém se aproveita. Todos eles preocupados a tirar o seu quinhão, quanto maior melhor. E o que faz o Titular do Poder Executivo, o primeiro fiscal da Administração Pública do país? Absolutamente NADA! Aliás, o que teria feito, num sistema benéfico a ele e aos seus, apetrechado por ele? Estamos atirados à própria sorte.