Por uma construção social criativa e sustentável Pro-Futuro

Em África é frequente o recurso ao paradigma da vitimização devido a “fatalidades” como o colonialismo, a escravatura e o apartheid, impostos por forças exógenas, sem escape, des-responsabilizando o continente e os seus povos pelos erros de hoje com base no sofrimento e dependência do passado, omitindo as suas responsabilidades.

Cesaltina Abreu*

Apesar das sucessivas crises do sistema capitalista, da grande recessão em 1930 às mais recentes, pós 1978, nada tem sido feito no sentido de dar conta das suas duas principais contradições: a exploração das pessoas e da Natureza, os integrantes mais importantes do processo de produção. Em lugar da promessa da modernidade, do progresso para todos, o que tem vindo a ser produzido, reproduzido, distribuído e consumido, é o desencaixe e a destruição dos meios culturais e materiais que sustentaram as civilizações humanas. 

As mudanças em curso resultam de um conjunto interconectado de fenómenos, devidos em grande parte a acções humanas, que alteraram o ambiente em praticamente todo o planeta, num ritmo muito acelerado nos últimos tempos. As principais alterações acontecem: 

– na composição da atmosfera;
– na carga de nutrientes da biosfera;
– no clima global, regional e local;
– na distribuição e abundância das espécies;
– na cobertura e utilização da superfície terrestre e na utilização dos recursos marinhos – no tamanho, localização e procura por recursos pela população humana mundial;
– nos seus padrões de governação e de actividade económica. 

Parece haver um entendimento de que a crise que estamos vivendo é mais uma a juntar- se, ou a manifestar-se, no âmbito das crises ambiental, económica, social, geopolítica, institucional e civilizatória. Pablo Sólon (activista ambiental e políticoboliviano) defende, no livro que organizou, que “Alternativas sistêmicas1 refere-se não apenas à superação do capitalismo, mas a estratégias que sejam capazes de enfrentar e superar o patriarcado, o produtivismo-extrativismo e o antropocentrismo”, acrescentando que a diversidade de realidades do planeta requer alternativas diversas. Por isso, o objectivo do livro é o de promover um diálogo construtivo e criativo entre essas diferentes visões. 

Precisamos promover discussões e debates sobre temas ligados à problemática da relação sociedade (tecnociência e cultura) / natureza (ambiente), à necessidade de mudança na economia da era moderna, e nos estilos de vida (em especial nos padrões de consumo) com base numa outra priorização de princípios e de valores. 

O que fazer? Podemos começar pelo entendimento a) das mudanças que estão a acontecer no Planeta Terra, b) de como a acção humana (footprint) está a influenciar essas mudanças e como reduzi-las (ou eliminá-las), c) de que outros modos e estilos de vida podemos adoptar (para alterar as actividades que provocam as mudanças, e como enfrentar / evitar as consequências negativas das mudanças em curso), e d) investir em produção, inovação e criatividade em Sustentabilidade aplicada a todas as dimensões da vida. 

A crise mundial provocada pela pandemia do Covid-19 escancarava questões que precisavam ter sido tidas em conta na resposta à mesma: o mundo estava literalmente parado e a verdadeira causa não era a pandemia. Foi o que causou a pandemia que parou o mundo, e embora se argumente não haver certezas, há dois factores que terão sobremaneira influenciado crises anteriores e esta, também: 

a) a insustentabilidade do modelo de desenvolvimento da globalização, e 

b) a crescente desumanização pelos efeitos agregados do individualismo em todos os domínios e escalas de organização da nossa vida, pessoal, social e entre povos. 

Estes parecem ser dois eixos centrais de reformas políticas, económicas e sociais necessárias, tornadas possíveis pela crise, mas não concretizadas, que pressupõem (já dentro das reformas políticas) uma nova relação Política-Sociedade-Ambiente, mais a valorizada Ciência, para articular conhecimentos, capacidades e experiências de todos na identificação dos desafios e das soluções, e sua contextualização. 

A migração das actividades políticas e económicas do supranacional (a ser reinventado) para o regional e o local, precisa encontrar acolhimento na vida social local, nas redes e formas de solidariedade que, durante a crise, tiveram um papel extraordinário em acudir, de imediato, às necessidades, e conhecem a realidade. A Ciência precisa, também, “descobrir” o local como espaço de excelência para a realização da sua função social, a produção de conhecimento científico, e para os diálogos com outras formas de produção de conhecimento, criando condições para transformar experiências em experimentações e dar resposta aos problemas com soluções localmente adequadas. 

Qualquer que seja a nossa inserção na sociedade – residência, função, vida associativa, comunitária, entre outras -, em algum momento seremos mobilizados a intervir, a expressar opinião e, na melhor das hipóteses, escolher entre alternativas. Ontem, referi que muitas omissões à participação se devem à descrença na capacidade de motivar outros, ao sentimento de não valer a pena, à falta de hábito em participar, ao medo de retaliações por expressar opiniões e tomar posições. Mas há outras razões para o silêncio e a omissão dos cidadãos no espaço de debate público, conquistando-o, expandindo-o, tornando-o plural e democratizando-o. Refiro-me ao Conformismo, ao Coitadismo e ao Vitimismo. 

Em África é frequente o recurso ao paradigma da vitimização devido a “fatalidades” como o colonialismo, a escravatura e o apartheid, impostos por forças exógenas, sem escape, des-responsabilizando o continente e os seus povos pelos erros de hoje com base no sofrimento e dependência do passado, omitindo as suas responsabilidades. 

Passividade, Autopiedade e Vitimização são incompatíveis com o comportamento social que assumiu a primeira linha de defesa contra a pandemia. Precisam ser definitivamente abandonados em nome de uma construção social criativa e sustentável Pro Futuro!

04 Março 2023 

1 Pablo Sólon (org.) 2019. Alternativas sistêmicas: Bem Viver, decrescimento, comuns, ecofeminismo, direitos da Mãe Terra e desglobalização. Elefante Editora 

*Cesaltina Abreu é cientista social. Graduada em Agronomia, com Especialização em Botânica e Protecção de Plantas pelo IAC (International Agricultural Centre), Wageningen, Holanda (1975), detém vários títulos académicos com uma investigação conduzida na intersecção entre a Sociologia Política e o Desenvolvimento Sustentável, na Universidade de Newcastle, no Reino Unido, com o tema “Contribuição das Ciências Sociais para os programas de doutoramento do CESSAF (Centro de Excelência em Ciências para a Sustentabilidade em África)”.Fez mestrado e doutoramento em Sociologia, pelo IUPERJ – Rio de Janeiro, Brasil.

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