NA ROTA DO CAXINDE (4)

JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

No cumprimento do prometido no domingo passado, segue a parte final da intervenção de Mesquita Lemos, veterano jornalista angolano, no Clube Marítimo da Ilha de Luanda em 3 de Setembro de 1993:

“…As Emissões da CR6AA, definiam-se principalmente no período das 12,30 às 14 horas. E nós no Rádio Clube do Sul de Angola, tínhamos um horário mais ou menos idêntico, com início às 11,30 até às 12,30. Claro que havia sempre uma sobreposição de nossa parte e íamos um tempito além, por vezes propositadamente só para os amargos comentários de Álvaro de Carvalho Álvaro de Carvalho ao iniciar os seus trabalhos. Depois desculpava-se tudo e continuávamos bons amigos, bons vizinhos, até à próxima Emissão.

A Emissão da CR6AA começava com a voz de Álvaro de Carvalho, a fazer Locução ou a chamar em altos gritos sua mulher e um papagaio falador que se encontrava na varanda, imitava tudo isto e dava uma característica colorida ao trabalho que um descuido de um microfone aberto permitia que chegasse ao exterior. Mas tudo isto não invalidava nem destruía o trabalho do “pioneiro da Rádio”. Eram as circunstâncias amadorísticas que isso possibilitam.

Eu sempre conheci a Dona Gabriela, sua mulher, uma senhora pequenina, bastante idosa, mais do que ele a sua grande companheira de vida até ao fim. Formavam um casal típico da cidade do Lobito. Tinham o seu lugar na Sociedade local de então. E foram tantos os nomes que depois fizeram Rádio!

Em determinado tempo – 1959 precisamente eu vim para Luanda, para o Rádio Clube de Angola, onde estive até que as vozes dos Rádios Clubes se calaram. Então, no ano da nossa independência, em Agosto 22, entrei para a Emissora Oficial, hoje Rádio Nacional de Angola e lá estou com a função de Director da Rádio Escola. Comecei a falar na Rádio no dia em que no REIGCHSTAG, Berlim, era hasteada a bandeira dos Exércitos Russos. Terminava o 2.º grande conflito mundial…

A Rádio de então estava nos primórdios, era cem por cento “amadora” mas abarcava todas as áreas possíveis, como a reportagem as transmissões directas ou quase… e os relatos desportivos, mormente de futebol. Tanto Álvaro de Carvalho como nós Rádio Clube do Sul de Angola competíamos e às vezes associávamo-nos para um trabalho mais valioso, como um Concerto de Círculo de Cultural Musical, que juntava a alta sociedade das duas cidades e da Catumbela. Rádio Clube do Sul de Angola, Rádio Clube de Benguela e CR6AA, propúnhamo-nos para este trabalho mas nunca o conseguimos, principalmente pela longa distância a que ficavam as nossas estações da sala do Concerto. E a transmissão em directo foi fiasco total para todos nós. E nem a inventiva de Álvaro de Carvalho salvou a situação.

Já o sabíamos e todos nós nos prevenimos com os gravadores para o registo. E sabem como eram esses gravadores? Algo parecido com uma maleta de grafonola e bobinas de fio de aço que nos pregavam partidas incríveis. Eram muito sensíveis às alterações de ciclagem de energia e de cada descida, o fio enrolava-se nas bobinas e ficava tudo cheio de nós, impossível de desfazer. Todos possuíamos esses gravadores, algo sofisticados para a época e de que hoje ninguém faz ideia como era. Quanto aos relatos de futebol, era trabalho de muita importância para todos nós, já tínhamos campo do Lusitano e em Benguela, por hábito no campo do Portugal. O curioso a contar era que o Relato gravava-se e depois seria transmitido em diferido. Finda a primeira parte, as bobinas eram transportadas de automóvel para o Lobito, o sistema era de riscos e algumas vezes aconteceram. Era uma corrida em desafio ao tempo para chegar ao nosso Rádio Clube com o mínimo de atraso, de forma a conjugar com a segunda parte que decorria em Benguela e que chegava também como se programara o sistema que algumas vezes falhou redondamente e havia que improvisar desculpas e quantas vezes fazer cair a Emissão por problemas técnicos que os havia aos montes.

Lobito nos anos 60/70

Quando os jogos de futebol tinham lugar no Lobito, tudo mudava de figura e o sistema funcionava bem. As ruas da cidade do Lobito estavam mais ou menos desimpedidas, nada comparável com os trinta e pouco quilómetros entre Benguela/Lobito. Isto contado hoje, à distância dos anos, parece não ter importância de maior e pode até ser minimizada. Mas tudo era a “Rádio” que era possível fazer.

No Rádio Clube do Sul de Angola, tínhamos razoáveis cabinas de Locução e também Operação, que éramos nós Locutores que operávamos em grandes firmas de especialidade, antes eram produto do saber e da eficiência dos nossos técnicos, alguns de comprovada competência, pois fazer funcionar uma estrutura de Rádio com os meios postos ao seu dispor, conferia-lhes um estatuto de alta competência. A mesa de transcrição era um verdadeiro monumento de arte que funcionava em todas as áreas que eram de si exigidas. Os braços de transcrição não faziam diferença daqueles que equipavam as grafonolas com cabeças providas de agulhas para os discos de então, todos de 78 rotações, pesadíssimos que poderiam servir de arma de defesa, mas que eram susceptíveis aos riscos e quebradiços como vidro. Imaginem como seria uma peça de concerto de três e quatro andamentos? Face a face com o máximo dos cuidados para que não fossem trocados e nós no Rádio Clube tínhamos a nossa hora de Concerto, todas as noites. Depois chegaram os microssulcos, primeiro os de 33 rotações médios e grandes e foi uma festa. Depois ainda os de 45 rotações e completou-se a facilidade e qualidade das Emissões, entretanto substituídos os pesados braços de transcrição. Devo dizer que o Rádio Clube do Sul de Angola era aquele que possuía a melhor discoteca da zona, sendo o primeiro a possuir os discos com efeitos sonoros para os trabalhos de montagem de programas.

E a vida passou a exigir de todos nós, mais muito mais e então vieram as compras dos emissores mais potentes e de melhor qualidade com uma modulação de intensa atracção que valorizou tudo quanto fazíamos e quanto possamos fazer. A participação dos homens de dinheiro, os homens do milho, das pescas, do sisal, do açúcar, respondiam positivamente aos apelos dos diversos Rádios Clubes e os seus nomes ficaram ligados ao avanço que a Rádio teve na Angola de então e que chegou até hoje. Apenas a CR6AA Um F. Simons de Álvaro de Carvalho, foi ficando para trás, por impossibilidade de entrar na competência. Em Luanda, as “Ondas Populares de  Angola” ou seja, Rádio Clube de Angola, disfrutava de uma situação de privilégio em todos os aspectos, mercê da dinâmica da sua Direcção, imutável durante anos com o Comandante Albuquerque e Castro à cabeça, secundado por um grupo de grandes dirigentes, nomes como Martins da Costa, Américo Verdades, Norberto Neves e Sousa etc. E na chefia da Produção, Santos e Sousa que foi alguém na Rádio Angolana e que faleceu no ano findo em Lisboa. Outros nomes a citar no Rádio Clube de Angola e noutros Rádios Clubes: Um Feluer Rollin, um Humberto Mergulhão, um Carlos Moutinho, uma Cremilda Figueiredo a primeira locutora angolana a fazer relatos de futebol e ainda Ruth Soares, Paulo Cardoso, Maria Natália Bispo, Luzia Fançony e tantos e tantas mais que se não esquecem e foram nomes que muito fizeram pela Rádio Angolana.

Não é brincadeira nenhuma falar de 62 anos da Rádio Angolana. Parabéns à LAC por ter feito hoje o seu primeiro aniversário. E que mais “LACS” venham para o “Éter” angolano. É preciso a sua presença vital entre nós.

Viva a Rádio Angolana que sirvo ininterruptamente desde o dia em que terminou a 2.ª Guerra Mundial.

Afinal… sou um Neófito!

Procurei falar da Rádio em Angola. Consegui? A resposta é vossa…”

P.S. – É gratificante constatar que esta iniciativa ganhou adeptos. Ajuda a recolher informação, a lembrar factos já esquecidos por muitos e da maior utilidade no presente. Para este caso particular, chegou-me um reparo à palestra do velho Mesquita Lemos, sem deixar de ter sido considerado um documento precioso. Segundo a emenda, não referiu A Voz de Luanda, instalada no último andar do prédio Suba, onde (sic…) pontificavam Paulo Cardoso e Pedro Moutinho os melhores entre os melhores. 

Fez saber que entre os seus quadros estava também o noticiarista Artur Queiroz. Tratou-se de um esquecimento propositado, supostamente porque A Voz de Luanda esmagou em audiências, o Rádio Clube do Santos e Sousa, relegando-o para quarto plano. Para que conste, fica esta interessante informação, que agradeço. Julgo que muitos leitores também ficarão gratos.

Despedindo-me dos meus leitores a partir da bela cidade da Praia, prometo voltar ao vosso contacto, no próximo domingo, à hora do matabicho.

Praia (Cabo-Verde), 22 de Outubro de 2023

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