Garantias Soberanas, o Grupo Carrinho & Companhia…

Se uma empresa é privada e tem necessidade de solicitar um empréstimo para desenvolver o(s) seu(s) projecto(s), para obtenção de um ou mais financiamentos, deverá apresentar garantia(s) legal (legais ) para o efeito, que deve(m) estar directamente relacionadas com o patrimônio privado da entidade privada solicitante.

Por Maria Luísa Abrantes*

Regra geral, as Garantias Soberanas (GS) destinam-se ao sector público e não às operações do sector privado, nem às Parcerias Público Privadas. Em Angola, as Garantias Soberanas começaram por apoiar as Parcerias Público Privadas (PPP), para a construção de infra-estruturas básicas, com a justificação que do meu ponto de vista não colhe, que uma das partes é o Estado.

A Garantia Soberana como contrapartida, não é necessária quando a análise financeira demonstra que o mutuário tem capacidade para apresentar garantias reais de acordo com o(s) projeto(s) que pretende implementar. 

Ninguém deve dar um “passo maior do que a perna”.

Não obstante possamos ler em alguma bibliografia, que as PPP são um fenômeno recente de cerca de 20 anos, a verdade é que elas tiveram início do século V no Egipto, Grécia e Roma, tendo depois caído em desuso, para reaparecerem no século XIV, no Reino Unido e no século XVII em França, para a construção de estradas.

Nos países de língua oficial portuguesa, as PPP começaram por ser utilizadas no Brasil, no século XIX por D. Pedro II, para a construção dos caminhos de ferro. Após a Revolução Francesa, com a defesa do liberalismo, a figura jurídica de PPP desapareceu e voltou a reaparecer nos tempos modernos nos anos 90, no Reino Unido. 

Em Portugal, a ponte Vasco da Gama foi construída pela constituição de uma PPP. No Brasil, foi o Presidente Lula da Silva, que reavivou as  PPP em 2004, utilizando o modelo inglês criado em 1990. O Estado brasileiro e a Odebrecth acordaram constituir uma PPP para construção do Porto Maravilha, na cidade do Rio de Janeiro.  

Em Angola, tivemos antes da independência, uma PPP com o Reino Unido, para a construção e exploração do Caminho de Ferro de Benguela, ainda que por um período exagerado de 90 anos.

Da investigação feita, não consegui apurar que nenhuma dessas PPP tenha ido buscar financiamento no exterior do país com Garantia Soberana, mas, possivelmente, com a sua capacidade financeira, adicionando os contratos com os respectivos Estados, que funcionam como “Cartas de Conforto”. Uma “Carta de Conforto” não deixa de ser uma garantia real, ainda que não sejam uma Garantia Soberana.

A Garantia Soberana implica, desde logo, que a responsabilidade primária pelo ressarcimento da dívida é do Estado, enquanto que a “Carta de Conforto”, apenas permite confortar o credor no sentido de que o Estado pode demorar, mas acabará por pagar sempre (dívida interna/externa) ao seu parceiro (cliente) devedor. 

O interesse do Estado na constituição de uma PPP, é a captação de financiamento de investidores (e não apenas a procura de financiadores) estrangeiros, no sentido de aumentar a margem orçamental “fiscal space” nos anos de investimento.

As PPP destinam-se à construção de infra-estruturas básicas e sociais de responsabilidade estatal, nomeadamente, portos, estradas, pontes, caminhos de ferro, infra-estruturas eólicas e digitais, barragens hidroelétricas, hospitais, escolas, etc…

Nas PPP, os riscos pela execução e muitas vezes pela prestação de serviços temporários, é transferido para o privado, competindo ao Estado focar-se na estratégia da negociação, encabeçada pelo Ministério das Finanças e fiscalizada pelo Tribunal de Contas e na monitorização dos projectos.

Em síntese, as PPP tem como finalidade a melhoria da eficácia da distribuição dos recursos públicos, da incrementação da capacidade do Estado na implementação de investimento público, e na melhoria qualitativa e quantitativa dos serviços, através de ações de fiscalização, que permitam a sua avaliação constante, quer da parte dos utentes, quer da entidade pública.

Se já nas PPP os resultados são díspares, com um maior número de casos de insucesso por exemplo, na Inglaterra, no Canadá, em Portugal e inicialmente na Holanda, uma vez que o Estado ficou a perder, pior se passou com os exemplos de Garantias Soberanas atribuídas arbitrariamente pelo Estado Angolano a privados, nacionais e estrangeiros.

Até à presente data desconhecermos que Garantias Bancárias as entidades privadas escolhidas apresentaram, com o beneplácito ou silêncio do BP do MPLA. De notar, que não encontro registos de casos de parcerias público privadas nos EUA, no Japão, ou nos países asiáticos, mas estou aberta a contribuições.

As PPP devem contribuir para “Value for Money (VfM)”, adicionar  valor à receita púbica e não para agravar o défice orçamental e a dívida pública.

Quando o Estado, nos termos da legislação em vigor, pretende conceder uma garantia, tem de ser apurada para além da dimensão do valor da dívida, quem é (são) o(s) beneficiário(s) (mutuário(s) da garantia a conceder, de que contragarantias (seguros) dispõe e quais as condições do empréstimo a ser tomado. Só assim se pode avaliar o risco de crédito do mutuário, que consiste na probalidade do devedor poder, ou não poder liquidar a dívida contraída em tempo hábil (inadimplência).

Se uma empresa é privada e tem necessidade de solicitar um empréstimo para desenvolver o(s) seu(s) projecto(s), para obtenção de um ou mais financiamentos, deverá apresentar garantia(s) legal (legais ) para o efeito, que deve(m) estar directamente relacionadas com o património privado da entidade privada solicitante.

É imperioso relembrar, que quem tem a obrigação de ressarcir qualquer dívida suportada por uma Garantia Soberana, é unicamente o Estado, por se tratar de uma dívida lançada pelo Tesouro Nacional. É por essa razão que os ministérios das Finanças da maoria dos países, tem o direito de veto. Não confundamos com o direito de voto. É mesmo direito de veto (impedimento).

Em Angola, segundo carta da ministra das Finanças vazada nas redes sociais e não desmentida, o Chefe do Executivo nem sempre solicita o parecer do Ministério das Finanças para contrair algumas despesas não cabimentadas nem aprovadas,  pela Assembleia Nacional. O Ministério das Fianças tem essa legitimidade, porque é o guardião do dinheiro que é pertença de todos os angolanos, e até muito recentemente, tinha um técnico do FMI a trabalhar em Angola, próximo das suas equipas de trabalho. Por outro lado, quer-nos parecer, que os consultores que assessoram a ministra, para além de  pertenceram a empresas de consultoria de testas de ferro de pessoas possivelmente ligadas ao regime, que actuam a partir do exterior, nem sempre têm a experiência necessária. 

Desconhecemos porque razão foi escolhido especificamente o Grupo Carrinho, uma empresa que no passado recente já estava a ser alavancada com o beneplácito do Estado, à semelhança do que aconteceu por exemplo com as empresas de Cimento do Cuanza Sul, a Biocom, a Textang, etc… só para citar as maiores, em que nem os sócios angolanos, nem os estrangeiros (ex. Odebrecht), entraram com nenhum investimento.

Há ainda outros “elefantes brancos” , que pela ganância também ansiavam deter monopólios e faliram, não podendo ressarcir as dívidas, não tendo sido dado conhecimento aos contribuintes se as Garantias Soberanas de avultados valores foram acionadas. Todavia, ficou  provado que as mesmas não possuíam garantias reais para o efeito.

O digníssimo Chefe do Executivo disse e muitos de nós tínhamos acreditado, que era preciso acabar com os monopólios, mas não é o que estamos a ver. 

Já não estamos em período de guerra, nem no pós-guerra. Estamos num período de reconstrução nacional e de necessidade de desenvolvimento econômico e social, numa economia que se diz de mercado.  Não há falta de empreendedores nacionais autóctones ou estrangeiros (residentes cambiais)  no sector  agropecuário e agro-industrial, que já mostraram na prática as suas credenciais e empreendimentos.

O Grupo Carrinho explorava apenas um humilde restaurante, para não chamar “tasca”. Qual então a razão pela qual, o Estado ofereceu Garantias Soberanas e entregou quase que o monopólio da importação e produção agro-alimentar a esse Grupo, se por muito menos implodiram o(s) Candando(s)?

*Consultora Internacional, doutorada em Direito Económico e Financeiro com Mestrado em Ciências Jurídico-Económicas e pós-graduações em Fi‐ nanças Internacionais, Negócios, Liderança, Negociação de Contratos Pe‐ trolíferos e Direito Económico Internacional 

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