Governo entrega ossadas de dirigentes da UNITA

Após 29 anos de indefinições, o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, por via da Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação das Vítimas de Conflitos (CIVICOP) representado por Francisco Queiroz, titular da pasta, procedeu hoje (segunda-feira, 15) a entrega dos restos mortais de Adolosi Paulo Alicerces Mango, então secretário-geral da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e de Salupeto Pena, representante desse partido na Comissão Conjunta Político-Militar e sobrinho de Jonas Savimbi, mortos durante os confrontos pós-eleitorais de 1992, em Luanda.

O acto, que decorreu nas instalações do Laboratório Central de Criminalística de Luanda, contou com as presenças da ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, do Interior, Eugénio Laborinho, pelo presidente da UNITA, Isaías Samakuva, e pelos familiares das vítimas.

Ao intervir em nome do Governo, o ministro Francisco Queiroz começou por realçar que agora, “é hora de reparar esse erro, de perdoar e de nos reconciliarmos, sem perguntarmos quem provocou o erro, de quem foi a culpa”, considerando que, “o momento é de homenagear a memória dos que pereceram, sem olhar para o lado do conflito em que se encontravam quando perderam a vida”.

Contudo, considerou também que “é de mudança de comportamentos e atitudes”, clamando para que se ponha fim aos “erros políticos trágicos” e aos “actos de irresponsabilidade política, que podem redundar em violência e provocar sofrimento ao povo”.

“Chega de ver as diferenças como males a combater e a abater. Chega de desrespeitar os que querem viver em paz e cumprir as suas obrigações cívicas e patrióticas com liberdade. Chega de desrespeitar a memória dos que perderam a vida vitimados pela insensatez dos erros políticos”, disse com elevada entoação Francisco Queiroz, que é igualmente coordenador do CIVICOP.

Francisco Queiroz desejou que as pessoas que morreram vítimas de conflitos políticos, conhecidos e não conhecidos, identificados e anónimos, não tenham sido perdidas em vão, definindo que o momento é “de aprender com os erros”, ainda em tempo de os reparar.

“A nossa memória deve registar os erros políticos trágicos e lembrar-se deles. Esses erros não podem ser esquecidos, porque constituirão um alerta permanente para impedir que se repitam. Devemos recordar os erros políticos como marcos da nossa história que não queremos vivenciar jamais”, disse Francisco Queiroz.

O ministro informou que, oportunamente, será feita também a entrega das ossadas de Jeremias Chitunda e de Eliseu Chimbili, dirigentes da UNITA, bem como de vítimas resultantes do conflito de 27 de Maio, data conhecida na história do país como a suposta tentativa de um golpe de Estado liderada pelo dirigente do MPLA Nito Alves, em 1977.

De acordo com Francisco Queiroz, esta ação tem sido possível “graças aos fortes investimentos realizados em especialistas nacionais e estrangeiros, tecnologia, condições de trabalho e de logística”.

Para o efeito, apelou às famílias que se apresentem à CIVICOP para a recolha de material genético para exames de ADN, alertando que se trata de “um gesto de inequívoco comprometimento com a reconciliação e o perdão”.

“É doloroso ver os angolanos desavindos”

Entretanto, indagado pela comunicação social, Isaías Samakuva, de novo na liderança da UNITA na sequência de uma decisão do Tribunal Constitucional que ditou o afastamento de Adalberto da Costa Júnior, eleito no XIII Congresso, em 2019, declarou que o acto teve um significado “bastante profundo, de reconciliação e de perdão”.

Isaías Samakuva considerou ainda importante que, gestos desta natureza, não só se repitam, por haver muitos casos no país, mas que sirvam também de reflexão para todos os cidadãos nacionais, porque “é doloroso ver os angolanos desavindos a ponto mesmo de não se identificarem como nacionalistas ou como nacionais, como angolanos” porque há uma elevada preponderância pela identificação “pela cor do seu partido, pela filiação do seu partido”.

“Creio que estamos na hora de passar por cima disso”, acrescentou Isaías Samakuva, “de aprendermos com as lições do passado e também começarmos a ver-nos como filhos da mesma pátria, criar unidade entre nós e trabalharmos para o desenvolvimento do nosso país, consolidação da paz e que a estabilidade reine no nosso país”.

Segundo o líder da UNITA, actos desta natureza vêm reforçar a pacificação de espírito dos angolanos, não fazendo sentido presenciar um acto desta natureza e continuar “a andar em problemas, em contradições, insultos e abusos”.

“Temos de pegar no passado e fazê-lo como uma escola, que nos deixou lições amargas, dolorosas, que devem ser ultrapassadas”, salientou.

Isaías Samakuva corroborou com a posição do Governo, que defende que se deve esquecer o passado, e que não se procure culpados nessa altura. “Eu acho que sim, porque se nós hoje começarmos a apontar os dedos a um ou a outro, nunca sairemos daqui, estaremos a criar situações mais complicadas. Costumo dizer que ao fim e ao cabo, vítimas fomos todos, culpados fomos todos, e responsáveis fomos todos. Portanto, não vale a pena apontar o dedo a este ou àquele. Agora é o momento de olharmos para frente, com coragem e com unidade”, sublinhou.

Preparativos para funerais condignos

A data para o enterro de Adolosi Paulo Alicerces Mango e de Salupeto Pena, não foi ainda definida, estando nesta altura familiares e a direção da UNITA a trabalhar na elaboração de um programa que, de acordo com Isaías Samakuva, será organizado com calma e tranquilidade, e muito brevemente será divulgado.

Um dos familiares que recebeu as ossadas de Salupeto Pena, foi Esteves Pena, seu irmão, que já participou em outros actos de entrega dos restos mortais, casos  do general Ben Ben e do líder fundador da UNITA, Jonas Savimbi.

Para ele, é sempre “doloroso, mas para a reconciliação nós estamos dispostos, que isso seja um exemplo para todos os angolanos, que a reconciliação é necessária”.

Alicerces Mango, primogénito do então secretário-geral da UNITA, expressou que o sentimento é de tristeza e profunda emoção, considerando que já era altura de enterrar o seu pai “com toda a dignidade”. Sabemos que, disse, em África “os mortos só morrem depois de serem sepultados e também o sentimento é de alegria, porque finalmente, depois de 29 anos, houve esta responsabilidade, este cuidado de acautelar esse sentimento profundo das famílias, para nos serem entregues os restos mortais do nosso pai, tio, avô”. 

Alicerces Mango considerou “que já era tempo de a nação angolana se reencontrar para que paremos de exibir as camisolas dos partidos políticos, para que os angolanos possam conviver, viver e partilhar os mesmos momentos”.

Recordamos que a CIVICOP foi criada em 2019 pelo presidente da República, João Lourenço, com objectivo de se dar dignidade a todas as vítimas dos conflitos políticos registados em Angola entre 1975, ano da independência, e 2002, fim da guerra civil no país, e se alcançar o perdão e a reconciliação nacional.

No ano passado, João Lourenço pediu publicamente perdão, em nome do Estado angolano, pelas “execuções sumárias” registadas naquele período, tendo ficado registado para a história a primeira vez, em 44 anos passados, uma homenagem pública às vítimas do 27 de Maio de 1977, que de acordo com dados ainda não oficializados, estão entre os 20 e os 30 mil assassinatos.

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