DUAS INSPIRAÇÕES: UMA CONCEPTUAL E OUTRA ‘EXPERIMENTAL’

Para termos satisfeitas as nossas necessidades básicas de uma maneira sustentável e contínua, precisamos de paz para viver, para trabalhar, para criar, para progredir. Apesar da independência, nunca estivemos tão mal do ponto de vista da mais básica sobrevivência; vemos a esperança esvair-se nas tentativas diárias de manter a ‘integridade’

CESALTINA ABREU

Do que eu aprendi, o UBUNTU é, simultaneamente, uma Filosofia, uma Ética Social e um Modo de Vida, baseado no respeito pelo outro. É uma Cosmovisão de Mundo que articula o Divino, a Comunidade e Natureza, e assenta em valores civilizatórios, entre os quais: 

  • A ancestralidade (a consciência ecológica dos antepassados);
  • A circularidade (equidistância objectivada no Ondjango, na busca de consensos);
  • A oralidade (conhecimentos e experiências passados de geração em geração);
  • O comunitarismo e o cooperativismo (os lucros gerados para serem redistribuídos, partilhados, sem que ninguém seja explorado no processo de produção);
  • A memória (a importância do que fomos, de onde viemos, para o que somos hoje e o que pretendemos ser no futuro, individual e colectivamente);
  • A espiritualidade e a religiosidade (toda a existência é sagrada);
  • A Família alargada (incluindo na produção, a ideia de colectividade); 
  • Um Futuro que seja o resultado da construção colectiva de Novas Visões de Mundo, plurais mas não excludentes, da mobilização de todos os conhecimentos e experiências possíveis, desenhado por imensas mãos, para ilustrar o que desejamos para nós e os nossos, hoje, e para que as gerações futuras tenham o direito, amanhã, de escolher os seus próprios caminhos. 

Na minha opinião, este quadro de referências do UBUNTU deveria ser o nosso inspirador para reinventarmos a política, organizarmos a economia, e recriarmos a vida em sociedade. Uma política participativa orientada pela união e o bem-público. Uma economia solidária orientada pela cooperação. Uma sociedade inclusiva orientada pelo bem-comum e a solidariedade. Em suma, uma liderança colectiva em todos os domínios da vida. Pensar em desenvolvimento endógeno, sustentável, para mim, é pensar UBUNTU

Na África, em geral, e Angola não é excepção, é muito pouco valorizado. Na verdade, é ostensivamente ignorado pelos ‘chefes’, provavelmente devido aos complexos de inferioridade que a maioria deles demonstra ter, optando por formas de exercício do poder com base na imposição, pela força, da sua visão (míope) da vida em sociedade, e pela vontade de se perpecturem no poder. Devem considerar que a adopção de valores e princípios africanos os ‘menoriza’ em relação aos seus ‘chefes’ (porque eles também têm chefes!), os donos do mundo!

Provavelmente, mais inferiorizados se sentiriam com a evocação ao modus operandi de inúmeras sociedades do mundo animal, e aos inúmeros exemplos que demonstram a importância vital do trabalho em grupo, não só prioritário, mas também extensivo a todas as áreas da vida em grupo. Espécies como formigas, abelhas, pássaros, peixes, entre outras, só sobrevivem devido ao comportamento cooperativo, em que os objectivos do grupo se sobrepõem aos dos seus membros. 

Para termos satisfeitas as nossas necessidades básicas de uma maneira sustentável e contínua, precisamos de paz para viver, para trabalhar, para criar, para progredir. Se, como afirma Spinosa, “(…) a Paz é uma disposição para a benevolência, para a confiança e para a justiça (…)”, não parece credível que os regimes que ‘mandam’ na África tenham condições para promover um ambiente social gerador de confiança enquanto bem público, de respeito pela diferença, de justiça social, de afirmação na prática de cada dia dos valores democráticos e da primazia da vida. 

Perante essa constatação que, acredito, muitos compartilham, quando será que nós, sociedade, teremos a coragem de confrontar os poderes instituídos e mostrar-lhes – já que são cegos e surdos – que, apesar da independência, nunca estivemos tão mal do ponto de vista da mais básica sobrevivência; vemos a esperança esvair-se nas tentativas diárias de manter a ‘integridade’ na luta, apesar das dificuldades, das tentativas de cooptação, dos bloqueios de toda a ordem, das intimidações, da censura, e por sí? 

O ‘Estado da Nação’ foi mais um simulacro, em que, para além das imprecisões e mentiras, pareceu-nos algo elaborado e transmitido sem o mínimo de sentido de Estado e nem do que, de facto, deveria ser a comunicação entre quem governa e quem é governado! 

Os sinais de exaustão estão por todo o país, demonstrando estar a esgotar-se a capacidade de tolerar o descaso, o desrespeito, a falta de sentido de público e de responsabilidade social, para referir apenas alguns.

Precisamos assumir que a paz quem constrói somos nós, e nós temos um ideal, uma utopia, que nos sinaliza aquela luz, lá no fundo. Mas para que a busca por essa inspiração, por essa utopia, se vá transformando em etapas de um (longo e difícil) caminho, temos de dar não só o primeiro passo, mas também ‘acreditar no processo’ e não apenas no resultado que esperamos. 

Vamos olhar em volta e inspirar-nos em outras formas de organizar as nossas vidas, as nossas sociedades, de uma maneira mais aberta, mais consensual, mais inclusiva. Mais justa. E em paz!

Kandando daqui, tamo juntos! 

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PROCURAR