ENTRE A TENTAÇÃO TOTALITÁRIA E A GESTA DEMOCRÁTICA

RADIOGRAFIA DO ECONOMIA 100 MAKAS COM ADALBERTO DA COSTA JÚNIOR

O país atravessa um momento crucial onde o velho esqueleto da herança de décadas de regime autoritário reage com espasmos ao clamor de mudanças democráticas, em meio ao crescendo de fome, miséria, desigualdades, corrupção quase institucionalizada captura do Estado.

POR MÁRIO PAIVA

A semana de 7 a 13 de Julho foi, indelevelmente, marcada pelos pronunciamentos do líder da UNITA, principal partido da oposição, Adalberto Costa Júnior na III Edição de Conversas do «Economia 100 Makas» organizadas pelo jornalista e economista Carlos Rosado, onde foram apresentadas e um pouco debatidas, as propostas de governação depois de um diagnóstico cáustico sobre o país económico e político, diante de uma vasta audiência de políticos, homens de negócios, gestores, académicos, jornalistas e membros da sociedade civil.

O exercício foi útil por permitir a clarificação política do principal partido da oposição sobre os principais temas da agenda actual: o pacote legislativo eleitoral, a oportunidade da revisão constitucional, a pertinência das reformas económicas e uma arquitectura institucional que possa consagrar, de facto, um regime democrático.

E justamente sobre estes e outros temas correlatos que todos os actores devem debater no espaço público, resistindo as provocações de diversão com fait-divers periféricos, que, infelizmente, continuam a dominar a média pública ainda capturada pelo sistema de partido-estado.

O traço peculiar do actual contexto reside no facto de num momento de descrédito generalizado do partido da situação, MPLA, a sua liderança se mostra avessa não apenas as mudanças em prol da democracia, como também no seio do partido governante, onde se perfilam já vários candidatos a presidência. O núcleo dirigente actual do partido da situação, remeteu-se ele próprio a uma situação inusitada de confrontação política, na frente externa contra as oposições e a sociedade civil, e na frente interna, contra aqueles militantes que propõem uma nova liderança e mudanças no seio do MPLA. Adiante se verá como esta fuga em frente pode ser politicamente letal para o partido dos camaradas no futuro próximo, ao contrário do coro de bajulações dos indefetíveis de João Lourenço.

Angola não tem futuro promissor, ao persistir o dogma do partido único travestido numa «democracia» onde de repente os partidos sem programa, sem valores nem alma surgem com cogumelos, com uma arquitetura eleitoral que consagra a fraude e não permite o escrutínio, corrupção quase institucionalizada, miséria e desigualdades, o poder concentrado num núcleo cada vez mais restrito inquinado no sistema.

A «novidade», se quisermos, desta semana política reside no facto do líder da oposição ter clarificado ao que vem: uma mudança de sistema em favor da democracia com redução dos poderes presidenciais, eleições livres, transparentes e justas, maior equilíbrio de poderes, um judicial independente, eleições autárquicas para breve, uma governação inclusiva baseada no mérito e competência, uma economia de padrão liberal, mas ainda com peso social importante do Estado, mas a predominância do sector privado. Posição de destaque mereceu ainda a alteração da lei de terras dando a titularidade aos donos individuais verdadeiros.

Apesar de manifestar indisponibilidade para uma revisão constitucional de momento, o líder da UNITA, ACJ, mostrou-se favorável a uma alternância de poder que não signifique nenhuma caça as bruxas, nem um clima persecutório de adversários políticos, em prol de um governo inclusivo. Manifestou-se ainda a favor de um pacto de regime, não só do ponto de vista político – institucional, como também em áreas-chave como a educação e a saúde, por exemplo.

Outra clarificação política foi no sentido que sustenta o facto de uma oposição firme ao regime autoritário em prol de mudanças democráticas, tanto no seio das instituições como fora delas, por via de manifestações civis, não deveria remeter automaticamente a uma via de abandono das instituições. O episódio algo rocambolesco ocorrido há alguns anos, contado por Adalberto da Costa Júnior, onde de manhã vários partidos da oposição advogavam a não participação em eleições nem em instituições dai derivadas e a tarde, literalmente, estiveram ausentes para a tomada de uma posição conjunta, revela muito sobre a substância das nossas oposições, muito permeáveis as seduções financeiras e de acomodação do campo do poder estabelecido.

Sendo a disputa político-partidária fundamental para o devir democrático num quadro eleitoral, ela continua a ser insuficiente para concretizar as mudanças democráticas. Ela deve incluir, em absoluto, a participação da sociedade civil, muito além do espectro partidário, nos dias que correm envenenado pela proliferação artificial de partidos boca-de-aluguer do status quo. Nesse sentido, creio ser também justo anotar que, aqueles que advogam por democracia interna no seio do próprio MPLA, são igualmente importantes para as mudanças democráticas.

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