O CAN E O PROGRAMA MAIOR DO MPLA

A independência política, para ser conclusiva, deve ser inclusiva, deve ter uma abrangência interna que tem a ver com os seus principais destinatários.

JOSÉ LUÍS MENDONÇA

Terminou o CAN. A Côte d’Ivoire venceu a Nigéria por duas bolas a uma. A princípio, comecei a torcer pela Nigéria. Pela simples razão de ter visto o nome do estádio ivoiriense, “Alassane Ouattara”. Eu não considero que um homem vivo deva merecer tais honrarias nacionais e também considero em definitivo que um presidente, seja de que país for, está simplesmente a cumprir o seu trabalho aqui na Terra, como qualquer outro cidadão. Eu nunca serei honrado com o meu nome nalgum espaço nobre só porque estou a fazer o meu trabalho. Porque carga de água é que os dirigentes devem ter os seus nomes – alguns ainda em vida – em locais públicos, quando não fizeram mais do que realizar uma tarefa bem remunerada?

Adiante. Assistir o jogo pela televisão valeu o tempo dedicado ao ecrã. Fiquei a saber que o vencedor final vai receber oito milhões de dólares. Angola ganhou um milhão e 300 mil dólares. 

Aqui é o ponto onde entra a preocupação de qualquer angolano com a promessa feita pelo MPLA em 1975, quando afirmou que estava cumprido o programa menor, a independência política e, a partir dessa vitória, lutaria para o alcance do programa maior, a independência económica.

Quase meio século de programa menor, os angolanos não vislumbram, com justa preocupação, no horizonte, uma aproximação da História do país ao programa maior. 

O que nos é dado observar é um equívoco das autoridades angolanas, um equívoco reiterado no tempo, sobre o conceito de independência económica e, sobretudo, sobre os destinatários finais dessa mesma independência material.

Quanto ao conceito, parece fácil juntar a ideia que já se tem de emancipação com a de economia. O primeiro impacto de uma luta por essa emancipação assenta sobre a auto-suficiência alimentar. Ora, Angola importa vinho, refrigerantes, cerveja, enchidos, carne congelada às toneladas, farináceos, alho e cebola e até leguminosas, e mesmo pão, o que, de certa forma, nos afasta da tão propalada independência económica.

Fora este aspecto, que tem a ver com o que levamos às nossas bocas, a economia angolana continua, desde 1975, a pautar-se por uma crónica falta de transparência gestionária. Não há forma nem decisão política de se criarem os mecanismos administrativos capazes de nos dizer, por exemplo, onde vai ser depositado o montante de um milhão e 300 mil dólares que a selecção nacional ganhou no CAN. Vai para o BNA? Fica numa conta da FAF? Que destino vai ser dado a esse valor? Quem vai controlar estes aspectos aqui elencados? O IGAE? O Tribunal de Contas? Terá a Assembleia Nacional algum papel nesse controlo?

Estamos cientes que o aberrante centralismo do aparelho do Estado, pautado pela inação dos poderes legislativo e judicial principalmente em matéria de finanças e economia, com ênfase para o sector do petróleo e diamantes, resulta no adiamento do alcance do programa maior do MPLA, partido que governa Angola desde 1975.

O grande equívoco dos dirigentes angolanos reside na visão limitada do alcance do conceito de independência económica. Na África pós-colonial, independência económica não se limita a uma emancipação da potência colonizadora nem dos poderes externos que comandam a ordem económica internacional. Independência económica tem também um alcance endógeno, uma esfera interna, intrinsecamente ligada à população. 

É nesta esfera que se destaca o terceiro aspecto do alcance desse programa maior: os seus beneficiários principais. Se alguém se desloca, a pé ou de carro, ao bairro que fica por detrás do aeroporto doméstico, se alguém for ao bairro Fubu, se alguém visitar o bairro que se alonga pela via à direita do Grafanil, se alguém entrar pelo Cazenga adentro, ou mesmo sair do asfalto, ali no Rocha Pinto para ir ao mercado do Cantinton, depara-se com um território de caminhos e ruelas de tal forma degradados, com crateras onde só passam motorizadas, e nem mesmo jipes todo o terreno se aventuram. Estas áreas periféricas estão votadas ao sereno abandono dos dirigentes municipais e provinciais. Do Governo central nem vale a apena falar! Dá a impressão que têm nojo dos cidadãos do musseque! 

E quem diz vias terciárias, diz água, luz, saneamento do meio e cuidados de saúde. Quem ficar uma manhã no Hospital Divina Providência, depois da Igreja Tocoísta e tiver de utilizar a casa de banho da secção de Infecciologia, é capaz de vomitar: a casa de banho de um sector tão crítico como a Infecciologia é o principal vector de infecções, pois que a casa de banho pública, onde todos os utentes – doentes com tuberculose, VIH e outras maleitas e acompanhantes –  se misturam, cheira mal, porque não tem água, nem nas torneiras, tão pouco nalgum tambor com a sua jarra plástica pendurada como é uso nas instituições do nosso país.

Se alguém for visitar o Hospital Geral de Luanda, onde a elite nunca vai, depara-se com o fenómeno extraordinário de não haver água disponível para beber. É uma unidade hospitalar pública que não consegue servir um copo de água a um doente!

São estes fenómenos estranhos num país que anualmente exporta milhões de barris de petróleo e milhões de quilates de diamantes, que criam na mente de qualquer analista da coisa pública a sensação de que o curso da independência económica dificilmente vai ser alcançado, mesmo estando já o país a viver quase meio século de emancipação política.

Mesmo esta última, relativa ao programa menor do MPLA, parece ter absorvido, na sua ontologia, o mesmo equívoco da visão estreita e delimitadora do conceito de independência. A independência política, para ser conclusiva, deve ser inclusiva, deve ter uma abrangência interna que tem a ver com os seus principais destinatários. Sem o programa menor completamente atingido, no que diz respeito aos destinatários finais, é possível alcançar o programa maior? 

Um ponto de interrogação para cada angolano reflectir.

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