RIR PARA NÃO CHORAR (1)

OS JURAMENTOS E O SEU SIGNIFICADO

O homem honrado nunca jura; o seu carácter jura por ele”.

Jean de la Bruyere

Moralista francês

JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

Um indivíduo que jura perante a Nação inteira e afirma que vai defender o povo, que vai dar a vida, que vai fazer isto e aquilo e logo a seguir desvia-se do lema sem o mínimo de escrúpulos, sem explicações que valham aos seus concidadãos, não pode ser considerado honesto. Não devia ser respeitado. Qual o seu estado de espírito no momento da jura, partindo do princípio de que já sabe que não a vai cumprir? 

Sinto-me muito abalado. Mortes de pessoas amigas em três semanas consecutivas, perturbaram-me e entristeceram-me. Registo, desta vez, a perda do Guilherme do Espírito Santo Carvalho, antigo vice-ministro dos desportos. Aconteceu no dia 17, em Lisboa, novamente. Endereço à família os meus sentimentos de pesar. Descansa em paz, querido amigo! 

“Rir para não chorar” é um velho dito popular que se espalhou no mundo ao longo dos tempos. Vulgarizou-se também entre nós. Dizem os entendidos em adágios, que rir é um sinal de resiliência. Alivia a dor e faz bem ao coração. Transportando o dito para os nossos hábitos e brandos costumes, observaremos um fenómeno. Não é acaso, é facto visível. Os angolanos, de Cabinda ao Cunene, na bwala ou na diáspora (o “ultramar” de hoje em dia), nos mais diversos momentos e ao longo dos anos, mostram facilmente a todos quantos os queiram admirar, os seus abertos e largos sorrisos, no fim, os mais sofridos que conhecemos. 

Os mwangolé, exímios em muitas artes, tornaram-se também mestres do sorriso e da risada. Uns especializaram-se em fazer rir os outros, uns outros, infelizmente, tornaram-se eternos escravos da zombaria e do escárnio dos que troçam da desgraça alheia. Em cúmulo, a maioria sofre o peso dos sorrisos desdenhosos e indiferentes de quem se julga dono disto tudo. Mas, para se falar de risos e sorrisos (queres gozo, ou quê?), devemos lembrar antes, que o mundo teve o privilégio de ver evoluir em diversos palcos, gente muito capaz na difícil arte da comédia. Certifica a pequena lista onde constam, entre muitos, alguns artistas que nos fizeram rir muito, por muito tempo. Famosos comediantes dos anos 40/50 do séc. passado (os americanos Bucha & Estica ou melhor Laurel and Hardy, Mário Moreno, o mexicano Cantinflas, Charles Chaplin, o impagável inglês Charlot), são exemplos. Em Calulo, terra que nunca se deixou ficar para trás nesta e noutras alçadas, também havia “artistas”. Num período mais recente, a malta desfrutou bastante do bom humor e das piadas geniais do fabuloso Agenor Oliveira, um mestre à sua maneira. 

A “Quimera do riso” (filme produzido em meados dos anos 40), uma obra-prima do cinema contemporâneo, mostrou o riso através de uma incursão invulgar e provocatória ao mundo dos vagabundos, dos pobres humilhados e ofendidos. Outras películas constituíram boa propaganda para as virtudes do riso. Recordando, reconhecemos que saber e fazer rir com inteligência e descobrir terapias para a boa disposição por via da risada, é pura arte. 

O período que estamos a viver tem sido fértil em notabilizar gente facilmente rendida ao riso, muito dada a uma boa gargalhada. Muita dessa gente ri para não chorar. Busca sempre uma boa anedota para lançar risada séria, quantas vezes coberta de mágoa. 

Embalado por essa onda, planto-me aqui hoje para me rir um pouco e, quem sabe, para contagiar os leitores. Passo, por isso, a abordar com o intuito de rir, o tema do juramento que, na nossa “banda” é daqueles que não serve para ficar sério, dá mesmo para gargalhar. Também vai servir para escalpelar, como se faz seguidamente, a mania do riso.

Os juramentos valem o que valem. E não há ponta de exagero ao dizer-se que os juramentos já não têm hoje o valor de antigamente. Lá vai o tempo em que um juramento, revestido da solenidade emprestada aos actos ditos sérios, poderia custar a vida duma pessoa. Actualmente brinca-se com o termo e com a própria jura. Tiraram-lhe a importância que tinha. A banalização não é recente. Vem de muito antes dos tempos áureos da folgança luandense onde no meio de malta que ria para não chorar, sobressaíam o inesquecível Gabriel Leitão e outros componentes do Gexto, o Grupo Experimental de Teatro de Luanda. Ele era o tal que jurava até pelas cinzas e pelas Chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo, indo nas suas promessas até aos sapatos do seu padrinho. 

Na meninice dos nascidos em Angola nas prodigiosas décadas de 40 a 60 do séc. XX, usava-se muito jurar “por sangue de Cristo”, um comprometimento feito na base de palavras formais, sempre acompanhadas do gesto do corte da garganta, golpeada com o dedo indicador da mão direita (para quem não fosse canhoto) a fazer de lâmina. 

No outro lado do Atlântico, o negro Ataulfo Alves cantava dolentemente, “Mulher que chora e homem que jura pode contar que é mentira pura”. Nesse período saudoso (um tempo em que os de agora não entendem porque o catalogamos de saudoso), alguns negros ganhavam fama e estatuto diferente. Na América (Nat King Cole, Sammy Davis Jr., Louis Armstrong, entre vários). No Brasil a música tinha um fascínio diferente quando interpretada por negros como Ataulfo Alves e mais alguns da sua linha. Era arrebatante, porém natural, como foi o caso do surpreendente e poético “Noite Ilustrada”, alcunha do cidadão Mário de Souza Marques Filho. Esclareça-se que “Noite Ilustrada” era o título de uma revista exclusivamente dedicada a espectáculos, que Mário lia e apreciava. Veio dela o nome artístico que ganhou no mundo da música. Como assim? Coisa para rir mesmo. 

Voltando à vaca fria, cantores negros e românticos, só podiam ser fascinantes. Não eram pobres, pelo menos não eram pedintes. Os negros sem estatuto, como os serventes e os varredores eram lixo, não tinham graça nenhuma. Provocavam o riso dos outros, nomeadamente dos que mandavam neles, uns indivíduos que, diga-se de passagem, também não tinham graça nenhuma. 

Afastemo-nos deste cenário de cantorias que cercava a fiabilidade ou a mentira postas numa jura. Voltemo-nos para as risadas que hoje nos fazem perder a compostura, aquelas que atacam o nosso âmago, às vezes sem as podermos conter na saída espontânea do peito. É, citando caso análogo, quando olhamos para aqueles jovens casais de noivos jurando, perante o sacerdote ou o conservador. Sóbrios, como manda o regulamento, juram solenemente amor eterno, “até que a morte nos separe”.

Noutras conjunturas fazem-se juras semelhantes. Assumem-se importantes compromissos, de alcance infinito. A mais séria é a Jura da Constituição. Obriga a engajamento de peso. Infelizmente, fico com a impressão de que a Constituição da República, nos nossos primórdios, não era citada com a ligeireza com que se faz hoje. Com a mão direita sobre ela, jurava-se defender os anseios do povo, a integridade territorial da Nação, etecetera e tal. Hoje, em Angola, chega a incomodar ver na televisão, ouvir na rádio ou assistir ao vivo, indivíduos a quererem ser dignos e a fazerem juras sobre a CRA que não cumprem. Que sabem antecipadamente não poder cumprir. Chega a ser deprimente ver indivíduos a jurar solenemente e, passado pouco tempo, no desempenho dos cargos para que são nomeados, por palavras e actos, desvirtuarem completamente o juramento feito perante a Nação e os seus compatriotas. 

Um indivíduo que jura perante a Nação inteira e afirma que vai defender o povo, que vai dar a vida, que vai fazer isto e aquilo e logo a seguir desvia-se do lema sem o mínimo de escrúpulos, sem explicações que valham aos seus concidadãos, não pode ser considerado honesto. Não devia ser respeitado. Qual o seu estado de espírito no momento da jura, partindo do princípio de que já sabe que não a vai cumprir? 

Ah! Eternos e ingénuos sentimentais, na verdade, tipos que não desconhecem que a mentira é das maiores armas utilizadas pelos políticos. Principalmente os da actualidade. São, afinal de contas, os grandes vilões das histórias em que querem aparecer como santos imaculados. 

Chega-se à conclusão que na verdade, confiar é bom, porém, desconfiar é melhor. Também, que a jura de Hipócrates, da Ordem dos Médicos, aquela que consagra o respeito pela vida humana, será talvez a que melhor define o valor de um juramento, porque trata directamente e se compromete com a vida das pessoas. Portanto, é aquela que merece mais respeito.

Despeço-me dos leitores com o carinho habitual. Juro que estarei convosco no próximo domingo, à hora do matabicho.

Lisboa, 21 de Maio de 2023

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