PERSPECTIVAS DA ECONOMIA ANGOLANA

Tornou-se um Estado capitalista colectivo, mas não criaram alternativas para além do suporte do petróleo e diamantes, e se destruiu o aparelho produtivo nacional existente.

POR: FORTUNA VICENTE 

Para fazer esta abordagem, os factores políticos que dificultaram o desenvolvimento socioeconómico de Angola em 1975, torna-se necessário enunciar as causas pelas quais não foi possível formular de forma consistente uma política de desenvolvimento. Assim, para início de conversa, devemos formular a seguinte questão: que condições particulares se exigem para que o desenvolvimento, transformado em pretensão suprema de uma população, prevaleça sobre interesses de classes e de grupos sociais nas definições políticas básicas? E o que é política de desenvolvimento?

Para seguir na senda do capitalismo bastava seguir a política económica que vinha sendo implementada pelo poder colonial e continuar a repensar a política sociocultural. Doutra forma, havia que efectuar um levantamento sério sobre as condições sociais, políticas e económicas existentes e reprogramá-las para o futuro objectivado. O que se fez? Optou-se pela criação de uma República Popular, com o objectivo de implementar uma democracia popular, em oposição ao capitalismo. Prosseguiu-se uma política de nacionalizações das propriedades de empresários portugueses como forma de se demonstrar que, mudado o curso dos acontecimentos com a independência, havia um novo poder, nacional, que atribuía um novo rumo às políticas. Entretanto, com o país dividido, a invasão de tropas sul-africanas e zairenses, a previsão de uma guerra civil, a maior parte dos esforços se orientavam para estes factores. Havia ainda uma relação difícil e conflituosa com os americanos que apoiavam outro movimento que havia participado na luta armada contra o poder colonial, a FNLA.

Os americanos é que geriam a exploração do petróleo angolano. Ainda havia que desatar esse nó. Como relata o responsável para Angola da agência de espionagem americana, CIA, John Stockwell, “desde 1968 a Gulf estava a tirar 150.000 barris por dia de 120 poços na costa de Cabinda. Pagava 500 milhões de dólares anuais em royalties ao governo colonial em Angola por este petróleo. Tudo isto foi interrompido no Outono de 1975. A 11 de Novembro o MPLA assumiu o controlo do Banco de Angola e do dossier de contratos com a Gulf e… chamou a si o controlo físico dos poços de petróleo de Cabinda”1.

De notar que, com a saída dos colonos de Angola, acompanhados do grosso de quadros angolanos, Angola ficou seriamente deficitária em profissionais para gestão das empresas existentes e, eventualmente, a criar.

Prosseguindo numa política de nacionalizações, o governo apossou-se da terra, do subsolo e territórios agrícolas e urbanos. Como a guerra prosseguiu, na altura contra os dois outros movimentos que houveram lutado contra o exército colonial, a FNLA e a UNITA, integrando mercenários de origens diversas e os exércitos regulares do Zaire e da África do Sul, tornou-se difícil viajar por terra. Assim, foi necessário adquirir aviões para constituir a frota capaz de efectuar as necessárias ligações internacionais e domésticas, já que a frota existente era reduzida e obsoleta.

Como primeiro passo para a satisfação desta necessidade o governo enviou, a 22 de Outubro de 1975, uma delegação que aportou em Washington para “defender a potencial amizade que o MPLA nutria pelos EUA”, mas o departamento de Estado americano enviou um funcionário menor para a receber e sem resposta (STOCKWELL; 205). Entretanto, a TAAG assinou contrato com a BOEING para aquisição de dois aviões 737 e instalação de antenas de controlo para radar do tráfego comercial para os principais aeroportos. “Mas a CIA, o grupo de trabalho e Henry Kissinger não estavam dispostos a permitir a entrega dos novos aviões a jacto americanos a Luanda” (STOCKWELL; 219).

Foi assim que uma delegação da TAAG viajou para Washington para desobstruir a entrega dos aviões. “A delegação da TAAG era composta por dois contactos da delegação da CIA em Luanda, com os nomes de código IAMOFFET/1 e IAPORKY/1, que eram cordiais para com a CIA” (STOCKWELL; 219). Mais tarde os aviões acabaram por ser entregues, mas não sem antes ter havido algumas escaramuças e o departamento de Estado dos EUA ter feito chegar à delegação angolana uma mensagem de pressão para o alinhamento de Angola com os EUA.

Foi neste quadro de instabilidade que a República Popular de Angola iniciou a sua actividade governativa. Como conseguir o mínimo de estabilidade? Torna-se necessária a abordagem das questões económicas para um melhor entendimento da história. Havia impedimentos para se seguir o rumo do desenvolvimento? Para além da guerra, atrás enunciada, havia uma falta imensa de quadros angolanos. Depois do abandono do país por portugueses e angolanos que suportavam a economia colonial o país confrontou-se com uma percentagem de iliteracia entre os 85 e 95 por cento. Com a generalização das nacionalizações foram nomeados iletrados para a gestão das empresas e, noutros casos, ocorreram ocupações sem controlo. Ao contrário do que era de esperar, havia poucos governantes que procuravam ter quadros competentes próximo de si para os ajudar a gerir a coisa pública. Estávamos na era do paternalismo populista. O importante era conseguir um exército de “yes man”. E para os dirigentes tratava-se de engrossar as hostes dos seus grupos sociais de interesse. Com este quadro, o que fazer?

ESTRATÉGIAS PARA O DESENVOLVIMENTO

Dos grupos sociais existentes na altura, o que mais se movimentou para arregimentar pessoal foi o grupo de Lúcio Lara pois os restantes grupos, com maior ou menor força de mobilização, pensando na sua capacidade natural para este fim, não sentiam necessidade de fazê-lo. Excluímos daqui os grupos clandestinos extra MPLA, pois estes tinham estruturas paralelas ao poder.

Comentando a questão “que fazer?”, existia a experiência de produção do período colonial cujos requisitos eram essencialmente económicos, embora com efeitos sociais, políticos e culturais (não podemos descurar a questão política: os colonos tinham de mostrar ao mundo que se importavam com os colonizados). Agora, tratava-se de definir estratégias no labirinto de controvérsias políticas, lutas sociais e experimentações democráticas. De notar que as estratégias de desenvolvimento se deparam com obstáculos políticos, económicos e institucionais. As estratégias são “formulações ideais e práticas, envolvendo grupos sociais, classes sociais, partidos políticos, movimentos sociais, correntes de opinião pública, grupos de pressão. Envolvem empresários (na circunstância, o Estado), operários, sectores de classe média, intelectuais, estudantes, militares e outros” (IANNI 1965)2.

Angola chega à independência comprometida com uma estratégia de desenvolvimento capitalista dependente, ou seja, uma economia primária virada para a exportação, embora tendo em consideração a fixação dos colonos à terra, com a inerente satisfação das suas necessidades, e a situação de guerrilha existente no território.

Depois da independência, mesmo considerando a falta de competências, o Estado poderia ter iniciado a criação de condições económicas para criar empreendimentos produtivos para garantir a sua soberania alimentar, mas, em vez disso, tornou-se um Estado capitalista colectivo, não criou alternativas para além do suporte do petróleo e diamantes, e destruiu o aparelho produtivo nacional existente3. Ao mesmo tempo deveria desenvolver uma estratégia de socialismo nacional. “Muitas vezes o nacionalismo, nas directrizes governamentais, nos programas dos partidos políticos, nas actividades dos movimentos sindicais e noutras esferas da sociedade era um nacionalismo no qual convergiam forças sociais comprometidas com o capitalismo nacional e forças sociais comprometidas com o socialismo nacional”. Neste sentido, o golpe de Estado de 1977 “não só derrota o projecto de capitalismo nacional, mas incute uma séria derrota no projecto de socialismo nacional. Ambos estavam apoiados na hipótese de que o nacionalismo, a nacionalização de empresas estrangeiras, a estatização da economia nacional e outras directrizes e práticas poderiam fortalecer o Estado. Por um lado, poder-se-ia criar normas e melhores condições para a realização capitalista, por outro, poderia significar as condições materiais para a transição para o socialismo.” (IANNI 1965). Mas ambos sofrem um revés incontornável com o golpe de Estado de 19774.

Com o passar do tempo e a resolução dos problemas da guerra, o Estado tem vindo a criar a sua relação com o capital nos âmbitos nacional, regional e mundial. “Aos poucos, tudo é posto em termos de produtividade, lucro e modernização, segundo o modelo estabelecido pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Mundial e pela Organização Mundial do Comércio” (IANNI 1965)5. Actualmente estão criadas condições para uma estratégia de capitalismo transnacional virado para as importações do Ocidente, apesar do suporte das explorações do petróleo, diamante, cobre, demais recursos do subsolo e da grande intervenção chinesa ao nível da criação de infra-estruturas da economia angolana, factor que cede inputs para uma multipolaridade. “Quando o capitalismo transforma amplas áreas do globo em fronteiras de expansão, são muitas as economias que passam a ser denominadas emergentes. Emergem como províncias do capitalismo recentemente globalizado. Desenvolvem-se alianças entre as classes dominantes nativas e estrangeiras, nacionais e transnacionais, que geram ampliando e aprofundando o monopólio do estado pelo capital transnacional, segundo as determinações predominantes do capitalismo globalizado. Esse é o contexto em que a sociedade nacional se transforma numa província da sociedade mundial” (IANNI 1965).

Como país de origem colonial e que oscilou na sua estratégia de desenvolvimento (preservando e fortalecendo funções sociais coloniais, nascidas dos interesses das elites no poder), militares e civis criaram uma comunidade. Possuem a mesma origem social, apesar do desnível de famílias tradicionais, cruzaram o público e o privado em seu proveito, usaram o Estado como utensílio de “preservação da ordem” e o “meio legal” de defesa colectiva em disputas defensivas e ofensivas para conter a “gentinha no seu lugar” (FERNANDES 1982)[6].

Depois do golpe de Estado de Maio de 1977 em Angola, o Estado fortaleceu a ordem social cujo sustentáculo foi a violência sistemática. A sua vocação para a tirania ultrapassou todos os limites do tolerável.

1 STOCKWELL, John. A CIA contra Angola, 217-219. 1979.

2 IANNI, Octávio. Política e revolução social no Brasil. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1965)

3 Até ao nível do ensino, numa reunião com professores, um dirigente (Lúcio Lara) sugeriu que se devesse queimar os livros do ensino do tempo colonial. Note-se que Angola ainda não tinha produção de livros para um ensino que se pretendia novo. Por outro lado, não se poderiam queimar livros de matemática, biologia, etc… Não se devia destruir qualquer tipo de livro, antes fazer o aproveitamento possível.

4 Não devemos esquecer que tudo sucedeu com o apoio directo dos cubanos, não só ao nível militar e político, mas também ao nível da economia e, posteriormente, do ensino.

5 IANNI, Octávio et alii. Política e revolução social no Brasil. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1965.

[6] FERNANDES, Florestan. A ditadura em questão. São Paulo. T. A. Queiroz, 1982.

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