AI DOS VENCIDOS

A Nito Alves, José Vandunem, Sita Valles, Rui Coelho, Pedro Fortunato e todos os que tombaram no decurso dos frios assassinatos com origem no 27 de Maio, sem esquecer Bacalov, Chico Jorge, Dodó, Vicente Fortuna, Pedro Santos, Ademar Valles e Nehru, como homenagem a homens valerosos, torturados e assassinados pela DISA, na presença de Carreira, Lúcio, Ludis e outros assassinos.

POR VIEIRA PEDRO

Numa viagem pela história, desde a antiguidade até aos nossos dias, surgem-me episódios sempre passíveis de ser recontados. Recorro à leitura de um livro de autores diversos, à História do Mundo em 50 Frases de Helge Hesse, ao século IV de a.n.e.[1], com Breno. Não me perdoem pela transformação de factos e datas. Tornou-se inevitável!

Como bem começar, senão com uma frase do site “Le Livros”: quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento e não mais lutando por dinheiro e poder, então a nossa sociedade poderá, enfim, evoluir a um novo nível.

Avancemos então…

Decorria o mês de Maio do ano 977 a.n.e., mais de 30 mil gauleses reuniam-se próximo de Roma, junto a um pequeno afluente do Tibre chamado Alia. Ao seu encontro saiu um exército romano formado por 70 mil homens. Para os soldados romanos, a visão dos robustos gauleses, com as suas cabeleiras curtas e encaracoladas, as suas peles e as suas vestimentas coloridas, deve ter-lhes parecido estranha e intimidatória… ou apenas esperada.

Durante os últimos anos, os bárbaros, tal como os romanos lhes chamavam (também lhes chamaram fraccionistas e outros epítetos), tinham atravessado a planície do Pó e penetrado cada vez mais pelo território de Itália, até à III plenária da Conferência Central. Roma estava ainda longe de alcançar o poder absoluto que um dia conseguiria, mas a ambição dos cidadãos romanos, que aspiravam a controlar totalmente a região, era grande. Como se foi tornando evidente num determinado momento, o exército da cidade de Roma teria de enfrentar os bárbaros. Era esperado que fosse no Congresso…

De repente, quando o fragor das armas começou a fazer-se ouvir, logo se percebeu que os romanos tinham um estratega capaz de manter as fileiras apertadas. Marco Furio Camilo, aliás Castro Ruiz, por intermédio de Moracém que houvera conhecido dificuldades e o desterro em tempos, mostrara-se a favor da instauração de uma autocracia na cidade. O exército romano envolvera-se na batalha de Alia que se tornou um dos maiores desastres da história de Roma. O devastador confronto com forças diversas fez com que parte dos chefes da cidade pretendessem ir cada vez mais longe, mas quando Roma se encontrava enfraquecida e racionalmente atacada por dois exércitos internos, fora salva in extremis, em Lusaka, por uma investida gaulesa em seu apoio, garantindo-lhes assim uma primeira vitória. Homens, mulheres e crianças regozijaram, dentro e fora de Roma, com esperança no futuro.

Entretanto, algumas centenas de soldados romanos, sob o comando directo de Marcos Manlio, aliás Teles Carreiras, na companhia de Lucius, estavam já na cidade entrincheirados com alguns concidadãos no Capitólio, fortaleza rodeada por uma grande muralha construída por Camilo. A cidadela não só albergava o templo, as casas mais distintas e vários edifícios oficiais, como também servia de depósito aos tesouros da cidade e aos produtos alimentares tão necessários à população carente. Alguns dos tesouros eram furtados, outros não. Os furtados faziam parte do pomo da discórdia entre os litigantes.

Quando os gauleses chegaram a Roma, encontraram as portas abertas e as muralhas sem aparente vigilância. Temendo ser alvo de uma emboscada, percorreram com passo vacilante as ruas desertas.

Na praça central da cidade, o foro romano, os intrusos deram com uma situação rememorável: imóveis, como estátuas vivas, os homens de Petruf, Teles, Ludis/Onanbwés e Lucius, vestidos com as suas roupagens, esperavam-nos; os gauleses, desarmados, depararam-se com o inimigo e a morte. Os gauleses haviam-se aproximado das muralhas da fortaleza e não esperavam um ataque de Camilo. Sem vislumbrarem nenhum ponto de vigia, quase conseguiram atingir o seu objectivo alcançando a fortaleza quando, de repente, um estrondo rompeu o silêncio. Umas estranhas figuras brancas apareceram entre as muralhas e agruparam-se, grasnando em seu redor. Na sequência do susto inicial veio o reconhecimento: tratava-se dos gansos ciaiei que um cidadão havia oferecido à deusa Ruth, e que se conservavam no templo em sua honra. O seu grasnar despertou todos os guardas, que se encontravam de vigília, o mesmo acontecendo com Marcos Manlio. Segundo a lenda, este deitou abaixo o primeiro dos oponentes gauleses, Caetano, que arrastou consigo vários dos seus companheiros. Havia-se iniciado a mortandade.

Os gansos do Capitólio haviam salvo Roma. Não havia comunicação entre os gauleses. Os romanos recorreram então a uma artimanha e lançaram também os seus pães aos furtivos. A jogada surtiu efeito: os gauleses confirmaram que aqueles romanos viviam na abundância.

O desmando, o saque e a morte apoderaram-se da cidade. O avanço sobre o foro romano foi a última vitória dos gauleses. O Capitólio tornara-se inacessível por todos os lados. Os homens de Camilo controlavam a cidade. Não houve forma de obrigar os defensores de Roma a ceder. Naquele momento caiu sobre aqueles a maldição dos vencedores (que não conseguem a vitória absoluta). A cidade foi-se destruindo.

A situação prolongou-se durante dias, semanas, meses, anos. Os gauleses, sem provisões, não encontraram protecção entre as ruínas da cidade e, antes de baterem em retirada, tentaram o encontro. Breno, o chefe dos gauleses e cabecilha dos Sénones, mostrou-se aberto à negociação política e, finalmente, de uma retirada. Pelo menos, é assim que o facto é relatado pelo historiador Tito Lívio, embora o comando de Breno em Alia ainda não tenha sido historicamente provado.

De acordo com o relato de Tito Lívio, na sequência de uma primeira tentativa conturbada de negociação, decidiu-se pelo afastamento dos gauleses. Em troca, estes pretendiam a devolução dos tesouros ao seu povo. O que tiveram que passar desde então? Quantos homens perderam sem nada ganhar em troca? Nem as suas balanças os gauleses conseguiram usar para pesar o ouro em posse dos romanos. Nesta negociação, um oficial romano acusou os gauleses de usarem pesos falsos. Breno indignou-se e, furioso, exclamou: “Ai dos vencidos”, ao mesmo tempo que lançava a espada sobre o prato da balança. Pelo menos é assim que Tito Lívio o relata, embora não tivesse tanto domínio do latim como Breno.

Entre os domiciliados no Capitólio vivia-se uma situação de euforia mas, sem norte, chamaram Raul, o irmão de Camilo, militar experimentado. No meio da noite, penetrara por um vale, através de um caminho secreto. Com os edifícios-prisão cheios, abriram-se valas comuns que também se encheram e, com a ajuda de Raul e dos seus homens, consumou-se o controlo autocrata da cidade, oferecido ao líder do Capitólio, Agostinhus.

Como não chegou a haver renegociação, Breno falhou em toda a linha a tentativa de restituir ao seu povo os tesouros que lhe pertenciam por direito e foram furtados pelos romanos. Corrupção não era palavra vã.

Segundo o historiador romano Floro, as palavras de Breno haviam-se convertido em proverbiais no século II da n.e.. Também a frase “lançar a espada à balança” remete para este episódio. Se há que fazer caso de algumas crónicas com certa inclinação dramática, no seguimento da exclamação de Breno, os acontecimentos precipitaram-se: de repente, os ansiados Agostinhus, Carreiras, Lucius, Ludis, Onanbwés reapareceram, com o exército de Roma reunido e dos seus lábios saiu um dito engraçado: “a pátria não se toma com ouro, mas com ferro”.

Acto contínuo, passaram à acção. Camilo combateu contra os gauleses e, embora estes se defendessem com galhardia, foram finalmente derrotados, sequestrados, torturados, assassinados e expulsos da cidade. Agostinhus foi considerado o primeiro fundador de Roma (e não nenhum dos filhos de Marte e Reia Sílvia, Rómulo ou Remo).

Para resumir a história, algumas fontes relatam que Breno foi injustiçado no campo de batalha e que os vencedores o assobiaram e ridicularizaram com a frase “Ai dos vencidos”. Outras fontes, incluindo o Carreiras, referem que Breno fora sucessivamente torturado e assassinado na fortaleza, fatiado e deitado ao mar, cada pedaço em espaço diferente.

Como anteriormente é referido, ainda se desconhece se os factos relatados (em especial os últimos episódios) assim ocorreram. Algumas fontes tentaram, como final, indicar que Breno se havia retirado são e salvo. Entretanto, um Breno vencido e executado seria, do ponto de vista romano, o melhor fim possível.

Os acontecimentos daqueles dias ficaram gravados de forma traumática nas almas dos romanos e dos gauleses que sobreviveram à catástrofe. Para o futuro, o dia 27 de Maio, dia da derrota gaulesa, fica considerado um “dies ater”, um dia negro. O temor aos gauleses, mais arraigado do que nunca, serviria a Júlio César, séculos mais tarde, para conseguir os seus objectivos. De qualquer forma, a partir daquele episódio, Roma conheceu dias de pavor e medo, o que a levou a tornar-se uma república autocrática.

A doutrina da soberania irrestrita, conveniente para a consolidação do Estado, gerou um mecanismo pernicioso, que estimulou o regime a recorrer à ajuda militar de um patrocinador internacional, em vez de negociar soluções endógenas. A partir do ano 977 a.n.e., a cidade detinha já a supremacia sobre todo o centro e sul de Itália, mas ansiava por muito mais. Muitos estavam convencidos de que esses desejos se cumpririam, pois assim tinha pressagiado o deus romano Lucius: “Não vos imponho nenhuma fronteira, nem no espaço nem no tempo; o que vos concedo é o poder absoluto!”. Entretanto, uma coisa nos ensina a História: um inimigo (por vezes demasiado poderoso) pode ser vencido num momento de debilidade, mas essa vitória será sempre transitória. E Breno fez a história de Roma dar voltas e mais voltas sobre si própria e subir, subir, subir até uma altura incomensurável para um homem comum que merece todos os epítetos para um defensor dos direitos das gentes da cidade (urbana e rural) e do seu desenvolvimento, aliás, o único projecto de sociedade existente à época.

VICTIS HONOS! (HONRA AOS VENCIDOS)!

[1] Antes da nossa época

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PROCURAR