SUA EXCELÊNCIA DA NOSSA EXCELÊNCIA MEDÍOCRE

Que excelência de serviços são prestados, para que os prestadores desses serviços devam ser tratados por “sua excelência”?

POR AIRES ALMEIDA

Que Angola se transformou no país dos “doutores” e “engravatados” há muito se sabe mas, que haja tanta “sua excelência” por aí, é que deixa qualquer mente sã a cogitar sobre se será assim mesmo, se há mesmo razões para tantas excelências.

É só ligar as TPA’s, para se ouvir dizer: “Sua Excelência Senhor isto e aquilo…”, sua excelência para aqui, sua excelência para ali. Até o mais básico director de uma escola pública qualquer, sem carteiras para os alunos, quer ser tratado por sua excelência. Um chefito de uma esquadra de polícia também é sua excelência. Não tarda, estaremos a tratar qualquer soba por sua excelência. Foi coisa que ainda não se ouviu por aí mas, não será de admirar se lá, no meio em que eles estão, os sobas não sejam mesmo tratados por suas excelências. Já agora…

De tanto ouvir “sua excelência”, debrucei-me sobre o assunto e, depois de ter lido e relido, e interpretado convenientemente tudo o que li, decidi mandar cá para fora algumas reflexões relacionadas com o tema: EXCELÊNCIA.

Não só fui ao Dicionário como, por estarem na moda as pesquisas na internet, lá fui eu também, “navegar”, em busca de “ajudas” para o correcto e completo entendimento sobre a excelência, não fosse ficar incompleto ou inconclusivo o meu raciocínio que, por mero acaso, o partilho, porque outros pensamentos se podem juntar.

Começando pelo conceito de EXCELÊNCIA, o que temos? É a qualidade daquilo que é excelenteque é superior ou muito bom no seu género, ou que possui um elevado grau de perfeição (o negritado é meu).

Excelência é, também, o tratamento que se dá a pessoas nobres ou ilustres e em geral às pessoas consideradas de alta categoria social.

Analisando então o tratamento generalizado que se tem vindo a dar às pessoas que ocupam certos cargos públicos, geralmente ligados ao aparelho do Estado, nas mais variadas hierarquias, levando em conta as definições encontradas, é caso para perguntar se haverá assim tanta excelência neste país. Será mesmo que temos assim tantas excelências? Será que o tratamento por “Sua Excelência” deve ser alargado, como está sendo, do topo à base? Do chefe dos chefes ao soba? Será que não basta dizer “Senhor Ministro”, “Senhor Governador” ou “Senhor Director”? Será que não basta o tratamento cortez, respeitoso e educado de Senhor isto, ou Senhor fulano? Será que é preciso elevar ao expoente máximo o tratamento a dar a qualquer cidadão que ocupe um cargo público qualquer? Ou esse tratamento deve ser restringido ao tal “mais alto nível da hierarquia social”, como é suposto? Ou será que está a ser assim por ser obrigatório, ou por ter sido imposto?

Acho que há excelências a mais por estas paragens, e que o tratamento por “sua excelência” acabou por se banalizar, e até se esvaziou o seu significado. Com tanta bajulação e tantos engraxadores, actualmente, tratar alguém por sua excelência, acabou por virar moda de quem, para se manter no posto, para polir ou por outros interesses, trata outros por sua excelência. E, obviamente, quem recebe esse tratamento acaba por deixar o barco andar, navegando nas águas turvas da nossa realidade e acha bem que assim seja, por se sentir elevado, porque bajulado, engraxado. Então, se já se anda engravatado, e é tudo doutor para aqui, doutor para ali, porque não sua excelência? Assim, até o pacote fica mais completo…

Voltando ao dicionário, e quando se verifica que excelência é a característica do que é excelente, exprime um elevado grau de perfeição, então as coisas descambam de vez, e é preciso parar para pensar: o que é excelente neste país? Faço uma lista do que deva merecer a classificação de excelente, risco tudo, porque concluo que tudo está a milhas de ser excelente! NADA é excelente. Do fornecimento de água canalizada à electricidade, da educação à saúde, não encontro nada que possa ter classificação de excelente, nem bom, porque anda tudo pelo sofrível ou mau, muitas vezes muito mau ou péssimo, horrível… Os serviços prestados ao cidadão, como o da grande maioria das Administrações Municipais, Serviços de Identificação, Conservatórias, etc., os serviços que sujeitam o cidadão a bailes, festins de desaparecimentos ou “embarramentos” de processos, os atrasos na resolução dos mais simples processos, os esquemas que têm de ser montados para tratar ou renovar uma carta de condução, por exemplo, são tantos, e a lista tão extensa, que não vejo qual deles merece a classificação de satisfatório ou bom, quanto mais excelente. Poderia estar aqui a listar tudo, para tentar achar algo que pudesse considerar de excelente e, sinceramente, peço ajuda, não consigo.

Quando é sabido que muitos serviços funcionam mal porque os males são muitos: o funcionário não tem papel, ou tem de comprar tinteiro para a impressora com dinheiro do seu bolso; quando o funcionário que quer mostrar ser diferente que se pode fazer melhor, é “travado” por colegas que lhe dizem “é pá, não é assim, como queres”; quando a mentalidade de funcionário público, como servidor público na sua essência, se esvaziou porque se transformou num mero empregado do Estado; quando o nível de complicação é infinitamente maior que o da simplificação, então por onde anda a excelência que é desejável?

Excelente, sim, encontro, a bajulação, a corrupção, e todos os vícios e males de que padece a nossa sociedade… Isso sim, está a níveis que poucos são os que nos superam ou igualam. Os níveis de excelência aí, sim, estão lá, bem altos.

Diante deste cenário considero lícitas todas estas interrogações: por que razão terei de tratar um qualquer corrupto engravatado por “sua excelência”? Só porque ostenta um título ou é chamado de doutor? Por que razão terei de tratar por sua excelência o director daquela escola pública que não tem carteiras ou casa de banho em condições para os seus alunos? Por que razão aquele administrador municipal, onde os bailes ao cidadão são uma constante, tem de ser tratado por sua excelência? Qual a razão que leva o ministro das estradas esburacadas e esculhambadas tem de ser tratado por sua excelência? Qual a razão de ter de tratar por sua excelência, a ministra dos hospitais onde se morre que nem passarinho? Ou por que razão um agente de uma esquadra qualquer da polícia deve tratar o comandante da dita por “sua excelência”? Por que razão o ministro da falta de água tem de ser tratado por “sua excelência”? Resumindo: que excelência de serviços são prestados, para que os prestadores desses serviços devam ser tratados por “sua excelência”?

É evidente, está de caras, que a pirâmide está invertida, (está com o bico, o topo, para baixo) e é preciso colocá-la na posição correcta, com a base na base. Quando isso suceder compreender-se-á que, à medida que se sobe ao topo da pirâmide, ela se torna mais estreita, e que, quanto mais alto se está, menos excelências cabem e se encaixam, porque o espaço se vai reduzindo, estreitando, até ao topo. Fácil, portanto, será de concluir que, enquanto não se recolocar a pirâmide na posição em que deve estar, a tendência será a de haver cada vez mais excelências, sem que isso tenha a necessária correspondência com o que deve necessariamente ser excelente!

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PROCURAR