COOPERAÇÃO ENTRE PORTUGAL E ANGOLA

PARA LÁ DO NEGÓCIO DEVERIA SERVIR 

A DEMOCRATIZAÇÃO DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES

POR RAMIRO ALEIXO

Ficamos sem saber, no decorrer da visita que o primeiro-ministro português realizou há dias a Angola, se nalguma ocasião (antes ou no decorrer dos encontros mantidos), o Presidente João Lourenço, Luís Montenegro ou os membros das duas delegações abordaram, ainda que de leve, a questão da “Recuperação dos activos angolanos caçados ou em território português” e do apoio à consolidação do nosso Estado, que pretendemos igualmente, Democrático e de Direito. O primeiro, é um dossiê não concluído, resultante dos processos relacionados com o tal combate à corrupção de que Portugal tirou proveito (antes, durante e agora), que levou algumas vezes a Lisboa o Procurador-Geral da República, Helder Fernando Pitta Gróz. Sobre o segundo, embora existam protocolos de cooperação nalguns sectores e se copiam muitas leis, na prática, nem a troca de conhecimento funciona. E de entre os 12 acordos rubricados em Luanda, não ouvimos nenhuma referência sobre isso. Na falta de informação assertiva, alguém até especulou (ou comparou), que os 500 milhões de euros de incremento à linha de crédito de Portugal, fazem parte de um ‘truque de ilusionismo’ que Luís Montenegro sacou da cartola, que empolgou de tal forma o líder angolano, que, num ápice, sem consultar os seus auxiliares, encontrou destino para eles. Ignorou esse pendente de interesse do Estado? Velha postura sentimental redutiva de um sistema (ou preconceito mwangolê), que não se sente sequer beliscado pela pressão política e social, nem pela obrigatoriedade de prestação de contas. E como nem a nossa “comunicação social bem-comportada” ‘tugiu nem mungiu’, Luís Montenegro entrou e saiu como um bom samaritano, que veio colocar mais uma pedra nos alicerces da boa relação entre os dois países e povos. ‘Macutu’… porque entre Estados, não há almoços à borla. 

O novo primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro, esteve em Angola por três dias, para a realização da sua primeira visita de Estado, atestando o bom momento das relações entre os dois países, assentes num longo passado histórico inapagável, mas, sobretudo, em interesses económicos.

Foi só o ouvir renovar esse casamento, porque aparte os conflitos de interesse que são normais até mesmo na relação entre irmãos, não se vê razão objectiva para decorridos meio século do fim da colonização, os dois países tenham ainda que gladiar sobre questões tão básicas, quando se pode e há todas as condições para dialogar. Considero ser possível, sim, manter esse nível saudável de entendimento e de defesa de interesses, com vantagens para ambas as partes, se a base dessa relação for cultivada no respeito recíproco e com o devido distanciamento dos egos e complexos de superioridade ou inferioridade. Isso porque, entendo que nem os portugueses se devem considerar superiores pelo facto de nos terem colonizado ou porque estão num patamar de evolução política, económica e social mais alto, nem nós, os angolanos, porque estamos mesmo atrasados e fazemos por isso, devemos sentir-nos diminuídos ou com o nariz empinado, porque temos recursos e a mania de que somos ricos (pobretões). Até porque, ao contrário dos povos, os políticos e governantes têm tempo de vida útil determinado.

O que de facto precisamos, é de aumentar e acelerar o ritmo dessa cooperação, benéfica para a economia e para o bem-estar social das famílias portuguesas, e para nós, angolanos, porque precisamos de sair rapidamente desse estágio de subdesenvolvimento “e não só” (já chegarei a esse “e não só”) e, reconheçamos, não temos capacidade para fazer isso sem a contribuição de outros Estados. E Portugal dispõe dessa competência, de conhecimento, de disponibilidade e a língua comum constitui outra grande vantagem. Mas, isso não passa por eventual submissão ou desqualificação, como por vezes assistimos nos pronunciamentos de alguns sectores portugueses, também por culpa da má governação e da liderança angolana, cuja postura contribui para esse ‘avacalho’. 

O que se pretende com Portugal e com todos os parceiros, é uma cooperação multívoca, em vez do aproveitamento da nossa incompetência, da nossa falta de comprometimento e da fragilidade das nossas instituições, que, regra geral, são o prolongamento da intervenção política nos actos de administração do Estado, que depois condicionam o exercício das instituições e da sociedade.

Avançamos pouco em áreas fundamentais para o bom funcionamento do Estado e das instituições

À excepção da diferença fisionómica, vimos consonância no ‘timbre’ do discurso de Luís Montenegro com o seu antecessor, António Costa, sobre a importância que se confere às relações de amizade e de cooperação entre os nossos dois países. Aliás, António Costa, tal como José Sócrates, são duas figuras inolvidáveis de filiação ao Partido Socialista, que deram importante contributo para a melhoria das relações entre Portugal e Angola, mesmo quando confrontados com alguns “irritantes”. 

Para a governação angolana, há quase 50 anos exercida por um único ente político, o MPLA, sempre foi mais fácil a relação com Portugal quando governado por figuras eleitas pelo Partido Social-Democrata, do que com os do Partido Socialista, de certo modo, pela forte ligação das lideranças dos socialistas à UNITA e ao seu líder, Jonas Savimbi, ao tempo de Mário Soares e de seus correligionários. Referir que, desde 25 de Abril de 1974, Portugal já teve sete Presidentes da República e 30 Governos (os primeiros seis provisórios, entre 1974 e 1976, e os restantes 24 ao longo de 48 anos, segundo o Observador), enquanto por cá, não passamos de três Presidentes da República que nunca elegemos, idem aspas de Governos que foram sempre o mais da mesma emanação política. E dos três, um faleceu no exercício de funções, apenas um, depois de 37 anos, se retirou por cansaço, enquanto o terceiro, apesar das limitações constitucionais, não se sabe se sairá no final do mandato, em 2027, ou se, ao velho estilo africano, contornará a lei para continuar.

A mudança desse paradigma de marca passo nas relações com Portugal, deveu-se, em grande medida, ao empenho pessoal, pacifista e de um certo sentimentalismo, carácter ou sensibilidade de educação e postura ocidentalizada de José Eduardo dos Santos, deste lado, e do pragmatismo, do perfil de sobriedade e elevada seriedade do Professor Aníbal Cavaco Silva, antes nas vestes de primeiro-ministro. Passou por cima das birras partidárias de certa elite portuguesa (que condicionava e contribuía para separar os angolanos envolvidos numa guerra civil fratricida) e apostou numa mediação paciente, que, finalmente, conduziu a partes beligerantes para os Acordos de Bicesse (há 33 anos), depois dos Acordos de Alvor (há 49 anos, em Janeiro de 1975), ambos falhados. E com a entrada em cena de António Costa, de Marcelo Rebelo de Sousa (o Tio Celito), e agora com a ascensão de Luís Montenegro, parece-nos que foi colocada a cereja que faltava para condimentar o bolo do negócio entre os dois Estados. 

Depois dessa longa trajectória, fica difícil agora qualquer recuo, mesmo com a ascendência política de uma direita complexada e obstrucionista. Quem seguir, dos dois lados, encontrará o campo desbravado para dar sequência, simplificando o aprofundamento dessa cooperação, pois há uma parte considerável de angolanos que gostaria que fosse, sobretudo, nos domínios onde não avançamos ainda para o nível desejável: da Educação/Formação, da Ciência e Tecnologia, da Cultura e do Desporto, da Justiça e do funcionamento do nosso Estado (que desejamos Democrático e de Direito); de diálogo entre organizações da sociedade despartidarizada, das Artes e da Cultura, mas também do Desporto e da troca de conhecimento, como, aliás, referiu o próprio premier português. 

Ao longo dos anos, por conveniência do poder político, tem faltado do lado angolano, audácia (ou arrojo) na identificação de parcerias nesses domínios. Mas é visível que as atenções do lado de Portugal, estão sobretudo viradas para actividades nos sectores da construção, da indústria e de serviços, que de facto permitem o reembolso dos créditos concedidos, a estabilidade das empresas portuguesas, a exportação da sua força de trabalho excedentária, o mercado para bens e serviços, a arrecadação de impostos, a contribuição para o aumento do PIB e internacionalização da sua economia. Ou melhor, Angola, tal como no período de dominação colonial, continua a ser uma ‘galinha de ovos de ouro’ para Portugal. E entendem os políticos portugueses que, enquanto esse interesse estiver salvaguardado, outros, de carácter político, pouco contam. Mas, com um pouco de boa vontade, é exactamente desse exercício económico de onde pode sair o financiamento para que angolanos e portugueses interajam na implementação das acções identificadas no parágrafo anterior, onde não avançamos como seria desejável.

A confiança nas instituições ficou refém do narcisismo dos seus servidores

Se no passado as razões históricas que alimentaram a discórdia nesse casamento estavam do lado de Portugal, fruto de alguma instabilidade política que também viveu, a verdade é que, o quadro agora foi invertido. Apesar do empenho de ambas as lideranças, a incapacidade de se espremer mais para tirar outros proveitos dessa cooperação, está do lado angolano. Porque, as instituições angolanas estão demasiado fragilizadas, não gozam de boa saúde e têm uma reputação demasiado má. E se nem a nós angolanos transmitem confiança, imagine-se para os portugueses (ou outras entidades estrangeiras). 

A diferença entre os dois estágios de estabilidade, foi comprovada exactamente na qualidade da alternância política que ocorreu em Portugal, porque aqui houve apenas uma troca de Presidentes. As estruturas do poder mantiveram-se estáveis, e não houve nenhuma alteração na política interna nem de relacionamento externo com outros Estados, ficando patente a continuidade e até o reforço dos interesses e da influência estratégica de Portugal além-fronteiras. E, no caso concreto, com a África ‘portuguesa’ e com Angola, que até foi priorizada.

Recorde-se, a título de exemplo, que o ex-primeiro-ministro António Costa se demitiu a 7 de Novembro de 2023, na sequência de uma investigação do Ministério Público sobre suposto envolvimento num negócio, em que se terá influenciado em favor de uma empresa que não detinha direito de prospecção de lítio. António Costa, para além de político, é jurista e conseguiu, nas eleições legislativas de Janeiro de 2022, maioria absoluta, arrecadando 41,6% dos votos, e eleger 117 deputados. Mas, ainda assim, não hesitou em apresentar imediatamente a demissão. E fê-lo, exactamente, para defesa do seu bom-nome, mas, sobretudo, da imagem do Estado português e por “confiar plenamente na justiça e no seu funcionamento”, como disse, mantendo-se “totalmente disponível para colaborar no apuramento da verdade”

Decorridos oito meses e sem ter sequer sido constituído arguido, o ex-primeiro-ministro que depois de Aníbal Cavaco Silva foi o que teve maior longevidade no exercício desse cargo, com mais de oito anos em funções, foi recentemente eleito Presidente do Conselho Europeu pelos chefes de Estado e de Governo da União Europeia, para um mandato de dois anos e meio. A sua vida não parou. E para ser eleito, até contou com a solidariedade, com todo o apoio quer do Presidente da República, quer do seu substituto, Luís Montenegro, ambos do Partido Social-Democrata. Isso não aconteceria em Angola. Numa só palavra, como estamos, provavelmente só chegaremos a esse nível daqui a mais meio século.

O que pesou na eleição de António Costa, não foi apenas o perfil de político e o seu longo e rico currículo, mas o prestígio granjeado, a defesa dos interesses e a representatividade de Portugal ao mais alto nível da governação da Europa, num concerto de decisão de 27 Estados-membros e de 24 línguas oficiais. 

Mas, democracia é exactamente esse comprometimento com o Estado, e vai muito para além das birras ou dos egos de quem governa, e dos interesses partidários com o único propósito da manutenção do poder, quer se governe bem ou se governe mal. E pior do que tudo isso, impedindo que a sociedade encontre saídas e soluções agregadoras de valores, cimentadas na diversidade, que levam ao desenvolvimento. Mesmo quando há erros (exageros, ou estratégias de grupos políticos) como parece ter sido o caso que levou António Costa a demitir-se, a confiança nas instituições fica salvaguardada para que os superiores valores do Estado (e dos cidadãos) estejam protegidos. 

Baixamos para níveis de alta perigosidade na segurança do Estado

O que perderia a governação angolana, se para além de copiar leis portuguesas, como faz, e não as respeita após adoptadas, trabalhasse no sentido da absorção dos princípios que regulam o funcionamento da democracia e do exercício de direitos e liberdades fundamentais, como o direito de expressão, de opinião e de informação como se verifica no Estado português? Posta a questão de outra forma: O que ganharia Angola, se adoptasse os princípios que regem o funcionamento do Estado português, ainda que, seria o mais lógico, a ‘cópia’ fosse ‘caramelizada’ com uma pitada da nossa realidade e das nossas especificidades como africanos? 

A resposta não é tão difícil: com todo o potencial de que dispomos, mesmo só nesse percurso de 22 anos de fim do conflito armado, estaríamos quase no mesmo patamar que Portugal, ainda que aprisionados por um sistema democrático de ditadura partidária, contudo comprometido com uma causa de e para todos, a construir os alicerces para se erguer uma eventual cópia melhorada de um Dubai da região austral de África nos próximos 50 anos. Dubai, ou coisa parecida, desde que não houvesse miséria dos seus filhos, e com mais oportunidades para todos. Nem teríamos a emigração em massa (passe o exagero) para Portugal, como saída para usufruir do respeito e da dignidade que a maioria não recebe no seu próprio país. As piores marcas da prestação de quem exerce o poder em Angola há quase 50 anos

Mas é aqui que se enquadra a referência feita mais acima, sobre o desenvolvimento “e não só”. Porque como estamos e caminhamos, não chegaremos lá nos próximos 50 anos. Porque o verdadeiro entrave não está na falta de quadros, mas no aproveitamento e na orientação que se dá aos que existem e, concomitantemente, ao Estado. E para isso, não há remédio de cooperação que nos valha. Porque falta o fundamental: vontade política. Falta alternância, mas também ela só se consegue, com mais elevação e preparação da sociedade, que deve pressionar para que se faça a alteração da Constituição, permitindo maior abertura política e maior participação na disputa política para o exercício do poder. Mas, até isso, é responsabilidade de quem exerce o poder. Pelo menos, na concepção de abertura, para a sociedade fazer o resto.

Analisemos, a título de exemplos, os seguintes casos: recentemente, 20 magistrados judiciais receberam formação em Portugal, por período de quatro meses, nos domínios de jurisdições de Família, Criança, Direito Penal e Processo Penal, Direito do Trabalho e Processo Laboral, Direito Civil, Comercial e Processual Civil, Ética e Deontologia. Quem esteve em Lisboa a presidir a cerimónia de encerramento do curso, foi o juiz conselheiro Joel Leonardo, presidente do Tribunal Supremo e do Conselho Superior da Magistratura Judicial, acusado e com um processo de investigação em curso pelo Ministério Público sobre corrupção, utilização indevida de fundos públicos e extorsão a réus. As acusações são demasiado graves, e ao abrigo da ética, da deontologia, mas também de carácter pessoal, deveria sentir-se impedido de representar essa instância exactamente nessa acção, que contou com a presença de respeitáveis magistrados portugueses. Foi vergonhoso.

O outro caso, diz respeito ao conteúdo de um vídeo que circula nas redes sociais, no qual o advogado David Mendes, confortado por uma audiência considerável, faz duas graves denúncias públicas. A primeira, sobre o envolvimento do ministro da Justiça, Marcy Cláudio Lopes, na utilização abusiva da figura do Presidente da República, para tentar apropriar-se, sob coação, de 30% de todo o dinheiro que a Igreja Universal tem depositado num banco, em troca do favorecimento dessa instituição, num conflito que a opõe a uma ala angolana. Na segunda, David Mendes denuncia a intervenção do ministro da Cultura, Filipe Zau, no mesmo caso, solicitando ao bispo, representante da ala ligada ao Brasil, a renúncia dos serviços de defesa deste advogado. E até hoje, os visados não fizeram nenhum pronunciamento em sua defesa, ou exigindo responsabilização por eventuais danos causados à reputação. O que ocorreu foi o silêncio. Incluindo da Presidência da República e da Procuradoria-Geral.

Sobre atentados à dignidade institucional, podíamos referenciar mais de uma dezena de casos que ajudariam a perceber a diferença que vai entre um país que se constrói com a participação de todos os seus cidadãos e onde ninguém, absolutamente ninguém, está acima do Estado e das leis, daquele país, como Angola, governado por um sistema que o aprisiona, para defesa de interesses justificados na manutenção despótica do poder por uma elite partidária, que define as regras de jogo, incluindo do funcionamento das instituições. E os casos mais gritantes, são da Assembleia Nacional que onde estão deputados em conflito com a ética, com a deontologia e com a Justiça, dos Tribunais superiores, do Exército, dos Serviços de Inteligência e da Polícia Nacional. Não é normal que nos últimos sete anos, e ao abrigo do combate à corrupção, o sistema judicial e o judiciário (para lá do executivo) tenham produzido mais agentes milionários com chorudas contas na Suíça e em Portugal, do que a economia mais empresários ricos. Antes, pelo contrário: nunca tantas empresas, sobretudo de nacionais, foram encerradas e nunca tantos empresários e empresas de angolanos faliram ou para lá caminham, enquanto estrangeiros prosperam vendendo até o lixo do processamento de frangos abatidos pelos grandes produtores internacionais, neste país que tem a sua população faminta.

E infelizmente, quem está investido de autoridade para impor ordem no circo, parece não dar conta que ele pega fogo. 

Silêncio em torno da devolução ou do repatriamento de capitais da corrupção

A falta de confiança e de credibilidade nas instituições angolanas são, de entre muitas, algumas das razões que ao abrigo da razoabilidade, deveriam, como forma de pressão para a mudança, condicionar a realização de algum investimento português em Angola com suporte institucional, ou o financiamento de acções, que de forma geral directa ou indirecta, beneficiam uma governação longa de 50 anos, cujo exercício viola os padrões da democracia defendida pelos próprios europeus, que conta agora, com a injecção de mais 500 milhões de euros para uma linha de crédito, já com destino traçado. Mas, essa é daquelas perguntas, que não sendo incómoda, também não foi colocada à Luís Montenegro pelos nossos “jornalistas bem-comportados”, parafraseando o Presidente do Brasil, Lula da Silva. A resposta até foi dada pelo Presidente João Lourenço a um jornalista português “bem-comportado”, quando afirmou que “a relação é entre Estados e não entre partidos políticos”, o que no caso de Angola, até pode não ser bem assim, porque, na prática, o último beneficiário acaba por ser mesmo um partido. E esse aspecto não deve ser ignorado por quem ‘empresta’ recursos, sob pena de contribuir para a violação de direitos fundamentais da população desse país. 

Mas, a justificação para a postura da governação portuguesa não se tem alterado nas últimas três décadas, depois de uma crise em que de forma capciosa aceitou a injecção de capital angolano que agora considerada indigno. Infelizmente para nós, com o apoio da ‘nova’ governação angolana que ajudou Portugal a capturar (pelo menos parte do bolo) para seu proveito, enquanto deste lado, é recorrente a pressão que faz para o pagamento da dívida. Pode-se assumir essa prática, como referiu Luís Montenegro, também como contribuição “ao progresso de Portugal e bem-estar dos portugueses”, mas também de Angola e dos angolanos? Afinal, estão em Angola mais de 1.550 empresas, que para além de gerarem lucros que são repatriados, empregam milhares de portugueses, que ganham aqui compensações que servem igualmente de suporte para as suas famílias e economia. Para além da internacionalização da capacidade técnica e da qualidade dos produtos e serviços portugueses, logicamente, que isso joga como um importante factor de estabilidade política, económica e social. Logo, não podemos ter essa relação de cooperação como um modelo unívoco.

Outra pergunta que deveria ter sido feita ao primeiro-ministro Luís Montenegro, mas escapou aos nossos “jornalistas bem-comportados”, é de que forma o seu Governo permitirá a “recuperação ou devolução de activos angolanos,” como da EFACEC, açambarcados, com a cumplicidade da forma desastrosa como o Presidente João Lourenço encetou o combate à corrupção em Angola? Considera-se desastrosa, sim, porque a diferença entre os níveis de corrupção de ontem com os de hoje só têm uma diferença: o círculo é mais restrito e refinado. E foram mais os prejuízos causados, até em termos de destruição da influência angolana em Portugal, do que os ganhos financeiros, diplomáticos e de continuação do investimento de nacionais em Portugal. Por isso poucos empresários angolanos estão receptivos ao convite e desafio lançado por Luís Montenegro, para investirem em Portugal até porque se perdeu a confiança. Estão quase todos empobrecidos, o dinheiro não sai porque não há ou não permitem, e até os honestos passaram a ter o rótulo de ladrões. 

Mas, também aqui se confirma que entre Estados, não há jantares gratuitos. Os angolanos é que se deixaram levar por emoções e pensaram que investir em Portugal, era porto seguro. Foi, sim, até entrar em cena o Presidente João Lourenço, que facilitou a reviravolta, a custo zero, a favor de quem já não via com bons olhos esse protagonismo angolano (do colonizado) em território português (do colonizador), transformado numa grande lavandaria do dinheiro saído de Angola, mas que beneficiou a economia portuguesa.

Concluindo, o nosso grande obsctáculo na normalização da nossa vida e do nosso desenvolvimento económico e social, está na qualidade da nossa política de militância, de fidelidade canina a uma liderança partidária e da falta de comprometimento desta com o Estado. E alterar esse quadro, depende também da nossa capacidade de transpor todos os obsctáculos, de perceber a diferença entre a defesa dos interesses do Estado, do qual todos somos parte integrante, dos interesses de cada partido. E que ninguém fará o trabalho de casa por nós. Temos que passar rapidamente para uma nova era política, de mais pressão para a melhoria dos actos de governação, de responsabilização e até de criminalização, se for o caso. Essa é uma questão que teremos que resolver rapidamente, sob pena de se passarem mais 50 anos e continuarmos presos a um modelo de gestão que não promove o desenvolvimento.

Para quem governa Portugal, o problema político de Angola, diz respeito só aos angolanos. O que importa é fazer negócio, que tenha retorno com benefícios económicos e sociais para si e para os seus. É para isso que servem as linhas de crédito, foi para isso que apareceram, num rompante, mais 500 milhões de euros. Infelizmente, nós nem sequer sabemos se as regras do jogo democrático serão alteradas para João Lourenço permanecer na Presidência, terminado o seu segundo mandato, e se concretizada essa pretensão, o país conhecerá instabilidade política, mais pobreza, mais desemprego, mais depreciação da moeda e menos confiança para o investimento estrangeiro. O que é inquestionável mesmo, é que dívida é dívida e esteja quem estiver no nosso poder, Portugal receberá cada euro da linha de crédito reforçada, com todos os juros correspondentes. Porque é assim que as coisas funcionam na defesa dos interesses de cada Estado.

No essencial, foi isso o que o primeiro-ministro Luís Montenegro deixou claro em Angola. Mas foi também isso que o Presidente João Lourenço não soube defender com clareza. O governante português esteve bem. O nosso lado, uma vez mais, foi quem esteve mal, na defesa dos nossos interesses.

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