MIHAELA NETO WEBBA E AS MULHERES DA ERA DO PODER LOURENCISTA

Foram escolhidas em primeiro lugar pela sua fidelidade ao regime político, às políticas de captura do Estado, de protecção do Partido-Estado e à política de tratamento desigual de que são vítimas os cidadãos, quer como indivíduos quer como organizações político-partidárias.

Decorria já o mês de Março, a nível nacional e internacional dedicado a mulher, e arrojamo-nos na formulação de quatro perguntas à quatro mulheres angolanas: 

1. O que ganhou a nossa política e a governação de forma geral, com a integração de mais mulheres, ao abrigo do princípio do equilíbrio do género?

2. Há, de facto, uma abordagem diferente em torno dos assuntos, particularmente de âmbito social, tendo em conta o sentimento maternal e afectivo que caracteriza a mulher, como fonte geradora de vida?

3. Sente que com esse equilíbrio e até pelo facto de se ter uma mulher na vice-presidência da República, uma mulher na presidência da Assembleia Nacional, outra no Tribunal Constitucional, num ministério de Estado para a Área Social, em nove ministérios (Finanças, Saúde, Administração Pública, Educação, Ensino Superior, Pescas, Acção Social, Ambiente) e outros departamentos para além daquelas na liderança e co-liderança de partidos, a abordagem dos assuntos melhorou, se comparado com anos anteriores de predominância masculina?

4. O que esperava mais delas (se é que esperava) como intervenção política, administrativa, cultural, desportiva e social?

Depois da incursão de Cesaltina Abreu, académica e defensora de causas sociais, a nossa convidada neste segundo round é Mihaela Neto Webba, uma jurista com mestrado em Direito, especialidade em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal), política, também ligada a academia, deputada e terceira vice-presidente do Grupo Parlamentar da UNITA.

Naturalmente que é bonito, soa bem observarmos mais mulheres nos postos de decisão, mas isso não deve ser feito com o objectivo primário de colorir nem para enfeitar ou cumprir quotas.

Eis as suas respostas sobre a primeira pergunta, “o que ganhou a nossa política e a governação de forma geral, com a integração de mais mulheres, ao abrigo do princípio do equilíbrio do género?

De um modo geral, a política angolana e a governação em particular, pouco ou nada ganharam com a integração de mais mulheres. O chamado princípio do equilíbrio do género, não é mais do que uma das manifestações do princípio da igualdade, consagrado no artigo 23º da nossa Constituição. A igualdade, para ser igualdade, tem de ser plena. Igualdade de género sem igualdade de oportunidades, não é igualdade. Igualdade de género sem igualdade de etnias ou de raças, não é igualdade. Igualdade de género, sem igualdade em função do local do nascimento, condição econômica ou social, também não é igualdade. A igualdade é, antes de mais e acima de tudo, uma questão de atitude, uma questão cultural. Ela não pode ser meramente formal, aparente ou exterior. Tem de ser substancial, tem de vir do íntimo do indivíduo. Tem de ser baseada no mérito, no conhecimento e nas capacidades da pessoa e no respeito absoluto pela supremacia da Constituição. Não pode ser isolada ou desprendida do contexto e do seu conteúdo material. Naturalmente que é bonito, soa bem observarmos mais mulheres nos postos de decisão, mas isso não deve ser feito com o objectivo primário de colorir nem para enfeitar ou cumprir quotas. As mulheres devem ser tratadas como pessoas iguais, com capacidades iguais se as tiverem. E para tal, as mulheres devem primeiramente emancipar-se, pensarem pelas suas próprias cabeças, rejeitarem os paternalismos e as quotas sem o conteúdo do mérito ou da competência. Só deveriam aceitar desempenhar certos cargos se se sentissem capazes de os fazer por mérito próprio, com a devida autoridade e dignidade. 

Já ultrapassamos a fase da menoridade. Portanto, espera-se de todos um comportamento mais adulto. Assim como a ascensão do homem negro ao exercício do poder político e administrativo nos países africanos, não significou necessariamente a melhoria das condições de vida dos povos africanos antes oprimidos pelo colonialismo, nem o respeito pela dignidade da pessoa humana ou mesmo pelo princípio da igualdade, assim também a ascensão da mulher ao exercício do poder público “como igual ao homem” não tem tido qualquer impacto positivo na consolidação do Estado de Direito e na boa governação do País. A mulher está tão envolvida na má governação, na violação dos direitos humanos e na corrupção quanto os homens. A questão de fundo não é o equilíbrio do género, mas o equilíbrio dos interesses plurais e diferentes em presença, o tratamento igual do que é desigual, no plano político, económico e cultural.  

O homem rouba, a mulher também rouba. Já ouvi nos corredores do Parlamento uma mulher dizer em voz alta, “eu mato”.

Sobre se “há, de facto, uma abordagem diferente em torno dos assuntos, particularmente de âmbito social, tendo em conta o sentimento maternal e afectivo que caracteriza a mulher, como fonte geradora de vida”, a minha resposta é negativa.  Não há, em torno dos diferentes assuntos de âmbito social, uma abordagem diferente pelo facto de haver mais mulheres na vida pública. Infelizmente, a presença da mulher na vida pública ainda não significa mais sensibilidade para com as questões sociais. Porque a questão não é apenas de sensibilidade, é de democracia, igualdade, respeito pela Constituição, autoridade. Vejamos um exemplo: Quem detém a pasta da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social, é uma mulher, uma mãe. Ela sabe que nenhuma mãe pode sobreviver em Luanda com um salário de Kz. 50.000.00. Mas que poderes tem ela para subir o salário da Função Pública? Que autoridade tem a ministra das Finanças para bloquear os contratos que o Senhor Presidente da República assina e que ela sabe que não observaram o disposto na Lei da Contratação Pública? Que autoridade tem ela para chamar a atenção ou parar com o endividamento que viola a Lei da Sustentabilidade das Finanças Públicas? Que autoridade tem a ministra da Saúde para mandar investigar os cartéis e outros interesses lesivos ao Estado que ela sabe existirem no seu pelouro? 

Por outro lado, as mulheres não são santas. Já crescemos o bastante como comunidade política para percebermos que a bondade e a maldade residem no ser humano, homem ou mulher. O homem ama, a mulher também ama. O homem mata, a mulher também mata. O homem rouba, a mulher também rouba. Já ouvi nos corredores do Parlamento uma mulher dizer em voz alta, “eu mato”. Eu trato as pessoas primeiro e acima de tudo como seres humanos. Sem falsas reverências nem paternalismos. 

Colocar uma mulher em postos importantes de decisão e não lhe permitir agir com a devida liberdade e independência, nos termos da Constituição e da Lei, é um engano, um teatro, uma desconsideração pela dignidade humana.

Sobre a questão se “pelo facto de se ter uma mulher na vice-presidência da República, na presidência da Assembleia Nacional, no Tribunal Constitucional, em vários ministérios e outros departamentos para além de na liderança e co-liderança de partidos, a abordagem dos assuntos melhorou, comparado com anos anteriores de predominância masculina”, aqui também a minha resposta é negativa. O facto de haver agora mais mulheres em termos quantitativos em cargos governamentais, como juízes nos Tribunais Superiores, na Assembleia Nacional ou na Presidência da República, não trouxe benefícios ao país. Nem esperava que trouxesse, porque nunca me deixei enganar pelas distorções que certas forças fazem da luta da humanidade pela igualdade. Colocar uma mulher em postos importantes de decisão e não lhe permitir agir com a devida liberdade e independência, nos termos da Constituição e da Lei, é um engano, um teatro, uma desconsideração pela dignidade humana. Nem as mulheres deviam aceitar isso. Ninguém deveria aceitar ocupar um cargo público se souber que não está qualificada para tal ou se se aperceber que lhe oferecem o cargo só por ser mulher. Deve aceitar o cargo, sim, se se sentir capaz de o desempenhar com competência, integridade e por mérito próprio. Não pode aceitar o cargo e depois ficar refém de quem a nomeou.

O que se espera da senhora Presidente do Tribunal Constitucional, por exemplo, é que tenha a capacidade de agir sempre no respeito pelos princípios da independência, da separação de poderes e interdependência de funções, e, acima de tudo, no respeito pela supremacia da Constituição e da legalidade. Espera-se o mesmo da senhora Presidente da Assembleia Nacional. E creio que muito têm feito para assim agirem e nunca perderem a capacidade de diálogo institucional em igualdade. Porque no dia em que se deixarem confundir com os auxiliares do Titular do Poder Executivo, a República empobrece. Os titulares dos órgãos de soberania não são subordinados do Presidente da República. 

As mulheres devem abrir os olhos. São a maioria, há quem precisa do seu voto e para tê-lo, decidiu oferecer-lhe a aparência de que têm poder.

O que esperava mais delas (se é que esperava) como intervenção política, administrativa, cultural, desportiva e social?

Sinceramente, não esperava mais das mulheres que ocupam altos cargos públicos. E porquê? Porque elas não foram escolhidas em razão da sua capacidade de fazer diferente. Acredito que foram escolhidas em primeiro lugar pela sua fidelidade ao regime político, às políticas de captura do Estado, de protecção do Partido-Estado e à política de tratamento desigual de que são vítimas os cidadãos, quer como indivíduos quer como organizações político-partidárias. Estas mulheres são parte integrante de uma máquina repressiva que atenta contra o republicanismo e contra a Constituição que o consagra. Não vão agir diferente por serem mulheres. Salvo raras excepções que se começam a observar, elas defendem o sistema que afronta a Constituição, não obstante a utilizarem como instrumento de manutenção do poder.

Não tenhamos ilusões: a questão de fundo não é a igualdade do género, mas sim a igualdade política de todos perante a Constituição e a Lei. Igualdade na substância, e não na aparência. A situação é idêntica ao tempo em que o colonialismo promovia o preto indígena para certos lugares de relevo na Administração Pública: Sipaio ou chefe do posto, por exemplo. Não para melhor servir o seu irmão negro, aliviá-lo das violações dos direitos humanos de que eram vítimas, mas para melhor servirem o sistema. Os sipaios eram negros, sim, mas primeiramente agentes do sistema, agentes da repressão e da discriminação. Por serem negros, não tinham mais sensibilidade para com os negros, não senhor. Aliás, às vezes eram mais insensíveis para com seus patrícios negros. De igual modo, o facto de termos uma mulher no Governo ou na Assembleia Nacional, não significa que os direitos e liberdades das zungueiras passarão a ser respeitados e protegidos; que os salários das mulheres por trabalho igual passará a ser igual ao dos homens. Não necessariamente. As mulheres devem abrir os olhos. São a maioria, há quem precisa do seu voto e para tê-lo, decidiu oferecer-lhe a aparência de que têm poder. 

Portanto, a chamada igualdade ou equilíbrio do género só significará igualdade no sentido constitucional e pleno do termo se, no plano material, for acompanhada do respeito por outras dimensões do princípio da igualdade. Isto passa pela despartidarização das mentes e do Estado e pela afirmação e respeito dos princípios constitucionais por todos.

One Comment
  1. M. Webba já nos habituou as suas dissertações e argumentação assertiva. Pouco ou nada a acrescentar. Ganha em ler a entrevista, quem quiser crescer ” no seu Genero ” seja ele qual for. Mulher não tem que ser empoderada. Tem que se auto empoderar através de trabalho de capacitação e superação constante no contexto hostil ( que não é necessáriamente apenas pelo masculino ) Há mulheres em todos os escalões sociais e de poder com caracteristicas bem mais patriarcais que os homens. É necessario caminhar junto e vencer outros preconceitos que sabemos que existem, assim como o grande handicap que é o vicio da hiperssexualizacao das relações de trabalho onde o assunto “assedio” é bilateral.
    Procuremos atitude sim, para provar o nosso conteúdo.

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