A relação população–ambiente–“desenvolvimento” é problemática de vários ângulos, como a concentração populacional e a carga sobre o espaço, o ordenamento do território e a visão de futuro, a relação entre sistemas urbanos e rurais, as questões de integração regional, entre outras…
Na sequência da interrogação “Que Mundo é Este?” (a mesma frase que serve de título ao livro de Judith Butler, 2022), a pergunta/grito de revolta de todos quantos acreditam que um outro mundo é possível e não desistiram de lutar por ele, centro a análise de hoje na conflituosa e irracional relação que “os humanos” teimosamente procuram manter com o Ambiente.
Apesar das sucessivas crises do sistema capitalista, da grande recessão em 1930 às mais recentes, pós 1978, nada tem sido feito no sentido de dar conta das suas duas principais contradições: a exploração das pessoas, e da Natureza, os integrantes mais importantes do processo de produção. Em lugar da promessa da modernidade, enquanto progresso para todos, o que tem vindo a ser produzido, reproduzido, distribuído e consumido, é o desencaixe e a destruição dos meios culturais e materiais que sustentaram as civilizações humanas.
As mudanças em curso resultam de um conjunto interconectado de fenómenos, devidos em grande parte a acções humanas, que alteraram o ambiente em praticamente todo o planeta, num ritmo muito acelerado nas últimas décadas. As principais alterações acontecem: na composição da atmosfera; na carga de nutrientes da biosfera; no clima global, regional e local; na distribuição e abundância das espécies; na cobertura e utilização da superfície terrestre; na utilização dos recursos marinhos; no tamanho, distribuição e procura por recursos por parte da população humana a nível mundial; nos seus padrões de governação e de actividade económica.
Parece haver um entendimento de que a recente crise provocada pela Covid-19 é mais uma a juntar-se, ou a manifestar-se, no âmbito das crises ambiental, económica, social, geopolítica, institucional e civilizatória. Pablo Sólon (activista ambiental e político boliviano) defende, no livro que organizou, que “Alternativas sistêmicas (1) refere-se não apenas à superação do capitalismo, mas a estratégias que sejam capazes de enfrentar e superar o patriarcado, o produtivismo-extrativismo e o antropocentrismo”, acrescentando que a diversidade de realidades do planeta requer alternativas diversas. Por isso, o objectivo do livro é o de promover um diálogo construtivo e criativo entre essas diferentes visões.
Precisamos promover discussões e debates sobre temas ligados à problemática da relação sociedade (tecnociência e cultura) / natureza (ambiente), à necessidade de mudança na economia da era moderna, e nos estilos de vida (em especial nos padrões de consumo) com base numa outra priorização de princípios e de valores.
O que fazer? Podemos começar pelo entendimento: a) das mudanças que estão a acontecer no Planeta Terra; b) de como a acção humana (footprint) está a influenciar essas mudanças e como reduzi-las (ou eliminá-las); c) de que outros modos e estilos de vida podemos adoptar (para alterar as actividades que provocam as mudanças, e como enfrentar/prevenir as consequências negativas das mudanças em curso), e; d) investir em produção, inovação e criatividade numa perspectiva sustentável e aplicada a todas as dimensões da vida.
Efeitos ambientais na sociedade e na população – principais eixos de discussão
• Adopção de programas / estratégias de desenvolvimento e de opções tecnológicas adequadas aos problemas ambientais, como escassez de recursos, mudanças climáticas, usos/ocupações inapropriadas do solo, entre outras;
• A responsabilidade quanto aos problemas ambientais, presentes e futuros;
• O modelo de “desenvolvimento” baseado na modernização (leia-se ocidentalização) promovendo uma crescente desigualdade social entre regiões, entre países e dentro dos países;
• A participação política crescente nas questões ambientais por parte da cidadania pressionando no sentido da regulamentação e do cumprimento efectivo das decisões e actividades relacionadas com o ambiente.
Os Problemas ambientais são de 2 tipos:
a) Globais – perda da biodiversidade, efeito estufa, buraco na camada de ozónio, entre outros
b) Regionais ou Locais – relacionados com “desenvolvimento” versus Desigualdade/Pobreza, com a escassez/o esgotamento de recursos naturais como água, terra, fontes de combustíveis, etc…
A relação população–ambiente–“desenvolvimento” é problemática de vários ângulos, como a concentração populacional e a carga sobre o espaço, o ordenamento do território e a visão de futuro, a relação entre sistemas urbanos e rurais, as questões de integração regional, entre outras…
Não há critérios para avaliar e estabelecer o grau de responsabilidade dos países nos problemas ambientais devido à diversidade de modelos de produção e de consumo existentes.
Importa considerar os discursos das potencias industriais, mais poluidoras, mais produtoras de lixo e de desperdício, e com comportamentos mais predadores, responsabilizando os países ditos “em desenvolvimento” pelos problemas relacionados com o crescimento demográfico e a pobreza, como o desmatamento, a desertificação, a escassez de água vsenchentes, inundações, deslizamentos, entre outros.
Importa também lembrar que, na contramão, não se abordam os muitos problemas derivados da “civilização industrial” e os seus padrões de produção e de consumo, da “modernização” como expansão do capital através do crescimento económico com base na extração de recursos naturais, e da implantação de indústrias poluentes e de alto risco sem considerar impactos sociais e ambientais (saúde, esgotamento de recursos, etc…).
A redistribuição de indústrias pelo mundo, a que se vem assistindo, pode ser interpretada como resultado da implementação de leis ambientais mais rigorosas nos países industrializados, complementadas por factores como redução dos custos de mão-de-obra e matérias-primas, bem como incentivos fiscais “oferecidos” pelos governos de países “atrasados”, para além da sua legislação mais “flexível” e “acolhedora”.
A projeção do FUTURO (do AMBIENTE e NOSSO) depende da evolução de 2 factores:
a) O grau de incorporação dos PMD (países menos desenvolvidos) aos padrões de produção e consumo das sociedades industrializadas;
b) Ritmo de desenvolvimento e adopção de tecnologias mais adequadas ao bem-estar ambiental.
“O ‘ambiente’ é onde nós vivemos; ‘desenvolvimento’ é o que todos nós fazemos na tentativa de melhorar a nossa quota-parte no âmbito dessa residência. Os dois são inseparáveis.”
The Brundtland Commission report Our Common Future, 1987
(adaptação livre de TA)
28.02.2024
(1) Pablo Sólon (org.) 2019. Alternativas sistêmicas: Bem Viver, decrescimento, comuns, ecofeminismo,direitos da Mãe Terra e desglobalização. Elefante Editora