Troca de ‘mimos’ entre Guterres e Lavrov em sessão do Conselho de Segurança da ONU presidido pela Rússia

O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu na passada segunda-feira respeito pela soberania e integridade territorial e criticou duramente a invasão da Ucrânia pela Rússia, numa reunião do Conselho de Segurança presidida pelo ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, no mês em que a Rússia assume a presidência rotativa do órgão.

Na reunião convocada pela Rússia para debater o “multilateralismo efectivo”, António Guterres sentou-se ao lado de Lavrov e criticou abertamente a invasão da Ucrânia por Moscovo, classificando-a de “violação da Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) e do direito internacional”, que está a causar enorme sofrimento e devastação ao país e ao seu povo, além de abalar fortemente a economia mundial.

Respondendo António Guterres, o ministro Serguei Lavrov teceu duros ataques à “minoria ocidental”, principalmente aos Estados Unidos e seus aliados, que acusou de terem colocado o mundo numa conjuntura extremamente perigosa. “Como aconteceu durante a Guerra Fria, chegamos a um limiar perigoso, talvez ainda mais perigoso”, disse Lavrov, que acusou as potências ocidentais de “destruírem os benefícios da globalização” com uma “agressão económica” e de tentarem impor as suas políticas ao resto do mundo, através da força.

O ex-primeiro-ministro português considerou que a cooperação multilateral é o “coração pulsante das Nações Unidas”, assim como a “sua razão de ser e a sua visão orientadora”. De acordo com Guterres, o sistema multilateral manteve-se unido e obteve “alguns sucessos notáveis” nos últimos 78 anos, com as ferramentas e mecanismos estabelecidos pela Carta da ONU a desempenharam o seu papel “na prevenção de uma terceira guerra mundial”.

Contudo, o líder das Nações Unidas considerou que a situação actual “é mais perigosa”,  frisando que o mundo enfrenta crises sem precedentes e interligadas, colocando o sistema multilateral sob a maior pressão desde que a ONU foi criada. “As tensões entre as grandes potências estão em máximos históricos. Assim como os riscos de conflito, por infortúnio ou erro de cálculo”disse Guterres, apontado alguns dos conflitos mais desafiadores da atualidade, desde a Ucrânia até ao Sahel.

“Precisamos de fazer melhor, ir mais longe e trabalhar mais rápido. Isso deve começar por os países reafirmarem as suas obrigações ao abrigo da Carta das Nações Unidas, colocando os direitos humanos e a dignidade em primeiro lugar e dando prioridade à prevenção de conflitos e crises”,apelou António Gueterres. E dirigiu ainda o foco para os membros do Conselho de Segurança, particularmente aqueles que gozam do privilégio de servir permanentemente – Rússia, China, Estados Unidos, França e Reino Unido – e que “têm uma responsabilidade particular de fazer o multilateralismo funcionar, ao invés de contribuir para o seu desmembramento”.

Logo após o secretário-geral da ONU terminar a sua declaração, interviu Serguei Lavrov, que começou por fazer duros ataques à “minoria ocidental”, principalmente aos Estados Unidos e seus aliados, que acusou de terem colocado o mundo numa conjuntura extremamente perigosa.

“Ninguém deu permissão à minoria ocidental para falar em nome de toda a humanidade”, insistiu o chefe da diplomacia russa, para quem o sistema das Nações Unidas está a passar por uma crise profunda, devido ao “desejo de alguns membros de substituir o direito internacional e a Carta das Nações Unidas por uma certa ordem baseada em regras que não foram objecto de negociações internacionais transparentes”.

Num discurso que se estendeu por mais de 20 minutos, Lavrov reiterou as mensagens habituais de Moscovo sobre a situação na Ucrânia, mas procurou sobretudo criticar o que identificou como tentativas do Ocidente de controlar o mundo e travar o “estabelecimento de novos centros de desenvolvimento independentes” na América Latina, Ásia e outras regiões.

O ministro russo colocou os Estados Unidos e seus aliados na Europa e outros continentes no mesmo patamar, acusou-os de sofrerem de um complexo de superioridade, para o qual deu como exemplo um discurso do chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, em que comparou a Europa a um “jardim” e o resto do mundo a uma “selva”.

“A chave do sucesso é o esforço conjunto, o abandono de pretensões de excecionalismo e, repito, o respeito pela igualdade soberana dos Estados”, defendeu ainda Lavrov.

Por sua vez, a embaixadora norte-americana junto da ONU, Linda Thomas-Greenfield, leu a Carta da ONU ao corpo diplomático presente na reunião, sobre valores e princípios como a defesa da paz, abstenção do uso da força e respeito pela integridade territorial, sublinhando que, “mais do que nunca, o mundo precisa de uma ONU e de um multilateralismo eficazes”.

“No entanto, quando o mundo mais precisava da ONU, mergulhamos numa crise de confiança. O organizador hipócrita da reunião de hoje, a Rússia, invadiu a sua vizinha Ucrânia e atingiu o cerne da carta da ONU e todos os valores que prezamos”, disse a embaixadora.

“A Rússia simplesmente quer redesenhar as fronteiras internacionais à força, violando esta mesma carta da ONU. E isso vai contra tudo o que esta instituição defende. (…) Amanhã pode ser outro país, outra pequena nação invadida pelo seu vizinho maior”, acrescentou. A diplomata apelou ainda à libertação de cidadãos norte-americanos detidos na Rússia, incluindo Paul Whelan e o jornalista Evan Gershkovich.

A Rússia, um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança e com poder de veto, assumiu este mês a presidência rotativa do órgão, que tem capacidade de fazer aprovar resoluções com carácter vinculativo. E por essa razão Serguei Lavrov viajou para Nova Iorque no âmbito da presidência russa do Conselho de Segurança e presidiu ainda a um debate sobre o Médio Oriente, realizado na terça-feira, além de uma reunião sobre multilateralismo.

O chefe da diplomacia russa aproveitou ainda a oportunidade para discutir directamente com o secretário-geral da ONU, a continuidade do acordo dos cereais do Mar Negro e o descontentamento de Moscovo com a falta de cumprimento de certos aspectos da iniciativa. Durante o encontro, António Guterres procedeu a entrega de uma carta para o Presidente russo, Vladimir Putin, delineando uma proposta de roteiro a seguir visando a melhoria, extensão e expansão do Acordo, levando em consideração as posições recentemente expressas pelas partes e os riscos colocados pela insegurança alimentar global.

Cartas semelhantes foram endereçadas aos outros dois signatários do acordo, a Ucrânia e a Turquia que, em conjunto com a Rússia e com a ONU, foram responsáveis por esta iniciativa firmada no verão passado e que visou o escoamento dos cereais e alimentos bloqueados nos portos ucranianos desde a invasão pela Ucrânia, em Fevereiro de 2022.

Recordamos queparalelamente ao acordo sobre cereais, foi também firmado um memorando para facilitar as exportações russas de alimentos e fertilizantes, mas que Moscovo diz não estar a ser cumprido. Por essa razão, a Rússia admite mesmo não prolongar o acordo, caso não se verifiquem progressos no cumprimento desses compromissos.

Face às queixas do Kremlin, o secretário-geral da ONU “tomou nota das preocupações expressas pela Rússia sobre a implementação do Memorando de Entendimento (…) sobre a promoção de produtos alimentícios e fertilizantes russos nos mercados mundiais”Do mesmo modo, “forneceu um relatório detalhado sobre o progresso já alcançado a esse respeito e reiterou o compromisso da ONU de continuar a trabalhar para resolver os problemas remanescentes”.

Além deste assunto, Guterres e Lavrov analisaram também as “situações no Afeganistão e na Síria”. Mas o secretário-geral também atualizou o ministro Lavrov sobre os esforços do Secretariado da ONU para tratar das questões do país anfitrião (da sede da ONU, Estados Unidos), principalmente em relação aos vistos para funcionários russos”, de acordo com um comunicado divulgado no final do encontro pelo gabinete de Guterres.

A esse respeito, Lavrov havia assegurado antes que a Rússia “não perdoará” os Estados Unidos por recusarem a emissão de vistos aos jornalistas russos que o pretendiam acompanhar na deslocação à sede da ONU, em Nova Iorque. “Não esqueceremos, não perdoaremos”, disse Lavrov aos jornalistas, acusando Washington de tomar uma decisão “cobarde”.

Com a LUSA

One Comment
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