A TRANSIÇÃO ENERGÉTICA NECESSÁRIA: DOS DISCURSOS ÀS PRÁTICAS!

Infelizmente para nós, não temos nem um Judiciário independente, nem produção de dados estatísticos séria e em série, seja pelo INE, seja pelas instituições de pesquisa, menos ainda pelos poderes executivo e judiciário, nem podemos considerar isentas, independentes, eventuais auditorias que sejam apresentadas.

CESALTINA ABREU

Existe um paralelismo entre os discursos oficiais dos governos angolano e brasileiro, vinculando o rendimento da exploração do petróleo com a melhoria das condições de vida da população, e a necessidade de alargar as áreas de exploração, nem que para isso seja preciso rever a legislação sobre áreas protegidas.

Na Newsletter do Instituto ClimaInfo1, de 25 de Abril de 2025, encontrei a seguinte notícia: “Apenas 0,2% da renda do petróleo é destinada ao clima no Brasil”. Discurso que vincula investimento fóssil à aceleração da descarbonização não tem lastro na realidade.

A justificativa do governo Lula e do Congresso para a exploração de petróleo na foz do Amazonas — de que os recursos fósseis financiariam a transição energética — não se sustenta na prática. Dados do Instituto de Estudos Socioeconómicos (INESC) acessados pela Folha revelam que dos R$ 108 bilhões arrecadados com petróleo em 2024, nem um centavo foi direcionado para o investimento em energias renováveis. Menos de R$ 1,6 bilhão foram repassados a estados e municípios, especialmente o Rio de Janeiro, e sem mecanismos transparentes de fiscalização. Enquanto isso, R$ 8,7 bi estão parados em disputas judiciais e outros R$ 30 bi viraram dividendos para a Petrobras. Embora o governo defenda que os royalties do petróleo construirão uma “sociedade mais justa” e serão essenciais para a transição energética, o direcionamento dos investimentos não segue a mesma direção.

Exactamente no mesmo dia, 25 de Abril, o Jornal O País, publicou a seguinte matéria, através da qual o ministro angolano, Diamantino de Azevedo, insiste neste argumento: “Ministro defende exploração e transformação dos recursos em benefício do povo”, 25-04-2025 | Fonte: O País. “O ministro dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás, Diamantino Azevedo, defendeu, esta quarta-feira, no Huambo, a necessidade de Angola ser um país que explora e transforma os seus recursos em riqueza para o benefício do povo. O governante, que intervinha na abertura do Fórum sobre Investimento no sector dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás, disse que, 50 anos depois da Independência Nacional, a assinalar-se a 11 de Novembro próximo, Angola já não pode ser apenas um país potencialmente rico em recursos minerais” (…).

Em mais uma semelhança entre o que está a acontecer no Brasil e aqui em Angola, o Newsletter avança: “A contradição é ainda mais gritante na foz do Amazonas, onde a Petrobras, com aval de Lula e ministros como Alexandre Silveira (Minas e Energia), insiste em perfurar alegando “expertise” para evitar danos ambientais – mesmo com os constantes demonstrativos de que não é possível garantir operações seguras e de que essa exploração não é necessária para o desenvolvimento económico e social do país.

Aqui em Angola, dois dias antes (23 de Abril de 2025) a agência de notícias DW publicava a seguinte matéria: “Exploração de petróleo no Okavango avança em Angola”2. A Bacia do Okavango, no sul de Angola, uma região rica em biodiversidade antes protegida e agora no centro de novos investimentos em exploração petrolífera A Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPG) de Angola assinou um memorando de entendimento com a canadiana ReconAfrica para exploração de hidrocarbonetos numa área de 5,2 milhões de acres da bacia Etosha-Okavango.

Em 20 de Janeiro de 2020, o mesmo ministro, já havia confirmado haver “indícios da existência de petróleo e recursos” em áreas protegidas e parques naturais, defendendo que Angola deve procurar mais petróleo para a produção não baixar (…). Questionado pela Lusa sobre estar a ser preparada legislação para permitir a exploração petrolífera nestes locais, respondeu: “Foi necessário rever a legislação sobre as áreas protegidas, mas isso não significa o fim da biodiversidade” (…)3. (Lei 12, aprovada em 7/05/21).

De volta ao Brasil, foi noticiado pelo InfoMoney, citado pelo Newsletter em referência, que “O Tribunal de Contas da União (TCU) identificou graves deficiências no sistema de cálculo e distribuição de royalties e participações especiais pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) (…) O TCU também alertou para as dificuldades da ANP em cumprir decisões judiciais que alteram os critérios de distribuição, incluindo situações complexas como ajustes em municípios protegidos por liminares (…).

Infelizmente para nós, não temos nem um Judiciário independente nem produção de dados estatísticos séria e em série, seja pelo INE seja pelas instituições de pesquisa, menos ainda pelos poderes executivo e judiciário, nem podemos considerar isentas, independentes, eventuais auditorias que sejam apresentadas.

Anos atrás, o CEIC demonstrou que o aumento do crescimento económico registado na designada ‘mini era de ouro da economia angolana’, de 2002-2004, e 2004 a 2008, não se traduziu em desenvolvimento humano; não houve melhoria das condições de vida nem a criação de oportunidades para os angolanos, exceptuando obviamente as elites predadoras e suas clientelas. A taxa de crescimento do PIB foi de 9,93% em média, entre 2002 e 2015, atingindo seu pico em 2007: 23,20%4. Contudo, nesse mesmo período, o IDH variou, apenas, de 0,384 para 0,526, mantendo Angola na 149ª posição.

Só aumentou o capital económico, não houve investimento em capital humano e em capital social, e mais de 20 anos depois, pergunta-se para onde foram esses rendimentos? O tão ansiado Dividendo da Paz5 não foi concretizado.

1 climainfo.org.br

2 https://www.dw.com/pt-002/explora%C3%A7%C3%A3o-de-petr%C3%B3leo-no-okavango-avan%C3%A7a-em-angola/a-72318939

3 https://visao.pt/atualidade/mundo/2021-01-20-governo-angolano-defende-exploracao-de-petroleo-em-areas-protegidas-com-cuidados-ambientais/

4 http://www.ceic-ucan.org/?page_id=91

5 Dividendo da Paz é o laço entre a redução da insegurança individual e colectiva e o desenvolvimento a longo prazo -, num esforço colectivo alimentado pela realocação dos recursos outrora destinados ao “esforço de guerra”, com vista a transmitir confiança, compromisso e credibilidade, para melhorar quantitativa e qualitativamente os padrões de vida, com base no desenvolvimento do capital humano e social de Angola (Manuel Ennes Ferreira, 2005).

28 Abril 2025

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