ATÉ SEMPRE, SACY

JAcQUEs TOU AQUI!  

JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

Perdemos o Sacy! A mensagem do Reginaldo alarmou-me. Não quis acreditar. Com bastante cuidado liguei para a Ana Edith. Aconteceu alguma coisa? Não. Está tudo bem, disse ela. Contactei o João Jardim. Lá longe, onde estava ele confirmou. Sim, perdemos mesmo o Sacy! Como enfrentar isso? Estupefacto, amparei as ideias e tentei aceitar. Entretanto, a dor, na sua mais terrível versão, começou a derrubar-me. Busquei remédios e também os meus direitos. Entre vários, escolhi o de sonhar. Porque aos sonhadores permite-se tudo. No âmago da minha tristeza, imaginei coisas enquanto os sentimentos se emaranhavam. Prevaleceu o da verdade que me conduziu, sem qualquer desvio, a uma realidade indesmentível: Um homem da dimensão do Sacy não pode ser esquecido. Pelo contrário, deve ser imortalizado.

O modo mais adequado de se perpetuar alguém para lá da sua morte, terá de ser o que torna perene o nome, a obra e as atitudes do indivíduo que parte para a eternidade, rotulado pela sua qualidade de ser superior.  

Os que de perto lidaram com ele, e não foram poucos, já há muito o tinham elevado a esse patamar. Cabe agora à sociedade angolana lembrar-se do doutor José Carlos Fernandes dos Santos, o inesquecível doutor Sacy, primeiro bastonário da Ordem dos Médicos de Angola. O médico que encarnou a dignidade, o profissional do nosso orgulho. 

Sem sombra de dúvida, o Sacy era um daqueles homens que merecem entrar na História do país por essa via da imortalidade. Um homem incomum, um profissional de excelência, um ser humano distinto, da maior grandeza. Em suma, um fora de série. Esse homem, o Sacy que nos deixou abruptamente e se levou ontem a enterrar, fez o favor de ser, durante décadas, meu médico, conselheiro e grande amigo. Tratou de muitas outras pessoas, para quem teve sempre gestos de carinho e amizade. Eram os seus “jovens” doentes. Assim éramos todos tratados por ele. Nesse período prodigioso das nossas vidas, enquanto lhe mostrava as mazelas do meu corpo e muito do que me ia na alma, ele presenteou-me sempre com a sua atenção, compreensão, competência médica e, sobretudo, com a sua amizade. Com a pureza do seu carácter e a nobreza da sua alma. Era, para mim e por tudo isso, um amigo daqueles que já não se usam.

No dia do nosso último encontro, no verão passado, em Lisboa, observei demoradamente o seu cabelo branco, as sobrancelhas espessas e o bigode farto. Tinha o mesmo sorriso tímido e humilde com que sempre o vi. Durante o almoço organizado pelo João, ainda dividimos recordações, algumas cumplicidades forjadas nos capítulos que escrevemos sobre o futuro de Angola. Lembramos também os que tinham partido sem alcançarem a felicidade de ver o nosso país próspero e feliz. 

Sempre que nos vimos nestes tempos difíceis de agora e recordando o antigamente das nossas vidas, era quase infalível lembrar com saudade, o pai Jofre dos Santos, ele também meu velho amigo e companheiro, e um outro nosso eleito, o José Pedro Tonet. 

Para que se saiba, tive o privilégio de ter em mãos, um conjunto de poemas da sua lavra. Pediu-me opinião sobre o trabalho que, nos últimos anos o absorvia, nos seus momentos de solidão. Ele escrevia. O exercício constituía, certamente um lenitivo nesses instantes de recolha e reflexão. Os versos que li, reflectem o seu carácter e sensibilidade, quem sabe se uma fuga também. Para o afastar da angústia que sentia pela desdita do povo angolano. Talvez não tenham sido publicados. Contudo, espero vê-los um dia em livro, como espero que a vida se encarregue de deixar para a posteridade o nome do Sacy, um cidadão digno e exemplar que, em muitas circunstâncias, elevou o prestígio da nossa terra. 

E pronto. Despeço-me do Sacy, assim, à minha maneira. E nesta hora de imensa dor, quero abraçar a Corina, os seus filhos Lelyka, José Carlos (Sacyzinho) e a Suzana. À restante família, deixo o meu abraço fraterno. Para os amigos comuns e para os estimados leitores, vai a minha eterna esperança de uma vida melhor e o meu abraço solidário, com o desejo de podermos estar novamente aqui no próximo domingo.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2025

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