NOTAS SOLTAS SOBRE MEDIA E ESTRUTURA SOCIAL

Com todo o seu poder de penetração em todos os domínios dos contextos sociopolíticos, económicos e culturais, os media podem ser tanto instrumentos eficazes na educação das pessoas e da sociedade, como podem servir os propósitos da doutrinação…

CESALTINA ABREU 

Neste dia em que o MISA (Instituto de Comunicação Social da África Austral – Angola) realiza uma acção de protesto contra as restrições à liberdade de imprensa e de expressão no país, sob o lema “Erga o Punho”(1), lembrei-me de consultar algumas notas para aulas de Sociologia da Comunicação Social e da ‘Opinião Pública’, disciplina que leccionei no âmbito da opção Sociologia Política e Governação.

Com o avanço da tecnologia, os meios de comunicação social produzem fortes impactos na sociedade actual, que causam constante preocupação: com as suas estruturas tecnológicas, os media impõem o seu enorme fluxo de mensagens ideológicas, causando conformismo e manipulação das massas.

Os aparatos tecnológicos são feitos não para se pensar, mas apenas para operar e viver num activismo no qual é impossível a autonomia e a emancipação.

O mercado actual vive das novas tendências dos produtos culturais. Muitas vezes somos impelidos pela propaganda e as suas mensagens subliminares que nos induzem ao consumo.

Se em termos de tecnologia nunca se ofereceu tanto, em pensamento nunca se reflectiu tão pouco: há grandes mudanças de valores entre as pessoas, na maioria causados pela ‘media’. É função da ‘media’ enaltecer o elevado padrão de consumo da classe dominante, associando a isto a ideia de liberdade e de independência: ou seja, difundindo o consumismo como uma ‘liberdade de escolha do indivíduo’. Além disso, a massificação e a coisificação dos indivíduos, tornam-nos mais facilmente alvos do processo de manipulação e dominação pela indústria cultural, transformando-os em verdadeiros consumidores desta indústria.

Se a ‘media’ se volta quase exclusivamente para o lazer e o entretenimento, é porque os meios de comunicação, sobretudo, a TV, têm a função de gerar uma atitude conformista e dócil nas pessoas. Os diversos veículos de comunicação são monopólios ideológicos regidos apenas pela lógica do negócio, com o intuito de dominar e domesticar as massas.

Em geral, a ‘media’ impõe um estereótipo de beleza, de educação, de cultura, de justiça, etc. Essas influências são, quase sempre, negativas, pois muitos indivíduos esforçam-se e submetem-se para serem enquadrados nos padrões impostos pela indústria cultural. Com isso, gera-se uma alienação das pessoas perante os media, porque estes colocam-se acima e contra as pessoas, transformando o ser humano num ser embrutecido e alienado.

O paradoxo da nossa época: de um lado a massificação, do outro o desenvolvimento tecnológico a dividir (separar) e individualizar as pessoas: essa “igualdade”, essa colectivização e esse “sentir-se” parte do “todo” é uma imposição ideológica, pois as pessoas na sua essência não podem ser igualadas.

Na TV, e também nos demais media, são passados sensacionalismos, diversão sem conteúdo e sem profundidade; são veiculados entretenimentos que sucumbem às formas legítimas de arte, de cultura, e destroem o conhecimento e o desenvolvimento intelectual das pessoas. Isto porque a ideologia retira a crítica dos indivíduos, levando-os a um estado de comodismo e passividade.

Na fase actual do ‘desenvolvimento’ da humanidade, a maioria das pessoas não é moralmente forte; pelo contrário, no capitalismo tardio a marca registada é a de individualidades fracas.

Por haver consciência dessa situação, existe tanta violência e sadomasoquismo na programação infantil, para habituar as crianças, desde cedo, à ideia de que os mais fortes batem nos mais fracos, exemplificados pelo Tio Patinhas e o Pato Donald criados por Walt Disney(2).

Um erro bastante frequente é o de se pensar que a opinião pública reflecte o pensamento global de uma colectividade. Na verdade, representa um segmento, uma fracção da população total, pois cada categoria, classe ou grupo social tem opiniões diferentes e até conflitante sobre certos assuntos.

Com os modernos veículos de comunicação de massa e por meio de um processo sistémico de propaganda, é possível mudar a opinião pública e criar novas necessidades. Geralmente, o publicitário procura ir ao encontro de — e raramente de encontro — um determinado público com o intuito de aumentar o consumo de um certo produto. A publicidade visa, assim, exacerbar uma necessidade já existente ou criar outras com o fim de aumentar a produção de um dado produto, ou de lançar outro no mercado.

Segundo Chomsky(3), a propaganda representa para a democracia aquilo que o cassetete (isto é, a polícia política) significa para o estado totalitário.

Com todo o seu poder de penetração em todos os domínios dos contextos sociopolíticos, económicos e culturais, os media podem ser tanto instrumentos eficazes na educação das pessoas e da sociedade, como podem servir os propósitos da doutrinação… por isso, precisamos, sim, Erguer o Punho e estar atentos às suas intervenções.

17 Dezembro 2024 

Referências de consulta

(1) A jornada tem por objectivo despertar os jornalistas para uma postura mais enérgica, mais crítica e mais fiscalizadora da acção dos outros poderes instituídos em Angola.

(2) ADORNO. T.W. e HORKHEIMER, M. A indústria cultural: o esclarecimento como mistificação das massas. Dialéctica do Esclarecimento. Tradução Guido de Almeida. RJ: Jorge Zahar Editor, 1985, p.110

(3) A Manipulação do Público 2003(). Noam Chomsky (professor emérito do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), linguista e cientista político) e Edward S. Herman. São Paulo, Editora Futura.

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