A Barbearia da Vila Alice

Postal do Kinaxixi

José Luís Mendonça

A barbearia está localizada, desde o tempo do colono, ali na rua principal da Vila Alice. A rua onde se compra o pão mais estaladiço de Luanda. Para comer com manteiga, logo ao sair da padaria.

Ainda tem aquelas cadeiras pesadas na base, com o pisa-pé onde se pode ler “PASSOS, Lisboa”. As cadeiras, duas, já têm, portanto, mais de 50 anos. O aro de levantamento do assento está bastante enferrujado. O cliente senta-se e a cadeira, perdida a estabilidade, gira dez graus para a esquerda. As outras duas são de marca invisível. O pisa-pé delas já teve um forro de espuma coberto de napa. A napa está rota. 

As gavetas dos armários em baixo dos espelhos já não têm pegas. Onde se passa a mão para abri-las está muito escuro e ensebado. Algumas já não fecham até ao limite. Estão emperradas.

A maior parte do tempo, a barbearia fica às moscas. Os quatro barbeiros ficam por ali, de camisolas rosas, a meter a conversa em dia. O corte à francesa custa mil kwanzas. 

A barbearia mais acima, moderna e perfumada cobra dois mil kwanzas. Mas tem mais clientes.

A barbearia das cadeiras gastas e enferrujadas faz lembrar a gestão do país, depois da guerra civil que exauriu a nossa melhor juventude durante 27 anos. O Governo pensou que, para o adversário saído das matas não absorver o eleitorado nas cidades, bastava manter o mesmo aparato bélico, aumentar o orçamento de guerra e manter a tropa em prontidão combativa. Nunca lhe passou pela cabeça que era vital, para se manter a governar, diminuir as despesas com a guerra agora aquartelada e aplicar mais verbas na educação da tal juventude sacrificada durante 27 anos de guerra civil. 

Biliões de dólares do petróleo convertidos em yuans de um empréstimo inusitado foram empregues em operações de charme eleitoralista, em vez de em projectos duradoiros destinados às famílias. Muitas dessas obras hiper-facturadas encheram contas off-shore de gestores bem posicionados. Aqui no país, ficou uma barbearia enferrujada, com as mesmas cadeiras e espelhos que o colono deixou.

A barbearia mais acima, com gente jovem e um discurso rejuvenescido, que apela à concórdia e cujo ambiente proporciona o bem-estar da clientela, leva até ao seu salão o grosso da juventude, para cortar o cabelo, fazer a barba e por a conversa em dia.

Esta barbearia mais acima faz lembrar a oposição. Hoje, esta barbearia oposicionista representa a vanguarda política, não mais belicista, da luta dos angolanos por uma vida mais livre e digna.

Só para dar um exemplo da gestão à moda da barbearia enferrujada, note-se que o governo provincial está a investir milhões de dólares no embelezamento da urbe e reasfaltagem das vias, mas descura as vias terciárias das periferias, todas esburacadas, lamacentas, mas onde circula a maioria da população dos candongueiros e kupapatas. Para não envergonhar os donos da barbearia – os barbeiros vestidos de camisola rosa são apenas empregados –, o governo proibiu os kupapatas de atravessarem a fronteira do asfalto. Recriou-se a linha divisória colonial entre o asfalto e o musseque. 

Não era preciso os donos da barbearia enferrujada fazerem o tipo de discursos musculados, quase a raiar a histeria do pugilato que fazem contra a barbearia da rua mais acima. Bastava tão somente modernizar a barbearia, investir mais no mobiliário, desfazendo-se das cadeiras com vestígios da colonialidade e dos armários ensebados, comprar espelhos novos, criar um logótipo mais atractivo sobre a vitrina principal. A clientela seria atraída naturalmente.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PROCURAR