POR UM PAÍS PARA TODOS: A ARROGÂNCIA DA GOVERNAÇÃO

Um dos requisitos mais importantes de uma governação eficaz tem a ver com a robustez das suas políticas públicas. A natureza das políticas públicas exige um debate permanente sobre a necessidade da sua avaliação, para que possa cumprir maior pertinência quanto aos resultados esperados. Num século a transbordar de informação, em que o poder reside no conhecimento, é inaceitável que o MPLA ainda não tenha percebido a falência da sua imaginação e da sua objectividade. 

ALEXANDRA SIMEÃO*

Outra coisa que o MPLA também não conseguiu perceber é que em democracia os consensos são como a água benta, mesmo em excesso, não fazem mal a ninguém, antes pelo contrário, consolidam o poder. A opinião pública foi tornada “proscrita” e, de forma ridícula, identificada como “inimiga da paz” e “lúmpen”, por denunciar a precariedade indiscritível de uma pobreza que não pára de crescer. A arrogância do primado “quero, posso e mando” tem sido a responsável pela estagnação do desenvolvimento nacional. 

O déficit de credibilidade, após 48 anos de governação, sem que se tenha resolvido nenhum problema estruturante, é prova de quão moribunda está a agenda das prioridades militantes e quão amordaçados, pela conivência, estão todos os seus comités de especialidade. 

Não há uma única estrutura sentinela da governação a avaliar os recados do povo. Não existe nenhuma estrutura que avalie a competência das políticas públicas. As nomeações e exonerações passaram a ser encaradas como uma “conversa para boi dormir”, numa tentativa de reorientar o foco da atenção popular. 

Já ninguém liga. Os nossos gestores, que desafiam a física e caem para cima, que, não tendo tido nenhum mérito, saltam da cadeira para o banco, deste para algum conselho de administração e dali para a diplomacia. Todos os dias é criada mais uma comissão ministerial, orientada para, de forma expedita, resolver uma maka antiga. De tantas, perdemos a conta, a pertinência e o rasto. 

O actual modelo de governação, apresentado em 2017 como inspirador, não foi capaz de demonstrar perspicácia para “corrigir o que estava mal”, tendo sim conseguido piorar o que estava péssimo. E isso não é a “opinião de dois ou três indivíduos, provavelmente influentes, que não estão de acordo com o Governo”.

É a realidade dos factos. Dos dados. Do recuo. Da morte da diversificação económica. De termos festejado 48 anos de Independência, sem termos conseguido garantir duas refeições por dia a todos os angolanos. Um partido que acha que não precisa de ouvir os outros, não entendeu a diferença entre uma ditadura e uma democracia. E este não é um problema do povo. É, sim, um problema deste partido. 

O músculo da governação, que passou nesta governação de dócil cordeiro a lobo faminto, tem crescido de forma assustadora. O País da intimidação, que foi contrariado no discurso eleitoral de 2017, ganha todos os dias mais espaço. A intenção é esconder o verdadeiro inimigo, que é a fome, o desemprego, a pobreza, a desigualdade social, a ausência de um estado social credível, a conservação de um sistema de educação que deixou de fazer sentido, quando pretende responder aos desafios do século XXI, uma saúde que se vende na imagem, mas que é inconsequente no dia-a-dia dos cidadãos a nível nacional e que aprova uma verba para o COVID-19 (realidade extinta pela OMS como emergência) absurdamente superior à que será atribuída para a malária, que é a principal causa de morte entre nós. Outro poderoso inimigo é o ausente rasgo de inovação e criatividade e, sem ele, o País continuará a andar em círculos. O interesse pessoal da decisão pesa, em muito casos, muito mais do que interesse público. 

Todos os dias somos confrontados com a morte. De pessoas, da competência, da sabedoria, da ética, da liberdade, da participação cidadã, da compaixão, da ciência, do dever, da sanidade mental e da eficiência. Com o aumento da criminalidade, com e sem colarinho branco. Uma governação que nunca foi capaz de construir nenhum tipo de mitigação, para as sucessivas crises económicas, que nos assolam em tempo de paz, predadoras e que deixam um lastro de empobrecimento pessoal e empresarial, responsáveis pelo descalabro económico e social. O Governo tem sido estéril em cumprir o seu papel de pai. Mas, é exímio no cumprimento do seu papel de inquisidor. 

Um País que não construa instituições fortes, credíveis e invioláveis, não tem condições para se desenvolver. É preocupante quando o cidadão tem de provar ao Estado que o documento emitido pelo Estado não é falso. A morte imediata e contundente da corrupção dentro da administração pública é a única forma para garantir a eficácia do sistema e os direitos das pessoas. É preocupante, quando fica a certeza de que há corruptos mais corruptos que outros. A luta contra a corrupção tem de provar a independência do Poder Judicial, que “ninguém é suficientemente pobre para não ser defendido e que ninguém é suficientemente rico e poderoso para não ser julgado”, questão muito valorizada do discurso de campanha pelos eleitores, caso contrário será apenas uma mudança de correlação de forças, mudando apenas o nome das moscas, num ciclo que se repetirá a cada novo governo, onde a vingança e a gula prevalecerão. 

A única mão invisível que desestabiliza, desvirtua e compromete o nosso desenvolvimento é a falta de compromisso da governação, que se tem mostrado incapaz de cumprir as suas promessas, a exemplo das autarquias. É a incapacidade de promover o debate público, no âmbito da criação das políticas públicas que devem ser construídas com o contributo dos beneficiários. E é também o pavio que cada vez se torna mais curto, face às expectativas de uma população muito jovem e sem futuro, que em 2030 se prevê que atinja os 50 milhões, e que ninguém está a olhar para esta realidade, desenhando soluções. 

Estamos todos cansados do excesso dos poderes presidenciais e da arrogância governativa. A acumulação de poderes em Estados frágeis, como o nosso, é sempre um perigo para o Estado Democrático e de Direito. Por isso, não resta outra opção à governação, seja esta ou a próxima, que não seja o seu crescimento em dignidade e em patriotismo, pois só assim pode servir o País sem se servir dele. A Pátria merece um destino melhor. 

*Novo Jornal 28 de Novembro 

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