A gente não nota quando a imprensa é livre. Mas sabe muito bem quando não é.
Anónimo
JAcQUEs TOU AQUI!
Mais um início de semana marcado pela tristeza. Em Lisboa, no domingo, dia 8, deixou-nos para sempre, o Abílio Neves Pitta-Groz. Partiu o elegante cavalheiro, o amigo do seu amigo, o inimitável “Bibocas”. No dia seguinte, 9 de Maio, na mesma cidade, falecia o engenheiro Henrique Lopes Guerra, nacionalista, artista plástico, poeta e escritor angolano, velho e bom amigo, companheiro de inesquecíveis jornadas. Às famílias enlutadas apresento as minhas sentidas condolências. Que as suas almas descansem em paz!
Saltando para a crónica de hoje, direi que, desde que em Angola, pelos idos de 1992, nos decidimos pelo sistema do multipartidarismo, dando força ao velho sonho da democracia, percebi melhor a importância de se ser livre no uso da palavra. Da dita e/ou da escrita. Para questionar os agentes políticos, nomeadamente os governantes e os opositores. Sempre tive consciência de serem eles os principais destinatários dos nossos anseios. Na verdade, os grandes protagonistas externos dos filmes das nossas vidas, os que estão sempre presentes (ou ausentes) em momentos marcantes da nossa existência.
Com a verdade e a coerência a guiarem-me, venho insistindo na pretensão de esclarecer factos que ao longo dos anos se mostram obscuros para mim, e para a maioria dos angolanos. Vou, com esse propósito, norteando os meus já inseguros passos, numas caminhadas pelas ruas da integridade moral. A despeito do que ouço com frequência dos “resignados da vida”, vou caminhando, não me importando que falem da perda de tempo, dos “tipos” que não mudam, enfim, do destino de vivermos uma eternidade com esse maldito sistema, etc. e tal, coisas próprias dos que não pretendem ter mais chatices. Nada desses argumentos me fazem mudar de opinião relativamente a uma atitude passiva que não consigo ter.
Ao celebrar-se há dias o 3 de Maio, o chamado “Dia Mundial da Liberdade de Imprensa”, fui um dos que se associou à celebração universal que enaltece o empenhamento da gente a marcar posição de força em prol da consolidação de sociedades livres e, portanto, mais justas para nosso mundo. Jornalistas ou não, têm usado bem a palavra, dita ou escrita, no nosso país e noutras paragens.
Essa força não parte apenas dos sentimentos e do bom senso das pessoas, mas também do melhor uso que elas possam fazer da palavra. Falando ou escrevendo. Efectivamente, usando-a bem, tornam-se úteis ao desenvolvimento da sociedade onde se inserem. Melhoram, sobretudo, a convivência entre as pessoas. Podem fazê-lo em vários domínios e em muitas circunstâncias. Por exemplo, no combate à corrupção (essa luta digna quando é levada a sério); uma luta tão propalada entre nós mas que, infelizmente, fracassa na maior parte dos casos investigados. Por via do “faz de conta” que conhecemos bem.
O cidadão sem receio de falar, é grande aliado da sociedade. Ajuda a desmascarar práticas nocivas para as comunidades. A dita cuja corrupção e os seus apêndices, o peculato e o nepotismo, os “esquemas” institucionais, a ausência de fiscalização no aparelho governativo, os diversos tipos de compadrios com partidos políticos e com a justiça. Em suma, pode ser útil ao impedirem os servidores do Estado de dormitarem à sombra das suas euforias balofas; ao denunciarem nefastas atitudes que lhes vão permitindo verem-se a flutuar, à custa do erário público e do sacrifício dos contribuintes, em enormes balões multicoloridos, cheios de um oxigénio raro que os levam a cruzar os céus da sua ambição, em loucas exibições, face ao suposto poder que detêm sobre os seus concidadãos.
Repito, chamem-me o que quiserem. Não me obriguem é a ser do contra nesta maka. Sempre defendi que qualquer angolano que se preze, não deve resguardar-se em receios e silêncios, em casos que Angola seja claramente lesada. Existe uma extensa lista de mediáticos processos envolvidos no Dossiê Corrupção, iniciados e suspensos, falados e nunca mais avançados (são paradigmáticos os casos do BPC e do antigo BESA, para além dos imbróglios do INSS), para citar apenas alguns.
Admito que não seja fácil tomarem-se decisões contra gente considerada, contra amigos e parentes envolvidos. É difícil olvidar-se o respeito que se sente por pessoas que nos fizeram bem. Atitudes dessa natureza colocam alguns indivíduos em situações delicadas, o que tem que ser entendido. Mas a verdade é que, por essa razão e por outras, o país e a população vulnerável, bem como a imagem do Estado, são seriamente prejudicados. A pouca seriedade colocada na tal luta (pública e notória) combinada com a existência de fortes laços familiares, de amizades, afinidades, com as estreitas relações alimentadas por um passado pouco digno da maioria das figuras públicas do país, umas já atingidas pelo escândalo e outras suspeitas do grande mal, são factores importantes do actual estado de coisas. As situações podem justificar-se pelos incidentes e consequências do longo período de guerra que nos atingiu e permitiu que os actos inescrupulosos ocorressem livremente. Mas a verdade é que os casos não podem ser esquecidos, dada a sua gravidade. Poderia até ser admitida a “mea culpa” dos prevaricadores, revestida de uma certa dignidade. Assim como estamos, com os culpados a quererem ser inocentes, vai-se envergonhando cada vez mais o país e condicionando o andamento eficaz da luta contra a corrupção. No meu modesto ponto de vista, acima de todos esses sentimentos vinculativos, deveriam prevalecer os da consciência, da coragem e da dignidade, do civismo, enfim, desses valores nobres e éticos que dignificam as pessoas.
Nessas situações, o cidadão íntegro que se distancie dessa desvantagem, tem todas as possibilidades de, no uso da palavra dita ou escrita, servir o seu país, podendo, em primeira instância, alinhar com os protagonistas da oposição parlamentar ou seja, os deputados dos grupos opositores do (s) partido (s) da situação. Porém, no nosso país e por razões sobejamente conhecidas, existem uma série ilimitada de impedimentos. Inicio a contagem pelo próprio comportamento dos deputados da oposição, nem sempre consentâneo com as suas responsabilidades cívicas. Depois de saltar muitas barreiras, chego ao eterno cavalo de batalha, os órgãos de comunicação. A vergonhosa actuação da comunicação social estatal (imprensa, rádio e televisão), a que atinge com maior abrangência o território nacional, que não dá visibilidade aos gestos da oposição. Acrescente-se ainda a circunstância de se saber que em Angola, falar-se em Comissões Parlamentares de Inquérito conduzidas pelo Poder Legislativo, é pura brincadeira. Uma quimera que desmonta estrondosamente o logro no qual se acoita o pretenso Estado Democrático e de Direito, embandeirado por um Partido e um Governo que têm da democracia ideia completamente distorcida. Não gostaria de utilizar termos tão fortes, mas essa é a realidade que estamos com ela.
Chegado a este ponto, talvez venha a propósito dizer que as duas primeiras semanas que marcaram o meu regresso à narrativa de factos foram dedicadas a “bater” no Governo, no MPLA e nos seus dirigentes. Claro que não foi com prazer que o fiz. Pairou até uma certa aura de masoquismo a envolver-me, era como se estivesse a fustigar-me a mim próprio. A “surra”, bem ou mal dada, resultou, sobretudo, da necessidade requisitada pela minha consciência, enquanto cidadão. Se justamente aplicada ou não, o público, os cidadãos, terão sempre a última palavra, aplaudindo ou condenando o meu discurso.
Na República de Angola, é normal fazerem-se certas perguntas em surdina. Ouvem-se e lêem-se poucas palavras de quem tem opinião. Fica muito difícil dar respostas a algumas delas. Que funções devem desempenhar os deputados numa democracia? E numa “democracia” à angolana? Quais devem ser as suas prerrogativas e quais são os seus limites?
Rendilho o texto para dizer, de acordo com o que rezam as cartilhas, que as democracias modernas assentam no pluralismo político. O objectivo principal da democracia é o de promover um debate político de qualidade entre as diversas opções políticas existentes.
Faltará apenas frisar que entre nós, a ausência notada de ideologia no MPLA não indica que a oposição tenha definido claramente a linha política por que se rege.
Por hoje chega. Não quero cair em banalidades sobre a incompetência deste ou daquele governante ou sobre a trivialidade da acção da oposição. Espero que uns e outros possam pensar mais seriamente na vida dos angolanos. É para isso que serve a liberdade da palavra. Em boa hora ela chegou a nós. Afinal, nem tudo é mau na nossa terra.
Prezados leitores, até domingo próximo, à hora do matabicho.
Lisboa, 14 de Maio de 2023