“RESSALVA” DO TC PODEÁ LEVAR À RECLAMAÇÃO DA ORDEM DE ADVOGADOS

“Excepções estabelecidas nem sequer cabem no conteúdo do Artigo 231 da Constituição, que define os Efeitos da Fiscalização Abstracta e que serviu de muleta para amparar a sustentação da alínea C da decisão do Tribunal Constitucional”.

RAMIRO ALEIXO

Não é conhecido ainda nenhum pronunciamento oficial da Ordem de Advogados de Angola (OAA) sobre o Acórdão (nº 845/2023 de 3 de Outubro), em que o Tribunal Constitucional decidiu sobre a  inconstitucionalidade do Decreto Presidencial nº 69/21, de 16 de Março, que estabelece o Regime de Comparticipação Atribuída aos Órgãos de Administração da Justiça pelos Activos, Financeiros e Não Financeiros por si Recuperados, na sequência de requerimento fundamentado que apresentou, no âmbito da sua legitimidade de fiscalização abstrata sucessiva de normas, nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 230.º da Constituição, do artigo 18.º da LOTC e da alínea f) do artigo 27.º da LPC.

No entanto, acreditamos que será de “inconformismo” considerando as primeiras reações de vários advogados com quem contactamos, e que emitiram opiniões mais ou menos consensuais de “estupefação sobre o conteúdo da alínea C da decisão de ressalva da deliberação dos juízes do Tribunal Constitucional, porque é contrária à Constituição da República de Angola, embora se faça referência a harmonia com o preceituado no n.º 4 do artigo 231.º, por alegadas razões de equidade e de segurança jurídica”.

Para as nossas fontes, essa “ressalva” dos juízes do TC pode ser entendida como uma decisão em que “dá uma no cravo e outra na ferradura, acabando por dar o dito por não dito”. Para outro advogado contactado, as “excepções estabelecidas nem sequer cabem no conteúdo do Artigo 231 da Constituição, que define os Efeitos da Fiscalização Abstracta”.

O ponto nº. 1 do Artigo 231.º (Efeitos da Fiscalização Abstracta) da CRA que serviu de suporte à “ressalva”do Tribunal Constitucional, estabelece que a “declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina a repristinação da norma que haja revogado”. No entanto, o n.º 2 do mesmo Artigo refere que “tratando-se, porém, de inconstitucionalidade por infracção de norma constitucional posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última”.

De acordo com o n.º 3 do Artigo que serviu de interpretração, “ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido”.

Finalmente e “quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deve ser fundamentado, o exigirem”, estabelece o ponto n.º 4 que “pode o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos números 1 e 2 do presente artigo”. Ora, segundo as nossas fontes, as excepções estabelecidas no Acórdão (nº 845/2023 de 3 de Outubro), sobre a inconstitucionalidade do Decreto Presidencial nº 69/21, de 16 de Março, que estabelece o Regime de Comparticipação Atribuída aos Órgãos de Administração da Justiça pelos Activos, Financeiros e Não Financeiros por si Recuperados, não têm aqui enquadramento”.

Recordamos que, na sessão do Tribunal Constitucional, presidido pela juíza conselheira Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso, em que participaram mais seis juízes conselheiros, dos 11 que integram a Corte, essa instituição declarou, “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade orgânica e formal das normas constantes do Decreto Presidencial nº 69/21, de 16 de Março, que estabelece o Regime de Comparticipação Atribuída aos Órgãos de Administração da Justiça pelos Activos, Financeiros e Não Financeiros, por si recuperados, na medida em que ao definir a atribuição de uma comparticipação aos Órgãos de Administração da Justiça, resultante dos bens revertidos a favor do Estado, no âmbito do regime de perda alargada de bens, prevista na Lei nº 15/18 de 26 de Dezembro, viola a regra de reserva absoluta de leis parlamentares, ínsita na artigo 164 da CRA”.

O Acórdão do TC declara, igualmente, “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade material, por violação do disposto nos artigos 72.º, 175.º e nº1 do artigo 179.º da Constituição, das normas dos artigos 3.º a 5.º do supracitado Decreto Presidencial, que determinam a atribuição de uma comparticipação financeira à Procuradoria-Geral da República e aos Tribunais, na medida em que não se afigura adequada ao preenchimento das garantias de independência e imparcialidade”.

Por último, o TC ressalva, “por razões de equidade e de segurança jurídica, os efeitos entretanto produzidos pelas requeridas normas, de harmonia com o preceituado no n.º 4 do artigo 231.º da Constituição da República de Angola”.  

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