As Línguas Maternas, a participação e o futuro (2)

A inexistência de diálogo, por dificuldade ou ausência de comunicabilidade entre os diversos grupos sociais, gera indiferença de uns em relação aos outros, e coloca a necessidade de recorrer a formas de tradução das suas necessidades, práticas e aspirações, para que as mesmas se tornem compreensíveis e permitam o diálogo entre eles. 

Cisaltina Abreu*

Continuando as reflexões sobre a importância das Línguas Maternas para garantir o Futuro, encontrei duas frases que, articuladas, me parecem dar o sentido que hoje gostaria de abordar, nomeadamente a participação no espaço público como meio de garantir uma ampla inclusão, no processo de tomada de decisão, dos conhecimentos, das capacidades e das habilidades dos povos para garantir futuro para todas. São elas:

A plenitude cultural apenas pode tornar um povo mais capaz de contribuir para o progresso geral da humanidade e aproximá-lo do conhecimento de outros povos” 1, e “Não existem portadoras de comunicação mais apropriadas do que as línguas nacionais2

Tendo como espaço de reflexão Angola e recorrendo a trabalhos sobre Participação e Espaço Público3, começo por tentar caracterizar as dificuldades que se colocam à desejada participação no espaço público. A precariedade dos espaços públicos para além de reflectir ambiguidades de processos de democratização descontínuos e marcado por inúmeras violações dos direitos fundamentais, entre os quais a guerra é o exemplo mais acabado, assinala as dificuldades encontradas em vencer a distância social provocada pela desigualdade e suas consequências na sociedade: injustiça e desconfiança. A grande desigualdade e os elevados níveis de exclusão funcionam como divisores de águas entre a pequena parcela da sociedade mais favorecida e a grande maioria, uma distância social crescente porque os primeiros procuram defender os seus interesses e os segundos simplesmente sobreviver. Nestas circunstâncias torna-se difícil gerar uma solidariedade social ampla, abrangendo a sociedade no seu todo4

A articulação de interesses tão opostos quanto os presentes na sociedade angolana, requer uma estratégia de aproximação que permita aumentar a confiança entre os actores por via do diálogo, o que enfrenta duas importantes dificuldades: o silêncio e a indiferença. A primeira resulta da destruição parcial durante o período colonial, e do não reconhecimento após a independência, das formas de conhecimento próprias dos povos, criando “silêncios que tornam impronunciáveis as necessidades e aspirações dos povos e grupos sociais cujas formas de saber foram objecto de destruição”5, funcionando como bloqueio de uma potencialidade que não se consegue desenvolver. 

A segunda dificuldade resulta da incompreensão entre as diversas culturas sobre necessidades, práticas e aspirações de cada uma delas, porque a solidariedade constrói-se no conhecimento e aceitação das diferenças: a inexistência de diálogo, por dificuldade ou ausência de comunicabilidade entre os diversos grupos sociais, gera indiferença de uns em relação aos outros, e coloca a necessidade de recorrer a formas de tradução das suas necessidades, práticas e aspirações, para que as mesmas se tornem compreensíveis e permitam o diálogo entre eles. 

Cabe aqui referir o papel que podem jogar actores sociais que se prestem a actuar como descodificadores semânticos – tradutores não só de palavras como de sentidos -, estabelecendo “pontes” de contacto e de troca de informação entre vários ‘mundos’ e permitindo, assim, o diálogo. Estes articuladores são, em geral, pessoas com capacidades para operar nos vários mundos em presença e com empatia para promover redes de interlocutores que operam a tradução de necessidades e objectivos aos diversos níveis, reinterpretando os diálogos com as comunidades de base para os outros actores sociais, económicos e políticos e vice-versa. 

O duplo objectivo de promover articulações entre os diversos públicos do público, e a criação de instâncias de participação aos diversos níveis da sociedade sobre os mais variados temas de interesse de todos, exercita a democracia e estimula, nos que nelas participam, o desafio à lógica dominante, amplia os espaços públicos através da diversificação dos actores, dos temas e dos discursos, e produz oportunidades de troca de informações e de experiências, ampliando o conhecimento sobre os problemas e as possíveis soluções para os mesmos. Para isso, porém, é preciso vencer as resistências que ainda prevalecem, não só por parte das instituições do Estado, mas também por parte dos próprios cidadãos. 

Por meio de acções de reunião e de diálogo, gerando opiniões e atitudes para confirmar ou desafiar a gestão dos assuntos de Estado, a esfera pública constitui-se como a fonte da opinião pública necessária para legitimar a autoridade em ambiente democrático6. Particularmente a complexidade, mas também a desigualdade social prevalecentes nas sociedades actuais e entre regiões do mundo, apontam como necessária a coexistência de várias e diversos públicos ‘dentro’ dessa esfera pública, incluindo grupos hoje excluídos, novos movimentos sociais, oportunidades criadas pelas novas tecnologias, e actores sociais capazes de desempenhar o papel de articuladores e mediadores do diálogo e do debate entre todos os grupos e/ou sectores da sociedade, gerando novos espaços de interacção na esfera pública. 

A funcionalidade e a eficácia destes espaços de interacção pressupõe a criação de oportunidades de inclusão criadas pela possibilidade de se expressar na língua que melhor domina e através da qual tem acesso à informação relevante e se comunica. Quanto maior a diversidade da participação mais fácil se torna pensar como possível a construção colectiva de um Futuro com base em Novas Visões de Mundo, plurais mas não excludentes, como resultado da mobilização de todos os conhecimentos e experiências possíveis, desenhado por imensas mãos, para ilustrar o que desejamos para nós e os nossos, Hoje, e para que as Gerações futuras tenham o direito, amanhã, de escolher os seus próprios caminhos.

27 de Fevereiro 2023 (Continua…)

*Cesaltina Abreu é cientista social. Graduada em Agronomia, com Especialização em Botânica e Protecção de Plantas pelo IAC (International Agricultural Centre), Wageningen, Holanda (1975), detém vários títulos académicos com uma investigação conduzida na intersecção entre a Sociologia Política e o Desenvolvimento Sustentável, na Universidade de Newcastle, no Reino Unido, com o tema “Contribuição das Ciências Sociais para os programas de doutoramento do CESSAF (Centro de Excelência em Ciências para a Sustentabilidade em África)”.Fez mestrado e doutoramento em Sociologia, pelo IUPERJ – Rio de Janeiro, Brasil.

1 DIOP, Cheik Anta. Nations, nègres et cultures. Tome 2. Présence Africaine, 1979;

ADJADOHOUN, Romaric. Problématique de l’adaptation des langues nationales aux savoirs modernes. Mémoire de maîtrise de linguistique l’UNB. 113p., 1991;

ABREU, Cesaltina. Sociedade Civil em Angola: da realidade à utopia. Tese de doutoramento apresentada ao Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), Rio de Janeiro, Brasil, Março 2006. “O Espaço Público em Angola: uma perspectiva a partir da sociedade civil”. Comunicação à 12a. Assembleia-Geral do CODESRIA sob o lema Governar o Espaço Público Africano, Yaoundé, Camarões. Dezembro 2008;

REIS, Elisa. (1995), “Desigualdade e Solidariedade: Uma releitura do ‘Familismo Amoral’ de Banfield”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, no. 29, pp.35-48;

3 Comments
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