A PROPÓSITO DO DIA INTERNACIONAL DAS LÍNGUAS MATERNAS

Em contextos multiculturais, podem desempenhar um papel fundamental na operacionalização das relações interculturais para promover o reconhecimento e a valorização da diversidade como uma oportunidade e fonte de aprendizagem para todos.

POR CESALTINA ABREU

Uma língua pode ser definida como um sistema de comunicação verbal que se desenvolve espontaneamente no interior de uma comunidade. Língua Materna é a língua que o ser humano aprende na primeira infância e usa até à entrada na escola (dos poucos que conseguem ter acesso…).

Não posso deixar de lembrar que a África é a única região do mundo onde todos os modelos a que as crianças são/estão expostas (anjos e santos, empresários e realizadores, estrelas de cinema, etc.) não são dos seus contextos(1). As crianças africanas são as únicas no mundo cuja socialização começa com a aculturação, aprendendo sobre outros mundos e outras culturas numa língua estrangeira(2).

Num mundo que se afirma – embora não sendo – “da liberdade de expressão”, nem todas têm direito ao acesso à informação, à expressão de ideias e sentimentos, à participação na vida social e política da sua comunidade nos seus próprios termos, pelo simples facto de que no que se refere aos “direitos linguísticos” também há desigualdades e exclusões, ou seja, estes direitos não se aplicam a todas as línguas, excluindo particularmente as Línguas Maternas.

Em contextos multiculturais, as Línguas Maternas podem desempenhar um papel fundamental na operacionalização das relações interculturais para promover o reconhecimento e a valorização da diversidade como uma oportunidade e fonte de aprendizagem para todos, desenvolvendo as capacidades de comunicar e incentivar as interacções sociais, criadoras de intersubjectividades colectivas e do sentido de pertença comum à humanidade.

Mas nem todas as línguas têm acesso aos campos de conhecimento, de informação e de divulgação/disseminação necessários para as tornar meios de comunicação, e muitos cidadãos são relegados a uma “cidadania de 2.ª” ou totalmente excluídos da cidadania porque não têm domínio da língua oficial adoptada pelo seu país. Porque são Mulheres, porque são pobres, porque são não-urbanos, porque integram a grande maioria da população pobre, em Angola e por todo o mundo.

As Línguas Maternas são promotoras de inclusão, de reconhecimento, de cidadania, de auto-estima! Por estas razões, em sociedades multiculturais, a adopção do polilinguismo deveria ser considerada como uma necessidade de Estado, para permitir construir as fundações da sociedade que reconheçam e vivifiquem as “histórias” e as “culturas” partilhadas, contribuindo para a negociação de um passado em que todos nos reconheçamos, condição necessária para projectar o futuro comum que almejamos.

A UNESCO vem alertando para a necessidade de se preservarem as Línguas Maternas, consideradas património cultural imaterial, como condição de possibilidade para a construção de sociedades não apenas inclusivas, plurais, solidárias, mas também sustentáveis, relacionando o reconhecimento e o uso efectivo das Línguas Maternas como um meio para a partilha de conhecimentos e de experiências ancestrais sobre relações mais equilibradas entre sociedade/humanidade e ambiente, podendo funcionar como elemento orientador da mudança do actual Estado Democrático de Direito (que não temos) para um Estado Socioambiental e Multicultural Democrático e de Direito.

A cidadania para o século XXI, mais do que praxis, activa e colectivizadora, deve contribuir para concretizar processos inclusivos de transformação da sociedade e do mundo, actuando ao nível dos processos de formação – os meios através dos quais -, e da escola – o local onde – , para nos preparamos para viver de maneira diferente num mundo diferente, orientado e vivido para um futuro, ainda que incerto, mas que não poderá ser a projecção “deste” passado, dada a inviabilidade da continuidade do projecto da modernidade racional, liberal, individualista, produtora de desigualdade, de exclusão, de insustentabilidade!

(1) Obanya, Pai, (2011) FOREWORD. Nsamenang, A. B. & Tchombe, T. M.S. (orgs) (2011). Handbook of African Educational Theories and Practices: a generative teacher education curriculum. Human Development Resource Centre (HDRC), Cameroon. ISBN: 978-9956-444-64-2

(2) Idem

21.02.2024

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