REGRESSO

JAcQUEs TOU AQUI!

JACQUES ARLINDO DOS SANTOS    

Questões de consciência, principalmente essas, juntaram-se a outras para determinar o meu regresso a este espaço de opinião. Existem sempre razões para justificar o retorno ao ponto de partida. Qualquer que seja o caso que dê origem ao recuo ou à desistência. No meu caso particular, foi decretado, tal como noutras ocasiões, entre vários outros empecilhos, pela incapacidade que tenho de tolerar os abusos de autoridade e de poder exercidos por certos indivíduos. Do poder que fascina camaradas e que apesar dos exemplos negativos que o mundo nos oferece constantemente, é utilizado entre nós de um modo perverso. De tal maneira, que retira aos abusadores a capacidade de se aperceberem da contribuição que os seus gestos ridículos emprestam à transformação do real e legítimo poder, daquele que vale. Tornam-no desnecessariamente em coisa balofa, sem sentido. Chegam a dar pena até, quando enchem os peitos e se julgam donos da vontade alheia, humilhando os pobres coitados que se vergam, que se calam e se obrigam a obedecer. 

Acontecia assim, também, tal e qual, no outro tempo. Em época do antigamente da vida, em que havia gente que, em surdina, ia cantarolando modas que brotavam dos seus sentimentos, canções que instigavam os seus recalcamentos, como uma que era cantada por um soldado da tropa colonial portuguesa de quem fui colega. Era assim que dizia:

                  ANTÓNIO há-de morrer,

                  a OLIVEIRA há-de secar,

                  o SAL também se derrete,

                  e o AZAR há-de acabar!

No decorrer de quatro décadas de umbilical ligação com o público, aquele que minimamente se interessa pelo estado caótico da sociedade angolana, fui forçado a breves paragens. Fi-lo sempre em consciência e com o cuidado de um breve anúncio aos meus seguidores. Da última vez, como de resto, das outras, reconhecendo que a minha escrita não passava de uma imitação daquela chuva chata que caía num ritmo semelhante ao da canção do soldado tuga, e se banalizava chovendo no molhado. Miudinha, incomodativa, porém e pelos factos vistos, incapaz de arrefecer ânimos insensíveis, poderosos e desalmados. 

Todavia, essa indiferença declarada não tem conseguido vergar os que como eu pugnam pela verdade, pela justiça e pela implantação do Estado Democrático e de Direito em Angola. Pelo contrário, faz ganhar em todos nós, cada vez mais, a saudável noção de cidadania, a força da razão que mostra o quanto é poderosa, principalmente quando ela não se apoia em poderes de fancaria, que dá força à falta de razão, aquela que perigosamente, tomou conta do pensamento da camada predestinada da nossa doente sociedade. 

O que fiz então nesse período silencioso? Para não fugir ao hábito da escrita, essa mania que me absorve, nos dois anos contados, borrifei-me conscientemente para os que vivem sem incómodos, sem darem atenção a nada. Alguns, são meus detractores de estimação. Até se aproximam de mim, mas nunca me enganaram. Sei que me aguardam espreitando nas esquinas mais imprevisíveis. Por eles e para eles, meti-me nesses meses de escusa, nas vestes de romancista, numa tentativa, provavelmente falhada, de conhecer melhor o estilo. Verdade, meus amigos. A verdade sempre me levou a revelações, não sou muito de guardar segredos (dependendo dos segredos, claro), e por isso vos informo que tenho dois textos no prelo ou, como quem diz, a aguardar oportunidade de serem dados à estampa. Um deles, levou-me a experimentar a arte da fábula, com temática dedicada essencialmente à bicharada manhosa que nos cerca. Terminei numa aposta perigosa. Um romance de (maus) costumes nossos. De hábitos da sociedade emergente da Independência Nacional, inseridos numa prosa descomprometida, cujo título, seguindo conselho da minha kamba Evelise, revelo orgulhosamente. “Viva este povo maravilhoso!”. Nome que não é, pouco mais ou menos, era o que faltava, uma imitação do fabuloso “Viva o Povo Brasileiro” do inimitável João Ubaldo Ribeiro, criador da magistral obra que retrata três séculos de história do povo brasileiro e que o alcandorou aos píncaros da fama.

O meu “Povo Maravilhoso”, é trabalho menor, bem menor. Retrata a meu modo a vida miserável dos angolanos. Ao revisá-lo verifiquei que foi ultrapassado pela vertigem dos acontecimentos do nosso bravio quotidiano. Por essa razão, obrigou-me, quando menos esperava, a mudar-lhe certas partes. Estou neste momento a reajustar o seu conteúdo. A prosa escrita apaixonadamente em onze meses, vai ser de algum modo alterada, com o intuito de a aproximar das circunstâncias actuais. Apesar da ocorrência, tenho uma certeza. Haja o que hajar, diria o saudoso amigo José de Matos Vilarigues, o saudoso Zeca Matos do Dondo, este livro vai sair em 2025, ano do cinquentenário da nossa Independência.

Enquanto isso e não olhando a intempéries que se desenham diariamente no nosso horizonte, nas tempestades que, embora se vislumbrem muito fortes e perigosas no firmamento, impulsionam o meu regresso, vou revelando naquilo que escrevo o que sempre fui. Um tipo sem receio de mostrar a sua razão sempre que a tenha assegurada. A minha condição de octogenário não me condiciona. Pelo contrário, mantém-me fiel aos princípios que sempre defendi na juventude e tento desesperadamente defender enquanto kota. Contra a mentira, o oportunismo e a falta de escrúpulos duma sociedade que tende a degradar-se se não a colocarem na devida ordem.

Vai longe o tempo em que determinados cidadãos, ganhando força por via da relação privilegiada mantida com gente chegada ao poder, tentavam intimidar ameaçando, “vou-me queixar ao Sindika!”. Ainda me rio das expressões, do modo abusivo como os aproveitadores utilizavam o nome do falecido coleccionador de arte, genro do também falecido Presidente Dos Santos. O salvador da cultura nacional, para aquela gente falida de senso. Recordo estes episódios com imensa tristeza, com uma melancolia atroz, agora quando surgem na praça dos nossos desencantos novos agentes ameaçadores, que também gostam de fazer queixas aos poderosos da paróquia.

Não decidi ainda a periodicidade dos meus escritos, só sei que visitarão os meus leitores e amigos, como sempre os habituei, aos domingos e à hora do matabicho.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2024

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