Quantas pessoas foram assassinadas na sequência da tentativa de golpe atribuída aos supostos fraccionistas, cujos sobreviventes negam que houve esse propósito e contam uma versão diferente, imputando sim a responsabilidade da efectivação de um golpe a um grupo da direcção do MPLA que rodeava o então presidente Agostinho Neto, dirigido por Lucio Lara, Onambwe, Iko Carreira e outros?
POR MARCOS NANGONYA*
Embora se fale em cerca de 30 mil, decorridos 47 anos, os arquivos da DISA que podiam trazer alguma luz, continuam encerrados. E aqueles que são tidos como os assassinos, a maior parte deles ainda vivos e alguns até foram recentemente condecorados pelo Presidente da República, também se remete ao silêncio, como que aceitando essa culpabilização (ou diabolização).
E porque razão esses arquivos continuam trancados à sete chaves, tratando-se de uma questão de interesse do próprio Estado e fundamental para o exercício pleno da reconciliação e conhecimento da verdade? E porque razão ainda, completados 47 anos, esse mesmo Estado continua a ser forçado a silenciar este caso, considerado ao nível do mundo como um crime de genocídio, como se nada tivesse ocorrido? E porque razão, em nome desse Estado, um Presidente da República que deveria estar despido dessa responsabilidade de alinhamento com esse passado continua a protegê-lo e a patrocinar acções que dificultam a entrega dos restos mortais das vítimas?
As perguntas continuam a ser muitas e as mesmas, e o silêncio também. A justificação é apenas uma. O genocídio ontem, tal como a corrupção hoje, têm a chancela do MPLA. E a defesa da sua manutenção como poder, para quem comanda esse poder, vai para lá dos superiores interesses da Nação.
Como terá referido Monstro Imortal quando visitado por Agostinho Neto, momentos antes do seu assassinato, “a combina não foi essa”… E de facto não foi mesmo. Não foi uma Angola banhada pelo sangue, pela miséria que contrasta com o enriquecimento de alguns. Mas, tal como naquela altura, o que continua a vincar é a vontade deles em terem o poder e o seu dominio, e não o projecto de construção de uma Angola que tenha a identidade de todos os seus filhos.
E como é que tudo isso terminará? Como começou nesse 27 de Maio? Perguntas que valem milhões…
Este assunto é muito difícil. Difícil porque foi muita violência na morte de alguns dos que se entregaram à luta da independência de Angola, mesmo com as confusões dos pensamentos diferentes depois de despachar o colono.
O assunto é tão importante que determinou a tomada de posição violenta do primeiro presidente da República Popular de Angola e do MPLA, o Agostinho Neto. Penso que o golpe do estado foi dado pela DISA e pelos seus chefes (Lúcio Lara, Iko Carreira, e outros…), e que teve dois momentos: a primeira foi que sabiam que havia vontade de se fazer uma manifestação popular da pouca satisfação pela forma como o regime estava a conduzir o país. A DISA tomou a dianteira e deu ordens para que a manifestação avançasse (tinham incluído na estratégia deles deter os que o Lara considerava que eram os fraccionistas e outras medidas aguardavam para que Agostinho Neto fosse duro logo logo); a segunda, foi depois de verificarem que Agostinho Neto tinha ditado que os acusados de fraccionismo tinham que fazer uma grande autocrítica. Resolveram começar a matar, assassinando malvadamente os seu próprios camaradas, os comandantes assassinados no Sambizanga. Podemos dizer que foi a partir destes assassinatos, que Agostinho Neto ditou a sentença que levou à chacina que ocorreu em Angola depois da independência: “Não haverá perdão”, “Não vamos perder tempo com julgamentos”, disse o próprio.
Para mostrar que não foram os fraccionistas acusados que assassinaram os comandantes, começo por dizer:
- O Luís dos Passos que foi um dos sobreviventes e considerado um dos cabecilhas da “tentativa de golpe” diz: “se quiséssemos matar os comandantes, eu não deixava o Petrof ser levado para o hospital”. E disse muito bem porque para matar, tanto matavam com saúde ou com doença;
- Tenho que referir que os comandantes foram assassinados muito depois da manifestação desfeita. E os considerados fraccionistas já tinham saído de Luanda há muito tempo. Já não havia em Luanda ninguém para dar ordens fosse do que fosse. Nesse tempo não havia telemóveis.
- Se os assassinatos no Sambizanga tivessem sido praticados por um dos que eram chamados de fraccionistas, para quê que precisava de estar com capuz, como dizem as testemunhas?
- O que é que justificava o assassinato dos pioneiros que se estavam próximo da casa? Foi porque viram tudo e o(s) assassino(s) não queriam deixar rastos que pudessem levar à sua identificação posterior.
Mas há sempre uma senhora, de nome Maria, falecida muito à pouco tempo, disse sempre que não foram os fraccionistas que mataram os comandantes. Talvez por saber quem foi prenderam-na e depois mataram dois filhos dos seus filhos. Essa senhora falou no decorrer de uma assembleia pública onde, bem zangada, tido tudo o que sabiam e para todos ouvirem.
Tive oportunidade de conviver com o comandante Neru e ele disse-nos que estava na 9ª Brigada quando o Onambwe chegou lá. Ele viu partir um carro levando os comandantes e pediu a Onambwe para ir atrás do carro e libertá-los. O Onambwe não fez nada, nem deu ordens a ninguém para seguir o carro. E eles depois apareceram mortos no Sambizanga.
Afinal quem deu a ordem para assassinar os comandantes? E ainda se tornou mais grave, porque o comandante Neru logo depois também foi preso e assassinado no dia 23 de Março de 1978, quase um ano depois. Eles mataram o Neru para ele não dizer nada.
Existe muita gente que diz que o Hélder Neto se suicidou. O doutor Justino explicou tudo isso tudo na mesma assembleia. Segundo a própria viúva, não era a primeira vez que tentava o suicidio por causa das suas ‘malambas’ (problemas).
Li um artigo do Artur que escreveu que um general de agora, lhe disse que o comandante Nzaji – Eugénio Veríssimo da Costa – estava com o Pitoco (da DISA) num carro vermelho. O que estão a querer esconder? Como podia estar preso e ao mesmo tempo a passear num carro vermelho com o Pitoco? Ora:
O comandante Nzaji foi levado da casa dele pelo Pitoco, detido. Várias pessoas já disseram isso. Lembro-me que o comandante Nzaji teve oportunidade de falar com pessoas da 9ª Brigada, que sobreviveram às matanças. Ele disse que se tinha despedido da família para sempre, porque sabia que não ia regressar vivo. Isto significa que a viúva dele sabe destas informações, porque nos dias que se seguiram esteve fechada, primeiro na habitação do embaixador cubano e depois numa esquadra da polícia. Qual foi a necessidade de se pôr a família do comandante Nzaji longe de toda a gente? Para quê? Os da DISA têm a resposta.
Para que conste, a viúva do comandante Nzaji é esposa do comandante Kito (Alexandre Rodrigues) e se esconde nele. Acho que chegou a hora dela confessar publicamente o que se passou com um homem sério que era o seu marido.
Na campanha eleitoral para as primeiras eleições, o Pitoco falou com vários membros responsáveis do PRD e pediu dinheiro para “contar a verdadeira história do 27 de Maio de 1977”. Não acreditaram nele, pensaram que não adiantava (esses dirigentes do PRD também têm que contar bem esta história).
O Kito foi acusado depois da dipanda de ser um agente de serviços estrangeiros, muito estranhos a Angola. Mesmo assim foi nomeado ministro, depois embaixador e não sei quê mais…
O Garcia Neto foi morto porquê? Foi por estar no local errado àquela hora? Este nacionalista merecia um fim melhor. Foi apenas para ser mais um? Era representante de Angola em Cuba e nada teve a ver com nada. Ou sabia coisas que não queriam que ele dissesse? Era um homem bom.
Porquê que o Lutuima (Saydi Mingas) foi assassinado? Para o caso dele houve um objectivo especial na escolha: tinha sido um dos membros do Comité Central que teve alguns embates com Nito Alves. Ficou muito fácil depois do assassinato acusar o Nito Alves. Dava para acreditar, porque era um dos seus adversários. Para além disso ainda há a história do Lopo do Nascimento, que conta bem o que lhe podia ter acontecido se seguisse a rota que o Iko ou o Onambwe lhe indicaram. Foi a mesma que indicaram ao Saydi Mingas.
Só para acrescentar, Saydi Mingas era cinturão preto de karatê. Diziam alguns familiares dele, que se não fosse gente conhecida e próxima que o prendeu, ele tinha resistido. Pena é que a sua irmã – que não me lembro do nome – já não estar viva. Por outro lado, não acredito que o irmão dele, José Mingas, e o primo de ambos, o José Vandunem, pudessem querer matá-lo. Nas cadeias falamos com muita gente e obtivemos informação contrária.
Porquê o comandante China – Eurico Gonçalves? Porque era amigo do Nito Alves? Estava no bairro do Cruzeiro, na mesma casa que outros comandantes. Sinceramente, não entendo!
Outro amigo e boa gente foi o comandante Bula – José Manuel Paiva. Porque razão o mataram? Ou foi mais uma vítima do Iko Carreira para não contar o que sabia? Bula era a última testemunha viva do assassinato do Matias Miguéis e do Zé Miguel. Foi a oportunidade que o Iko aproveitou para se desfazer de uma testemunha? Qualquer desculpa que o Iko podia querer utilizar para tentar esconder as suas intenções ou tentativa de pôr o Bula contra o Nito, não é para acreditar.
O comandante Dangereux – Paulo Silva Mungungu, foi mais um ‘desgraçado’ que caiu nas mãos dos assassinos. A justificação de dizerem que os quiocos mataram gente de Luanda para vingar um quioco, é mais uma mentira.
Armando Dembo, era o comissário provincial do Moxico em 1977. Um homem do Norte que ainda por cima também esteve preso por alguns dias. O chefe provincial da DISA, um indivíduo cujo nome de guerra era “3 Homens”, também era do norte. Além disso, o comandante Dangereux era um luchaze o que não justifica qualquer vingança da parte dos quiocos.
Posso concluir que, foi mais uma mentira utilizada pelos verdadeiros assassinos para justificar as suas atitudes. Senão, os assassinatos no Moxico tinham ocorrido entre gente da mesma zona, não tendo como mote o tribalismo, como foi transmitido.
No meio destas mortes, houve um sobrevivente o comandante Gato – Ciel da Conceição. Teve uma história para contar. Li uma entrevista dada por ele a um jornal, mas já não tenho lembranças importantes. Lembro-me apenas de ter referido que “quem disparou contra os comandantes foi um mulato com um capuz na cabeça”. Mas lembro-me também dele, com aspecto de embriagado, a dizer que se falasse o país parava, que foi a DISA que organizou tudo, e indicava o nome do Iko. Também disse que deu uma entrevista a uma senhora chamada Conceição, a contar tudo o que se passou. Essa senhora tem a obrigação de publicar oficialmente o que ele disse sobre o acontecimento, sobre os assassinatos e como é que ele se safou. Seria igualmente bom, que os familiares contassem o que ele terá relatado.
Para ajudar na confusão criada pelos senhores que acham que são donos de Angola, arranjaram uma forma de dizer que “foi um mulato que matou os comandantes”. Deram-lhe o nome de “Toni Laton” porque é fácil de decorar e repetir. Se o tal Toni Laton existiu mesmo, que digam onde está e apresentem publicamente o senhor. Puseram pessoas a repetir este nome, incluindo ligadas ao 27 de Maio, para que acreditassemos. O tal Toni Laton não existe. Foi, provavelmente, um ‘laton’ que matou os comandantes, sim, um homem pertencente aos que na verdade deram o golpe de estado, a mando de Lucio Lara, de Iko Carreira e de outros.
*Sobrevivente do 27 de Maio
Meus agradecimentos à colaboração do amigo Kakiasu
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