TC ‘CHUMBA’ ATRIBUIÇÃO DOS 10% DE COMPARTICIPAÇÃO AOS ÓRGÃOS DA JUSTIÇA

Ordem de Advogados de Angola ganha causa contra o Decreto Presidencial que viola a regra de reserva absoluta de leis parlamentares, ínsita na artigo 164 da CRA e porque deixaria de haver o distanciamento e a isenção do juiz e do tribunal ao apreciar o processo e tomar a decisão pertinente, mesmo em fase de recurso.

O Tribunal Constitucional considera, em Acórdão (nº 845/2023 de 3 de Outubro), inconstitucional o Decreto Presidencial nº 69/21, de 16 de Março, que estabelece o Regime de Comparticipação Atribuída aos Órgãos de Administração da Justiça pelos Activos, Financeiros e Não Financeiros por si Recuperados, na sequência de requerimento fundamentado da Ordem de Advogados de Angola, que tem legitimidade de fiscalização abstrata sucessiva de normas, nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 230.º da Constituição, do artigo 18.º da LOTC e da alínea f) do artigo 27.º da LPC.

O Tribunal Constitucional, presidido pela juíza conselheira Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso, e integrado por mais seis dos 11 juízes conselheiros, declarou assim, “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade orgânica e formal das normas constantes do Decreto Presidencial nº 69/21, de 16 de Março, que estabelece o Regime de Comparticipação Atribuída aos Órgãos de Administração da Justiça pelos Activos, Financeiros e Não Financeiros, por si recuperados, na medida em que ao definir a atribuição de uma comparticipação aos Órgãos de Administração da Justiça, resultante dos bens revertidos a favor do Estado, no âmbito do regime de perda alargada de bens, prevista na Lei nº 15/18 de 26 de Dezembro, viola a regra de reserva absoluta de leis parlamentares, ínsita na artigo 164 da CRA”.

O Acórdão do TC declara, igualmente, “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade material, por violação do disposto nos artigos 72.º, 175.º e nº1 do artigo 179.º da Constituição, das normas dos artigos 3.º a 5.º do supracitado Decreto Presidencial, que determinam a atribuição de uma comparticipação financeira à Procuradoria-Geral da República e aos Tribunais, na medida em que não se afigura adequada ao preenchimento das garantias de independência e imparcialidade”.

Por último, o TC ressalva, “por razões de equidade e de segurança jurídica, os efeitos entretanto produzidos pelas requeridas normas, de harmonia com o preceituado no n.º 4 do artigo 231.º da Constituição da República de Angola”.  

Segundo o Acórdão, a parte requerente (OAA) “suscitou a declaração de inconstitucionalidade orgânica e formal das normas constantes do Decreto Presidencial n.º 69/21, de 16 de Março, por entender que a matéria aí prevista não é da competência do órgão que o emanou, e que os preceitos indicados como fundamento para a aprovação do aludido diploma determinam, em vez, a aprovação de um Decreto Legislativo Presidencial Provisório, que, in casu, não reuniu os requisitos necessários para a sua aprovação, constantes dos n.ºs 1, 3, alínea b), 5 e 6 do artigo 126.º, conjugado com as alíneas d) e e) do artigo 161.º, ambos da CRA, por não ser de carácter urgente e não ter definido um prazo de vigência”.

Com base nos argumentos da apreciação dos juízes conselheiros do TC, “o Decreto Presidencial sob escrutínio, determina o modo de afetação do património apreendido e declarado perdido, derrogando aquela que foi a vontade do legislador primário, que determinou a reversão da sua titularidade a favor do Estado. A disciplina aí prevista visa, de forma inovatória, determinar, para o património apreendido, um destino distinto do previsto na LRCPAB, facto que não só lhe é vedado pela natureza do regime, que apenas admite regulamentação de simples execução, mas também pelo próprio princípio da precedência de lei, que determina que os regulamentos não podem contrariar um acto legislativo, já que a lei tem absoluta prioridade sobre os regulamentos”.

Notificado o Presidente da República para, querendo, se pronunciar sobre o pedido, enquanto órgão autor da norma, fez-se representar pelo ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, que argumentou que a “atribuição de uma percentagem, sobre os valores recuperados, aos Órgãos da Administração da Justiça tem origem no direito internacional, porquanto, para capacitação dos quadros que trabalham no combate à corrupção e na consequente recuperação de activos, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, a que Angola aderiu através da Resolução n.º 20/06 de 23 de Junho, refere, no n.º 2, alínea c) do artigo 62.º, in fine, que, de acordo com a sua legislação interna e com as disposições da referida Convenção, os Estados Partes poderão também considerar a possibilidade de ingressar numa conta especificamente designada uma percentagem do dinheiro confiscado ou da soma equivalente dos bens ou ao produto de delito confiscados”.

Nos seus argumentos, o ministro de Estado justificou que, “em Angola, o Decreto Presidencial n.º 69/21, de 16 de Março, veio estatuir que 10% de todos os valores recuperados deveriam ser atribuídos aos Órgãos de Administração da Justiça, designadamente, à Procuradoria-Geral da República e aos Tribunais para capacitar e apoiar os Magistrados no combate à criminalidade transnacional”,sucedendo o mesmo, a titulo comparativo, “nos países da Comunidade de Língua Portuguesa, na sequência de convenções e acordos internacionais, regime que é observado ainda na maioria dos países da União Europeia e Peru, na Suíça e Luxemburgo”.

No entanto, o entendimento da OAA é que “os bens apreendidos, sejam eles activos financeiros ou não financeiros, devem ser enquadrados no Orçamento Geral do Estado para posterior afetação conforme o determinado pelas instâncias competentes”. Em circunstância alguma, reafirma a OAA, “os tribunais podem beneficiar dos bens materiais ou financeiros que resultam das suas decisões, tomadas em sentença ou acórdão”. Ao ser assim, sustenta a OAA, “deixa de haver o distanciamento e a isenção do juiz e do tribunal ao apreciar o processo e tomar a decisão pertinente, mesmo em fase de recurso”.

RA

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